Filipe Araújo: “A mobilidade é crítica para a qualidade de vida”

A mobilidade é um fator decisivo para as pessoas e para a sua condição de vida e até de oportunidades. É esta a visão do vice-presidente da Câmara Municipal do Porto, Filipe Araújo, que, em entrevista ao 2050.Briefing, apresenta a estratégia de mobilidade como indissociável da sustentabilidade.

Se tivesse de definir a estratégia de mobilidade urbana da Câmara Municipal do Porto numa frase, qual seria?

Uma estratégia de sustentabilidade. Uma estratégia que tem em vista concretizar o grande desafio da cidade, que é contribuir para a neutralidade carbónica até 2030, e em que a mobilidade desempenha um papel fundamental, uma vez que, no Porto, é responsável por cerca de 40% das emissões.

Em termos práticos, qual a estratégia pensada para o município no que toca à mobilidade?

O Porto é um grande centro urbano, um centro que tem cerca de 230 mil habitantes, mas, costumamos dizer que gerimos uma cidade de meio milhão de habitantes, porque todos os dias muitas pessoas vêm para cá trabalhar, estudar, visitar-nos – e, portanto, o desafio da gestão e da estratégia da mobilidade é grande.

Temos uma característica que é o facto de a cidade ser atravessada por uma autoestrada, a VCI, que, de certa maneira, contribui para as principais dificuldades de mobilidade, no que diz respeito à rodovia. Estão, hoje, já criadas circunstâncias que permitem que esse atravessamento se faça por uma série de autoestradas que existem em redor, nomeadamente a Cintura Regional Externa do Porto.

Do que estamos a falar quando nos referimos a uma estratégia de mobilidade, depois de expurgarmos esses fatores, é de olhar para a cidade e de a tornar muito mais transitável, nomeadamente através de uma aposta clara nos transportes públicos. E, aqui, o que perspetivávamos há uns anos, e que hoje vemos acontecer, é um investimento grande, em variadíssimas áreas. Uma transformação estratégica e importante foi passarmos a deter outra vez a Sociedade de Transportes Coletivos do Porto [STCP], onde vamos continuar a apostar, de maneira a dar cada vez um melhor serviço de autocarros à população. Temos hoje um investimento grande na renovação da frota, com a maioria a gás natural, com uma componente já grande de elétricos e o objetivo de chegarmos a 40% dessa frota em 2030. Provavelmente, poderemos ir mais além, depende de alguma capacidade de financiamento, mas, em princípio este ano, teremos na cidade 68 autocarros elétricos. Temos também uma grande perspetiva no desenvolvimento das novas redes, nomeadamente a do metro, que inclui duas novas linhas. A linha Rosa, que está em construção, e outra que é o início da circular, muito importante porque neste momento o metro do Porto está muito construído à custa de radiais e precisamos de algumas circulares. Depois temos a linha Rubi, que vai atravessar uma nova ponte e ligar a Casa da Música a Santo Ovídio, permitindo captar muitas das pessoas que hoje usam o automóvel para entrar na cidade.

Em termos de grandes estruturas de transportes, estas medidas estão alinhadas com a ferrovia, cujo plano nacional prevê a linha de alta velocidade a passar por Campanhã, um grande eixo de intermodalidade. E com a ligação ao norte permitirá que haja, claramente, um grande interland da ferrovia, com capacidade de trazer pessoas ao Porto e levá-las para todas as cidades e concelhos vizinhos.

Em termos de outros pontos estratégicos, os modos suaves, a questão da pedonalização e das ciclovias… todos esses aspetos se interligam, e, a partir do momento em que a cidade se vê dotada dessa capacidade de grande transporte de fluxo de pessoas, podemos começar a mudar o paradigma. E o paradigma será o das cidades, cada vez mais, assentes em transporte público e em que as pessoas se possam deslocar a pé ou através de outros meios que não a viatura própria. Hoje em dia, ainda cerca de 60% da população desloca-se em viatura própria, o que temos, manifestamente, de alterar.

A propósito dos meios suaves, que planos existem para que ajudem a atingir os objetivos de mobilidade sustentável?

Os meios suaves são algo importante no Porto, até porque, como sabemos, é uma cidade que tem alguns desafios. Temos vindo a desenvolver a rede ciclável, com duas novas ciclovias, que vão ligar quer a Matosinhos, quer a Gondomar. Temos investido muito em regular os setores dos modos suaves – as trotinetes, haver espaços específicos para estacionarem, monitorizar a sua utilização. Temos também, face ao investimento nos meios pesados – metro, ferrovia – e à disponibilização de soluções para que as pessoas, por exemplo, se desloquem ao centro histórico da cidade, tentado pedonalizar muito dessas vias; começamos com a Alexandre Braga, uma boa oportunidade, findas as obras do [Mercado do] Bolhão.

Mas, com estes novos meios de transporte na cidade, podemos ir mais além: falamos em expandir as zonas de acesso condicionado que temos ou em criar zonas em que diminuímos a velocidade ou, ainda, em tornar algumas zonas completamente pedonais. É uma estratégia que estamos a desenvolver no centro histórico, a reboque do investimento no transporte público, criando condições para a população aceder aos espaços, de modo a que continuem com vivência e até que se possam potenciar. As duas coisas têm de surgir em paralelo.

Em que é que se traduz o reforço de uma mobilidade mais amiga das pessoas, da economia e do ambiente?

Na lógica da qualidade de vida das cidades, as cidades competem entre si pela qualidade de vida. O Porto é uma cidade particular, tem mar, tem rio, tem à sua disposição uma grande oferta cultural, é uma cidade dinâmica e vibrante e, obviamente, essa qualidade de vida também tem de estar ligada àquilo que são os fatores de sustentabilidade. Estamos a falar de uma cidade onde queremos que o princípio da sustentabilidade esteja ligado à qualidade de vida. E isto é absolutamente crítico. É por isso que investimos na descarbonização de frotas, seja a do município – 75% é elétrica ou hibrida plug-in, só não vamos aos 100% porque o mercado ainda não tem – seja a dos STCP. E investimos na oferta de transporte público. Essa oferta está relacionada com a qualidade, está relacionada também com o tempo, e aí, por exemplo, temos um corredor de alta qualidade para os transportes públicos na Avenida Fernão Magalhães que permite que haja mais fiabilidade, os tempos serem cumpridos, maior rapidez, pois todos estes aspetos de sustentabilidade são também exigidos pelo cidadão.

Estamos a dar início a outra obra muito importante, que é o BRT, o Bus Rapid Transit, o novo corredor que vai circular na Avenida da Boavista, ligando até Matosinhos pela anémona e uma parte divergindo e fazendo o acesso à zona da Foz pela Marechal Gomes da Costa até à Praça do Império. Este sistema de transporte, que não é metro, mas é um sistema pré-metro, será fornecido por autocarros a hidrogénio com energia produzida nas próprias estações do STCP e que vão circular de quatro em quatro minutos.

O presidente da câmara afirmou que a política de transportes desenvolvida pelo município favorece uma mobilidade inteligente, integrada, inclusiva e sustentável. De que forma isso se concretiza?

Um aspeto absolutamente crítico no desenvolvimento da mobilidade na cidade é que vamos ter de ter, cada vez mais, a inteligência dos serviços digitais ao nosso dispor. Nomeadamente, através de um sistema de semaforização que estamos a instalar e que é uma mudança de paradigma, pois vai permitir gerir com base em dados, isto é, saber quantos veículos passam em determinada rua para adaptarmos os sistemas. Isso vai permitir uma maior intermodalidade. Além disso, temos o sistema Andante [de bilhete único] que nos permite circular em qualquer transporte e isso é absolutamente crítico.

A estratégia da mobilidade passa por existirem centros intermodais à volta da cidade. Temos quatro terminais que fazem a transição das pessoas que querem entrar ou sair da cidade para o meio de transporte, nomeadamente para os da STCP. Só o terminal intermodal de Campanhã retirou mais de 1.000 autocarros por dia de dentro da cidade. É uma modalidade inclusiva: inclusiva quer dizer que estamos a potenciar que qualquer portuense o possa pagar e daí o sistema de redução tarifária ter permitido um passe mensal para todo o tipo de transportes – para autocarro, metro e comboio – a 30 euros por mês. Se formos uma família, pagamos 65 euros para toda a família e até aos 18 anos é gratuito. São centenas de milhares de validações por mês, de crianças e de jovens, que, provavelmente, os pais deixaram de levar à escola e que passaram a ir de transporte público. É este efeito geracional que queremos que aconteça, que é serem os jovens os primeiros a adotar o transporte público e a deixarem o veículo particular.

Sexta-feira, 17 Fevereiro 2023 16:21


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