Desemaranhar os propulsores da mudança

O diretor da ecosphere, José de Bettencourt, reflete sobre a utilização de abordagens de gestão integradas e baseadas nos ecossistemas no âmbito dos oceanos.

Desemaranhar os propulsores da mudança

Os oceanos sustentam a vida no planeta, dado que controlam o clima através da grande circulação termohalina e interação com a atmosfera, dão-nos muito do ar que respiramos (vem dos mares 50% a 80% do oxigénio produzido no planeta) e são a maior fonte de água doce (a evaporação-precipitação é a dessalinizadora natural). No entanto, os oceanos estão sob forte pressão, as variações de temperatura e acidificação dos oceanos associadas ao efeito de estufa podem alterar o equilíbrio da circulação termohalina e a vida marinha com efeitos em todo o planeta, as florescências algais excessivas provocadas pelas excessivas doses de nutrientes de origem terrestre diminuem o oxigénio disponível para a vida em terra, o flagelo do plástico no mar (cerca de 80 mil toneladas de plástico em cada quilómetro quadrado de oceano e 8 milhões de pedaços de plástico a entrar todos os dias no mar) provoca danos irreversíveis à biodiversidade, fortes doses de substâncias químicas incluindo poluentes orgânicos persistentes como mercúrio de origem antropogénica encontram-se nas cadeias tróficas marinhas. Além de que a sobrepesca e a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada continuam a grassar em mares e oceanos. Tudo isto tem repercussões na vida no planeta e na saúde humana.

Assistimos atualmente a uma forte aposta no crescimento da economia azul, o que aumenta os desafios em matéria de sustentabilidade. Na União Europeia e territórios ultramarinos associados (devido aos quais p.e. França é o país do mundo com a maior zona económica exclusiva), a  economia azul significa atividades geradoras de rendimento no oceano, como a colheita de alimentos, o transporte marítimo, o turismo, o lazer, a biotecnologia azul e a exploração mineira dos fundos marinhos (além dos hidrocarbonetos, há interesse crescente na mineração dos fundos marinhos de minerais, como o cobalto, e elementos de terras raras necessários nas baterias para veículos elétricos, como medida de mitigação das alterações climáticas).

Tal como noutras vertentes, o foco no crescimento perpétuo da economia, em vez da aposta na qualidade de vida humana e do planeta, favorece o extrativismo, o uso exagerado de recursos naturais e de energia para a produção e transformação e modos de consumo pouco sustentáveis, que têm um impacto global significativo no clima do Planeta Terra e no funcionamento dos seus ecossistemas, a que cientistas chamam Antropoceno, que afeta em especial os oceanos (que cobrem 71% do planeta).

A natureza sistemática dos desafios nos oceanos exige a utilização de abordagens de gestão integradas e baseadas nos ecossistemas, apoiadas por avaliações de base espacial e pela análise de pressões múltiplas e impactos cumulativos. A Comissão Europeia publicou em 2014 a Diretiva Quadro da Estratégia Marinha, que fornece diretrizes para a elaboração (mas não implementação) de planos de Ordenamento do Espaço Marinho (OEM) segundo uma abordagem ecossistémica, no intuito de promover o desenvolvimento sustentável das economias marítima e costeira e a utilização sustentável dos recursos. O OEM é um processo público de analisar e alocar a distribuição espacial e temporal das atividades humanas em áreas marinhas para alcançar determinados objetivos.

Portugal continental e a Madeira contam já com planos OEM e o dos Açores está em conclusão. Estes planos têm uma importância e desafios acrescidos pois estudos científicos indicam que a legislação portuguesa tende a promover/favorecer os novos usos face aos usos existentes, o que tem potencial de gerar conflitos na gestão do EM. Para atingir os objetivos ecológicos, sociais e económicos preconizados no OEM vai ser necessário o esforço conjunto das autoridades, das organizações e da sociedade civil na participação e exigência mútuas, a descoberta de boas práticas de implementação e uma adequada monitorização e avaliação.

Quarta-feira, 12 Julho 2023 09:00


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