Colocar a cidadania no centro das decisões e ações

O arquiteto catalão Miquel Lacasta aborda alguns tópicos sobre os desafios das cidades.

Colocar a cidadania no centro das decisões e ações

Uma cidade relacional é…
Para sintetizar, embora correndo o risco de deixar muitos aspetos de fora, uma cidade relacional define-se por ter uma escala humana, por ser compacta, densa e próxima, por ser uma cidade saudável e muito “verde”, muito renaturalizada. É uma cidade com um espaço público de grande qualidade. Em suma, uma cidade relacional é aquela que colocou a cidadania no centro de todas as decisões e atuou em consequência.

Lugar às pessoas
Se colocarmos os cidadãos no centro das decisões, não colocamos os carros, pois não? Porque uma cidade relacional é uma cidade em que a cidadania reconquista o espaço público, em que o trânsito está pacificado e em que se pode passear, brincar na rua. Uma cidade relacional é aquela em que a arquitetura está ao serviço da cidade e do urbanismo e não o contrário. Uma cidade relacional aspira a que os cidadãos tenham múltiplas oportunidades de trocar experiências, de aprender, de crescer intelectualmente na cidade.

Termómetro da sociedade
A cidade sempre foi o termómetro mais fiel do estado em que se encontra uma sociedade. Torna-se uma radiografia muito complexa e de muitas camadas em que se pode ler o momento de força ou de fraqueza da economia, da tecnologia, da cultura, da profundidade dos problemas sociais. E tudo isso é impulsionado pelas relações humanas. Se a cidade não contribui para reter talento, se não permite que se deixe voar a imaginação e se não configura hubs de criatividade, a qualidade das relações humanas será pobre e o crescimento da cidade será de pouco valor.

Tempo de transporte vs tempo de desporto
A mobilidade urbana deve focar-se em transformar o tempo de transporte em tempo de desporto. Significa isto que, se uma cidade é próxima, se me permite ir a pé ou de bicicleta a uma boa parte das obrigações semanais, isso faz com que as minhas deslocações se convertam em desporto de baixo impacto que melhora a saúde, melhora o bem-estar, melhora a qualidade de vida e a qualidade do ar, por se optar massivamente por meios de transporte não poluentes. A equação é muito fácil de entender no papel e muitas cidades europeias já a estão a aplicar.

Círculo virtuoso
A todos os benefícios anteriores, juntam-se benefícios psicológicos, ambientais e, claro, económicos e sociais. Geram-se tecidos associativos, colaborativos e solidários. E os cidadãos sentem-se acompanhados pelas suas comunidades, E, finalmente, quando se consegue que uma cidade entre no círculo virtuoso da cidade relacional os benefícios aumentam de forma exponencial.

O tempo das cidades
Conceptualmente, não há obstáculos. É fácil estar de acordo com as propostas de valor da cidade relacional porque não deixam de ser propostas que assentam no senso comum e numa visão holística de muitas ideias e conceitos que o relacional coloca em evidência. A dificuldade principal reside no facto de os resultados de se aplicar os princípios de uma cidade relacional não serem visíveis imediatamente. Não são evidentes a muito curto prazo. O tempo da arquitetura é de cinco a seis anos entre o desenho e a construção e o tempo da cidade é, muitas vezes, maior, se queremos desenvolver um novo bairro. Não é uma questão de fazer tábua rasa, antes pelo contrário, é ir movendo o curso, constantemente, pouco a pouco.

Miquel Lacasta, arquiteto

Quarta-feira, 16 Agosto 2023 10:52


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