Carlos Oliveira: “Há um grave problema transversal de qualificações em Portugal”

“Há um grave problema transversal de qualificações que urge resolver para retirar Portugal da cauda da Europa e fazer o país convergir com a média europeia.” São palavras do presidente executivo da Fundação José Neves, que, em entrevista ao 2050.Briefing, no contexto dos dois anos da instituição, defende a importância da educação e da formação para preparar as pessoas e as empresas para os desafios do futuro.

A fundação propõe-se elevar o potencial humano dos portugueses. Como?

A Fundação José Neves (FJN) tem dois grandes objetivos: ajudar a transformar Portugal numa sociedade do conhecimento através da educação e do desenvolvimento pessoal, e ajudar a colocar Portugal na liderança do desenvolvimento humano nos próximos 20 anos. A FJN está focada na educação e no desenvolvimento das competências que serão mais procuradas no futuro. Porque estamos conscientes de que vivemos uma era de transformação acelerada e num mundo em processo de mudança (como provou a pandemia), só com a permanente atualização de conhecimento (reskill e upskill) os portugueses poderão preparar-se para os desafios do futuro e adaptarem-se às exigências de um mercado de trabalho em que a mudança é cada vez mais veloz. Isto aplica-se não só às novas gerações, mas também a quem já está no mercado de trabalho.

O que integra esse conceito de “potencial humano”?

Potencial humano é a capacidade de cada um de nós atingir a realização pessoal e profissional na vida. Ou seja, ser o melhor de nós próprios em todas as componentes da nossa vida. Se quisermos partir do individual para o geral, ao elevarmos o potencial humano dos portugueses estaremos, indiretamente, a elevar o potencial do país, a melhorar e a aumentar a competitividade de Portugal. E isso certamente que trará melhores condições de vida aos portugueses, melhores empregos, melhores salários, mais bem-estar e felicidade e melhores perspetivas de futuro para as gerações vindouras.

A formação é a principal ferramenta para alcançar esse objetivo?

A educação e a formação são ferramentas essenciais para atingir esse patamar, mas existem outras, como o desenvolvimento pessoal. Na fundação acreditamos que a educação tem um poder transformador na sociedade. Daí, com o propósito de educar para evoluir, a FJN ter em curso diversos programas.

Um deles é o ISA FJN, um programa de bolsas reembolsáveis baseadas no modelo de acordo de partilha de rendimentos (Income Share Agreement) dirigido aos estudantes e também a todos aqueles que já estão no mercado de trabalho. O objetivo maior dos ISA FJN é apoiar os portugueses no acesso aos cursos e formações que lhes permitam adquirir as competências para que tenham um melhor futuro, através do pagamento integral da propina por parte da FJN. 

Temos parcerias com 38 instituições de ensino nacionais e 383 cursos e formações elegíveis, acessíveis a qualquer pessoa. Basta ser maior de idade e ter residência fiscal e cartão de cidadão português. As candidaturas estão sempre disponíveis online.

O outro programa é a plataforma Brighter Future, a maior base de conhecimento sobre educação, empregabilidade e competências em Portugal. Permite comparar e relacionar dados e informação sobre cerca de 4.500 cursos e formações, mais de 1800 profissões e mais de 1800 competências relevantes.

Disponibiliza ainda um simulador de carreira e informação de qualidade para escolher um futuro baseado em factos e tomar decisões sobre percursos educativos e profissionais de forma consciente e informada. O Brighter Future pode também ser de grande utilidade para todos os agentes do setor da educação.

Existe alinhamento ou desfasamento entre a educação e o emprego?

A resposta é, sim, existe um desfasamento. Ao constatarmos que 25,8% dos jovens recém graduados não têm um emprego no período de três anos após a conclusão dos estudos, ou que 20% dos jovens com o ensino superior que entraram no mercado de trabalho estão em funções para as quais não necessitam daquele grau de formação, fica claro que há um desalinhamento claro entre as necessidades do mercado de trabalho e a formação. E se nos focarmos nos adultos há também enormes desafios. 40,5% dos adultos não têm o secundário (o valor mais alto da UE) e 41% da população não tem competências digitais. É necessário termos presente que a população portuguesa tem o maior défice de qualificações da União Europeia e o maior fosso intergeracional nos níveis de qualificação da sua população ativa.

O mesmo se passa com as qualificações dos gestores, que pesam praticamente tanto para a produtividade como as dos trabalhadores. Apesar de terem vindo a aumentar, Portugal continua a ter a maior percentagem de empregadores que não terminou o ensino secundário. Em 2021, este era o caso para 47,5% dos empregadores, praticamente o triplo da média europeia que se fixou em 16,4%.

Ou seja, isto significa que há um grave problema transversal de qualificações que urge resolver para retirar Portugal da cauda da Europa e fazer o país convergir com a média europeia.

O desfasamento entre a educação e o emprego é, também por arrasto, uma evidência. Portugal precisa de uma agenda para a educação, de um compromisso entre todos os stakeholders da sociedade (empresas, entidades formadoras, instituições de ensino e decisores políticos).

Parte desse caminho terá de ser feito de base e passa por um Ministério da Educação que foque as suas preocupações no output do sistema educativo, isto é, de educar e formar os portugueses com as competências adequadas para o futuro.

E isso passa, inevitavelmente, também por uma atualização dos curricula do ensino superior, que deve acelerar a sua transformação para se adaptar com mais agilidade às necessidades do futuro. Passa pela aposta em formação de curta duração e orientada para as necessidades do presente das empresas e do mercado de trabalho e, finalmente, pela desmistificação do Ensino Profissional e do Ensino Superior Politécnico, dando-lhes a real importância que merecem.

Não menos importante é a criação de condições para ajudar empresários, gestores e as empresas portuguesas a identificarem as necessidades que podem fazer a diferença para melhorar as suas organizações e para incutirem estratégias, planeamento e uma cultura aberta à aprendizagem dos trabalhadores.

Que competências são necessárias para os empregos do futuro?

As ofertas de emprego deixam perceber quais são as competências mais procuradas pelos empregadores nos processos de seleção de trabalhadores.

A fundação foca-se em dados e factos para que todos possam tomar decisões informadas. Temos aquilo a que chamamos Insights, pequenos artigos que nos alertam para algumas dinâmicas de emprego. Um destes insights demonstra que as competências mais procuradas pelos empregadores em 2019 eram as seguintes: adaptar-se à mudança; utilizar computadores; utilizar programas do Microsoft Office; trabalhar como parte de uma equipa; criar soluções para problemas; prestar apoio a clientes; revelar responsabilidade; princípios do trabalho em equipa; desenvolver estratégias de resolução de problemas e serviço ao cliente.

Quando olhámos para as competências do futuro em Portugal, o que o Insight revela, com base em dados do World Economic Forum, é que em 2020 há duas aptidões emergentes e que aparecem pela primeira vez em destaque entre as que são essenciais nos próximos anos: aprendizagem ativa e estratégias de aprendizagem. Estão ambas relacionadas com a capacidade e eficácia de aprendizagem e ganharam ainda mais preponderância com a crise pandémica.

Nas profissões com salários mais elevados, as aptidões relacionadas com a leitura, aprendizagem ativa e resolução de problemas, assim como conhecimentos de computadores e eletrónica e matemática são apontadas como as mais relevantes.

E as empresas estão preparadas para receber um novo perfil de colaboradores?

Se não estão preparadas terão de o fazer rapidamente. Num mundo em que as mudanças sociais e tecnológicas são cada vez mais velozes, as empresas têm de se adaptar para não serem ultrapassadas pelos seus concorrentes. A chave para acompanhar esse desenvolvimento, para integrar as novas competências nos processos e nas dinâmicas empresariais, está na aposta na aprendizagem e formação dos trabalhadores.

Mas há ainda um longo caminho a percorrer, já que cerca de 84% das empresas portuguesas não investiram na formação dos seus colaboradores em 2019, segundo dados do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Isto apesar de reconhecerem que a formação é muito importante. São muitos os obstáculos para não o fazer, nomeadamente falta de tempo e os custos inerentes à formação. Um estudo recente sobre Portugal revela que a produtividade das empresas tende a aumentar pelo menos 5% quando as empresas investem em formação. Outros benefícios passam pelo aumento do número de trabalhadores e do valor acrescentado bruto nas respetivas empresas.  O aumento da formação dos trabalhadores promove ainda ganhos de competitividade, mais produtividade e melhores salários e inclusive a retenção dos trabalhadores, ao reforçar o seu sentimento de satisfação e orgulho na empresa.

Que balanço faz destes dois anos?

Dois anos depois da apresentação pública da Fundação José Neves já é possível medir o impacto dos nossos programas. Registamos com muita satisfação que cerca de 88% dos bolseiros que terminaram as suas formações com o apoio das nossas bolsas já encontraram emprego. No total, o programa ISA FJN já recebeu mais de 3500 candidaturas e atribuiu 382 bolsas, através de um investimento superior a 2,8 milhões de euros no pagamento de propinas. 

Constatamos ainda que a aplicação de desenvolvimento pessoal 29k FJN chega a cada vez mais pessoas, e agora também aos jovens, dando resposta às suas dúvidas e inquietações.

O Estado da Nação sobre Educação, Emprego e Competências é também uma ferramenta útil sobre o estado do país nestas 3 dimensões, e para poder ajudar a indicar os caminhos de futuro.

Terça-feira, 07 Fevereiro 2023 12:04


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