Em que medida é o combate às alterações climáticas um dos principais desafios atuais?
As alterações climáticas são um problema de há algumas décadas, mas tem vindo a intensificar-se nos últimos anos. É um problema global, que está associado ao que vulgarmente se designa de aquecimento global. Tem causas antropogénicas, associadas às atividades humanas, que têm libertado quantidades crescentes de gases com efeitos de estufa para a atmosfera, designadamente dióxido de carbono, metano, oxido nitroso, CFC, entre outros. O dióxido de carbono é aquele que causa mais preocupação e que tem alterado a composição química da atmosfera, aumentando as suas concentrações e acentuando o efeito de estufa natural. É bom que o efeito de estufa exista, mas as atividades humanas contribuem para intensificá-lo mais do que o desejável. Isso leva ao aquecimento global e às consequentes alterações climáticas, que são não apenas alterações na temperatura do ar, mas ao nível dos padrões e dos regimes temporais de várias variáveis atmosféricas, como a precipitação, o vento, a nebulosidade, a humidade, entre outros.
Os alertas para as consequências das mudanças climáticas são inúmeros e constantes. Ainda é possível estancar os problemas ou já é tarde demais?
É possível estancar, em parte. As alterações climáticas vão continuar nas próximas décadas e séculos. Não é expectável que o problema desapareça de um dia para o outro, até porque o dióxido de carbono tem um tempo de vida médio na atmosfera acima de cem anos, o que significa que o que estamos a emitir hoje ainda vai estar na atmosfera muito para além da nossa vida média. Portanto, este problema está para ficar. Podemos reverter uma parte, reduzindo significativamente as emissões de gases com efeitos estufa, mas se reduzíssemos hoje só daqui a umas décadas é que se começavam a fazer sentir.
Nas gerações atuais, não podemos ser muito otimistas relativamente ao futuro próximo, porque já vamos sofrer as consequências das emissões de gases com efeito estufa que foram feitas nas últimas décadas. Temos a obrigação moral de proteger as próximas gerações do agravamento desta situação. Devemos definir hoje políticas que nos permitam mitigar essas emissões de gases com efeitos estufa e os problemas das alterações climáticas.
Teremos que caminhar para uma sociedade carbono zero, ou próxima disso, que permita que as nossas atividades tenham uma menor pegada carbónica, reduzindo as emissões de gases com efeitos estufa. É algo que tem que ser feito por todos nós, mas é importante perceber que, embora cada um de nós tenha um papel importante, tem de haver uma ação coordenada a nível internacional, porque as alterações climáticas são um problema global que exige soluções coordenadas internacionalmente, por políticas internacionais, daí a importância das conferências das Nações Unidas para a discussão das metas e planos de redução de gases com efeitos estufa.
O que é mais premente fazer no sentido de mitigar os problemas para as gerações futuras?
Sem dúvida, resolver o problema da energia. A sociedade consome imensa energia e não há nada que possamos fazer contra isso. É impensável deixar de usar transportes e as comodidades de eletrodomésticos que temos em casa. A única forma que temos de resolver este problema, de maneira significativa, é passar a produzir a energia de que precisamos de uma forma mais limpa. A única solução é virarmo-nos para as energias limpas. E refiro-me sobretudo a energias renováveis, mas não só. A energia nuclear, embora polémica, pode ajudar numa fase de transição. Em Portugal, não temos, mas há países que têm. O abandono da energia nuclear pode não ser uma boa estratégia, a curto e médio prazo, porque a energia nuclear pode criar uma almofada para transição energética.
Por exemplo, se desligássemos todas as centrais nucleares em França, como é que o país ia ter energia para sustentar as suas necessidades energéticas? Isto não se faz de um dia para o outro, mas é evidente que temos que abandonar os combustíveis fósseis: o petróleo e derivados, o gás natural. E temos que transitar para outras formas de energia mais limpas, incluindo a nuclear, numa fase de transição.
Em Portugal, temos a grande vantagem de ter muito sol e no futuro ainda vamos ter mais radiação solar, o que significa que a energia solar fotovoltaica tem muito potencial para crescer.
Temos também energia eólica, das ondas, das marés, hídrica também, embora em Portugal devido à diminuição da precipitação não terá um futuro muito risonho, porque vamos precisar de água para outros fins. Temos muito potencial do lado da energia eólica, principalmente offshore, e fotovoltaica. Temos que fazer essa transição, mesmo que isso implique custos elevados hoje, mas um dia mais tarde vamos colher esses frutos, porque os combustíveis fósseis também tenderão a escassear.
Entende que a sociedade e os poderes públicos estão sensíveis para a necessidade de implementar medidas para fazer face às alterações climáticas e para fazer a transição para as energias limpas?
A informação existe. No caso específico de Portugal, já existem muitos estudos, existem roteiros para adaptação às alterações climáticas, roteiros para a transição energética, muitos relatórios e resultados de projetos de investigação. Os decisores políticos em Portugal têm ao seu dispor uma grande quantidade de informação de qualidade e com rigor científico. O que fazer com essa informação é que é o problema.
Os políticos têm consciência dos problemas e sabem que medidas é que têm que tomar para fazer face às situações. É preciso é ter coragem para tomar determinadas medidas. E aí é que muitas vezes o poder político falha, porque é necessário lutar contra determinados interesses instalados. A sociedade tem muita inercia e resistência à mudança. Não são só os poderes económicos, o cidadão comum também. Por exemplo, ainda se ouve falar em pessoas contra os carros elétricos. Depois também há fake news, nomeadamente que produzir uma bateria de um carro elétrico polui muito mais que de um carro a gasóleo ou gasolina. Além disso, há muitos negacionistas.
A sociedade é muito complexa. Os políticos têm que tomar as suas decisões gerindo também os comportamentos sociais e a aceitação que a sociedade tem de determinadas medidas. Grande parte da população reconhece que as alterações climáticas são um problema, mas quando dizemos às pessoas que têm que deixar o carro a gasolina e comprar um elétrico, as coisas mudam de figura. Ou as pessoas não têm poder económico para comprar o carro elétrico, ou não têm infraestrutura para carregar o carro, ou simplesmente não acreditam que o carro elétrico seja uma solução. Os políticos também não podem impor as coisas de um dia para a noite quando a sociedade não está preparada para a mudança. É um processo que demora muito tempo. E infelizmente as alterações climáticas estão a ir a um passo mais rápido que a sociedade e os políticos conseguem ir.
Afirmou que vai haver mais radiação solar disponível em Portugal. Isso tem a ver com o aumento da seca e dos fenómenos extremos? Está relacionado com as alterações climáticas? É previsível que aumentem de frequência e de intensidade nos próximos anos?
A questão da radiação é uma consequência direta do caso específico português, de diminuição da nebulosidade e precipitação. O clima português vai ser mais parecido com o que há hoje no norte de África, em Marrocos e na Argélia. Tenderá a ser um clima mais quente e mais seco. Haverá mais radiação solar disponível.
Quanto aos extremos, sublinhava a seca, que é o problema climático mais grave em Portugal. A falta de água vai ser o grande problema nacional. Temos, aliás, visto como tem sido difícil gerir os recursos hídricos nos últimos anos e a falta de água que já tem havido para abastecer as populações, para as atividades humanas e para a agricultura.
Cada vez há mais conflitos pela água e mais dificuldade em gerir os poucos recursos hídricos que temos. E esse problema vai tender a acentuar-se. A questão da seca e da escassez de água vai ser um problema muito grave.
Também tenho alguma preocupação em relação aos extremos. É expetável que possa haver mais eventos extremos de precipitação ou vento, mas colocava num segundo plano de preocupação, no caso português.
Sofia Dutra