Conservação marinha em Portugal: que futuro?

A coordenadora de Poluição e Clima da Sciaena, Ana Matias, defende a necessidade de ação urgente para proteger os oceanos.

Conservação marinha em Portugal: que futuro?

Que Portugal é uma nação marítima é frequentemente trazido para a discussão quando se fala de políticas de conservação marinha. Sabemos que a extensão de uma linha costeira ou de uma ZEE [Zona Económica Exclusiva] é diretamente proporcional à responsabilidade de proteger o meio marinho. Mas será mesmo assim?

Por cá, a Lei de Bases do Clima, aprovada no final de 2021, reconheceu finalmente o oceano como um potente aliado no combate às alterações climáticas, tendo reconhecido também a necessidade de atividades de restauro ecológico e a designação de (mais) áreas marinhas protegidas para proteção de ecossistemas vulneráveis.

Mais e mais informação sobre a ligação entre oceano e clima tem-nos sido dada a conhecer. Sabemos já, por exemplo, que metade do oxigénio que respiramos é produzido no oceano. No entanto, o dado que talvez mais nos diga sobre a importância de um oceano saudável e resiliente para a manutenção das condições de habitabilidade no planeta é o facto de ter absorvido mais de 90% do calor produzido por mão humana desde os anos 70. Dados dizem que se os primeiros 10 km da atmosfera tivessem absorvido a mesma quantidade de calor que os dois primeiros quilómetros do oceano absorveram, o planeta já teria aquecido 36ºC. É este efeito tampão, ou seja, a capacidade do oceano de absorver este calor sem aumentar significativamente a sua temperatura, que nos permite ainda habitar a Terra.

Se Portugal é progressista em algumas políticas em prol da defesa do ambiente, a verdade é que tardamos a implementar outras. Veja-se o caso da mineração em mar profundo. Esta é uma das atividades emergentes que mais ameaça o oceano. Os impactos da mineração em mar profundo são de várias ordens – no fundo marinho, nos habitats muito pouco conhecidos das profundidades abissais, nas cadeias tróficas, na ecologia das espécies de profundidade, entre outros. No entanto, também o impacto desta atividade no combate à crise climática tem que ser falado. A mineração em mar profundo, a iniciar-se, irá levantar grandes quantidades de sedimento repleto de carbono que se foi acumulando ao longo de milhões de anos nos fundos marinhos. No mesmo momento em que as palavras de ordem são para manter (e mesmo aumentar) os reservatórios naturais de carbono, a Humanidade não pode definitivamente dar-se ao luxo de destruir um dos maiores sumidouros que temos.

Os Açores, região já anteriormente identificada com um dos locais mais apelativos para extração de minérios na Europa, acabam de aprovar por unanimidade uma resolução que recomenda ao Governo regional a implementação de uma moratória à atividade até 2050. Portugal deve seguir a vontade expressa pelo arquipélago e colocar-se na frente da proteção do mar profundo. Uma moratória nacional, mais do que necessária, é urgente.

A proteção do oceano não se pode esgotar em palavras e em compromissos longevos. Ação é precisa agora e sem demoras; a crise climática e a crise da biodiversidade não ficarão à espera de consensos políticos.

Ana Matias, coordenadora de Poluição e Clima da Sciaena

Quarta-feira, 26 Julho 2023 09:55


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