Mais do que ameaça, a tecnologia é facilitadora

 A Associate Partner da Deloitte Margarida Sousa Uva reflete sobre como a tecnologia está a moldar os modelos de trabalho.

Mais do que ameaça, a tecnologia é facilitadora

Briefing | É possível identificar as principais tendências que moldam o trabalho atualmente? 

Margarida Sousa Uva | Costumo dizer, em jeito de brincadeira, que a primeira, a segunda e a terceira tendências são a tecnologia. Acredito que a tecnologia vai verdadeiramente moldar o futuro do trabalho. Se olharmos para os últimos relatórios, artigos, opiniões e estudos, vemos que tocam sempre nos temas da automação, do metaverso e, obviamente, da Inteligência Artificial generativa. São os que vão fazer as mudanças para um futuro do trabalho mais eficiente e mais produtivo.

Uma segunda tendência que temos vindo a observar são os novos modelos de trabalhar. Novos, provavelmente, já não é a palavra certa, porque, antes da pandemia, o modelo híbrido e o modelo remoto já estavam a aparecer em Portugal. Mas, a pandemia, como sabemos, obrigou as empresas a mudarem, drasticamente, do presencial para o remoto. 

Por último, diria que os temas da saúde mental, da diversidade e da inclusão no mundo do trabalho, do bem-estar e do equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal são, também, temas que os nossos líderes executivos se preocupam em trabalhar e entender, de modo a proporcionar uma melhor experiência. Afinal, 49% da Geração Z e 62% dos millennials reconhecem que o trabalho é fundamental para a sua identidade, mas apontam o equilíbrio entre a esfera profissional e a pessoal como algo pelo qual estão a lutar, sendo a principal característica que admiram nos seus pares e a sua principal consideração quando escolhem um novo empregador. 

E, do ponto de vista da criação de emprego, propriamente dito, quais são as principais forças motrizes?  

Estudos recentes dizem que é, novamente, a tecnologia.  E que, curiosamente, a tecnologia é um fator de criação, mas também de destruição de empregos. Há alguns dados interessantes sobre estes níveis de criação de empregos. Um estudo muito recente, o “Future of Jobs”, do World Economic Forum, estima que, até 2027, sejam criados 69 milhões de postos de trabalho e eliminados 83 milhões, o que resultará numa eliminação líquida de 2% do emprego atual. Feitas as contas, significa isto que 14 milhões de postos de trabalho desaparecerão nos próximos cinco anos. 

O mesmo relatório aponta que os principais motores da criação de emprego decorrem, igualmente, das tendências ambientais, nomeadamente, investimentos que facilitem a transição verde das empresas, a aplicação mais ampla de padrões de sustentabilidade. O que leva a uma questão adicional: como é que vamos formar e garantir que as pessoas têm as competências necessárias para trabalhar nestas áreas. A propósito, um estudo recente do LinkedIn mostrou que algumas das empresas que têm presença nesta rede duplicaram a procura pelos chamados perfis com green skills. Há empresas que querem aumentar em 50% o número destes perfis. Vai exigir requalificação, pelo que, por um lado, é um fator criador de emprego, mas também pode ser um elemento destruidor. 

Além disso, todo o contexto geopolítico e económico, com as questões do aumento do custo de vida e da subida dos preços das matérias-primas, por exemplo, será um fator de destruição de emprego nos próximos anos. 

Voltando à tecnologia, como a tendência das tendências: em que medida é determinante neste novo mundo do trabalho?

Olhando para a evolução da tecnologia e dos trabalhadores, o que vamos é que ela melhora a maneira de cada um trabalhar. Numa primeira instância, no que toca à intervenção da tecnologia, olhamos para os RPA [sigla em inglês para Automação Robótica de Processos], para a forma como conseguiam trazer mais eficiência e mais velocidade às tarefas mais rotineiras. Depois, passámos para a substituição de algumas funções pelo uso da tecnologia. E, hoje em dia, o que temos vindo a verificar é que já não é um substituto, mas um complemento, para melhorar a nossa forma de trabalhar. 

Dou um exemplo que considero muito diferenciador. Se estiver a fazer uma reunião por videoconferência, a plataforma tem ferramentas que reconhecem automaticamente se estou a falar muito depressa e alerta-me para fazer um “pace down” ao meu discurso. Da mesma maneira, se estiver a falar para um público predominantemente feminino e usar muitas palavras ou expressões masculinas, também me vai alertando. São funcionalidades que nos permitem fazer o trabalho muito melhor e de uma maneira muito próxima. É a tecnologia como facilitadora, que, na minha opinião, se cruza com uma clara tendência do momento, a Inteligência Artificial.

A sustentabilidade também se enquadra neste contexto desafiante para as pessoas e para as empresas, quer seja um imperativo ou um propósito. Como olha para esta tendência?

Pegando numa das palavras que usou, de facto as primeiras iniciativas das empresas foram feitas por imperativos legais ou por medo de não estarem a acompanhar o que era exigido em termos de relações públicas, de imagem da marca. Foi isso que começou a fazer com que as empresas olhassem para a sustentabilidade. Mas, hoje em dia, já não é assim. Vemos que as gerações mais novas exigem que os empregadores olhem para a sustentabilidade e mostrem resultados efetivos do modo como a estão a implementar nas suas organizações. 

Na agenda ESG [sigla em inglês para Ambiente, Social e Governança], o tema climático é sempre o que tem mais presença mediática. Mas, não nos devemos esquecer dos outros dois. E, aqui, a nossa recomendação é que as empresas olhem para a trilogia ESG como um verdadeiro desígnio de sustentabilidade. E que tentem implementar as práticas que vão melhorar as alterações climáticas, mas também as do Social e da Governance, que, efetivamente, vão fazer a diferença. Que olhem para a sustentabilidade como um todo e que tentem criar nas suas políticas e nos seus processos dentro da empresa algo verdadeiramente sustentável, para os três pilares.

Em que medida é que este framework ESG influencia também a criação de postos de trabalho? Tal como a tecnologia, também potencia novas funções e tem o poder de destruir outras?  

Acredito que sim. E o que temos vindo a verificar é que os empregos verdes são, de alguma maneira, aqueles que têm mais potencial para virem a ser diferenciadores. Mas, temos de ter muita atenção a como requalificamos as nossas pessoas para as green skills. Há uma nova tendência que são os green collars, colaboradores que têm competências mais ligadas aos temas da sustentabilidade. E, portanto, as empresas vão ter necessariamente de os formar, de ver como fazem essa requalificação de competências e a trazem para dentro de casa. 

Esta entrevista pode ser lida na íntegra na edição de setembro de 2023 da 2050.Briefing.

Quarta-feira, 29 Novembro 2023 10:50


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