Entre os milhares de ideias que foram lançadas, nestes anos, na Web Summit, há algumas que use todos os dias?
Quando penso em todas as pessoas que conheci quando as suas ideias eram apenas ideias. É o caso do fundador do Instagram, Kevin Systrom. Estava em Paris quando ouvi falar desse homem com uma ideia porreira, que não tinha dinheiro suficiente para um quarto de hotel, então ficou no meu sofá. O fundador da Uber: eu estava em São Francisco e ele arranjou-me um carro para ir para casa a partir de uma festa quando ainda não sabia o que a Uber era. Só tinham cinco ou seis carros.
Há coisas que uso todos os dias que foram criadas por pessoas que ninguém sabia quem eram nem as suas empresas. Isso muda. E é isso que é a Web Summit. A Web Summit vai descobrir o futuro. Não é sobre as grandes empresas atuais ou sobre as empresas de sucesso. É sobre as empresas que podem ser bem-sucedidas daqui a cinco anos.
A que startups devemos estar atentos hoje?
Essa é a pergunta do milhão de dólares. Tentamos encontrar centenas ou, na verdade, milhares de startups, de todo o mundo, de todos os setores. A maioria não irá vingar. Mas algumas, e não sei quais serão este ano – isso é para si e outros tentarem descobrir – irão tornar-se nomes familiares.
Há um efeito Web Summit nas empresas?
Não sei. É uma boa pergunta. Acho que sim, ou não voltavam e não se teria tornado a maior conferência de tecnologia a nível mundial e se mantido assim. Há certamente um efeito Web Summit nas cidades. Quando viemos para Lisboa pela primeira vez, toda a gente nos perguntava: “Porque é que vão para Lisboa? Porquê Lisboa?” E cinco ou seis anos depois não podia ser mais diferente. Lisboa tornou-se a cidade mais falada em tecnologia a nível mundial. Toda a gente quer mudar-se para cá. É uma coisa boa, mas também traz desafios. Durante várias décadas, Lisboa esteve a decair enquanto cidade, havia muito abandono de edifícios, e agora as pessoas estão a procurar edifícios para viver, porque se tornou tão popular. Isso é ótimo. O desafio, claro, é para os políticos reagirem a esta mudança. É provavelmente a maior mudança numa cidade na história europeia. E é muito difícil para alguém reagir tão depressa. Espero que nos próximos anos haja políticas sensatas para manter Lisboa como a cidade mais atrativa do mundo para as pessoas se mudarem.
Portugal é um bom local para começar um negócio?
Sim, acho que é ótimo. Tem clima e comida, mais do que incríveis. Tem uma força de trabalho altamente qualificada e talentosa. Houve a crítica, há cerca de uma década, de que Portugal tinha gasto demasiado dinheiro no sistema de educação, que havia demasiados estudantes universitários, demasiados programas universitários, demasiadas universidades. Uma década depois, pagou um enorme dividendo. Portugal beneficiou massivamente. Muitos portugueses estão a começar empresas de tecnologia, estão a contratar excelentes engenheiros portugueses, muitas empresas estão a abrir escritórios cá e a contratar o talento português de engenharia. Então, acho que há todo o tipo de razões para alguém se mudar para Portugal.
O que é que o fundador de uma empresa deveria saber antes de começar o negócio?
Não querendo ser negativo: vai quase certamente falhar. Toda a gente que joga futebol enquanto criança, em Portugal, quer jogar por Portugal, acredita que pode ser o próximo Cristiano Ronaldo. Mas, só pode haver um Cristiano Ronaldo. E a maioria dos sonhos de futebol de criança acabam, não jogam pela seleção nacional. E acho que as startups são um pouco como ganhar a lotaria. Apenas uma pequena percentagem das empresas é bem-sucedida. Então, se quiseres avançar, ótimo, eu encorajo. Mas tem de se perceber que todas as probabilidades estão contra.
Acredita que o ritmo de criação de startups vai manter-se tão rápido como atualmente?
Parece que sim, mas vamos ver o que 2023 nos reserva. Há muita mudança no mundo, muitas forças diferentes. Há grandes empresas tecnológicas a dispensar pessoas pela primeira vez numa década, muitas das quais muito talentosas, que vão acabar por criar empresas. Muitas vezes, os momentos mais ricos para novas empresas serem criadas são os momentos de desaceleração. O tempo dirá.
O que é importante que exista para criar um ambiente de crescimento para uma startup?
É irrelevante o que eu acho. Não sei o suficiente sobre Portugal. Tenho as minhas opiniões, mas não sou especialista – são irrelevantes.
Comunity banking é incrivelmente importante. É uma parte central da fundação do milagre económico alemão. Os países não são construídos e as economias não florescem apenas porque há um pequeno número de grandes empresas. De facto, o que verdadeiramente importa é que empresas de pequena e média dimensão estejam a criar emprego com significado dentro de uma economia.
Penso que, por vezes, perdemos de vista que isso é que importa. Não é sobre uma empresa de um trilião ou de um bilião de dólares. É sobre milhares ou dezenas de milhares, talvez até centenas de milhares, de pequenas a médias empresas. Por vezes, são só três ou quatro pessoas. Outras vezes, são 20 pessoas. É isso que torna uma cidade vibrante e uma economia nacional vibrante.
Pessoalmente, por vezes, preocupa-me que a Web Summit crie muito foco nos vencedores da lotaria, completos outliers, que acontecem por acaso. Emergem estas grandes empresas que criam um pequeno número de pessoas incrivelmente ricas. Não é isso que um país deve ambicionar. O que um país deve ambicionar é a ter um enorme número de pequenas empresas que criem uma enorme quantidade de empregos bem remunerados. Não é criar milionários, é criar oportunidades para as pessoas viverem vidas razoáveis e satisfatórias. Essas são as minhas visões pessoais. Podem ser um pouco radicais dentro do setor tecnológico.
O setor tecnológico está a mudar, com mais diversidade, nomeadamente com a presença de mais mulheres. Como vê esta questão?
É bom. É muito importante. Durante muito tempo a participação feminina estava em falta, especialmente em conferências tecnológicas. Temos, há anos, um programa chamado “Women in Tech”, para aumentar a participação feminina. No ano passado, conseguimos 50% de participação feminina, o que foi absurdo, considerando que a maioria das conferências de tecnologia têm 10%.
Mas a participação não se baseia apenas no género. O que é tão importante, se não mais, é oferecer oportunidades àqueles sem raízes tradicionais para verdadeiras oportunidades económicas, que vêm de comunidades e áreas desprivilegiadas, seja em Portugal, ou noutro local. A responsabilidade de um evento como a Web Summit é fornecer oportunidades para alguns desses grupos marginalizados para participarem na Web Summit, que é algo que vamos continuar a expandir.
O que vão fazer para aumentar essa participação?
Temos uma equipa de comunidade, liderada por uma pessoa incrível, a Carolyn, cujo foco é trabalhar com organizações representativas existentes, muitas vezes de grupos minoritários ou grupos económicos desprivilegiados nas cidades e nos países em que operamos. O Canadá é um exemplo. A participação de grupos indígenas na economia canadiana tem estado em falta há muito tempo. Então, nós fornecemos oportunidades para as startups de indígenas participarem na Web Summit. Muitas vezes, não têm os recursos para participar, então, fazemos o mesmo com a Web Summit.
A Web Summit está em Lisboa até 2028. O que precisa de acontecer para que fique depois dessa data?
Estamos sempre a ter essas discussões. A nossa experiência em Portugal não podia ter sido melhor. A nossa parceria com o governo e com a cidade tem sido incrivelmente forte. Há políticos muito capazes, em todos os níveis, tanto na cidade como no governo. Já houve conversas sobre talvez ficar depois de 2028. Acho que encontramos a casa perfeita para a Web Summit, por isso quem sabe por quanto tempo ficaremos.