Maria João Feio: “Melhorar os ecossistemas aquáticos urbanos é proteger a saúde humana”

Existe ligação entre a saúde dos rios e ribeiros urbanos e a saúde humana? Existe e é este o pressuposto do projeto “OneAquaHealth – Protecting Urban Aquatic Ecosystems to Promote One Health”. Financiado pelo programa Horizon Europe, tem uma dotação de cerca de cinco milhões de euros, sendo liderado pela portuguesa Maria João Feio, da Universidade de Coimbra. Em declarações ao 2050.Briefing, a investigadora contextualiza o projeto.

Como surgiu o OneAquahealth?

As ideias centrais deste projeto vêm na sequência do trabalho que a minha equipa de investigação tem vindo a fazer já há vários anos, com diversos colaboradores, no estudo dos ecossistemas aquáticos urbanos. Temos estudado o efeito da urbanização sobre a saúde dos rios e ribeiros urbanos, analisando as suas comunidades aquática e terrestre associadas (nas margens), o funcionamento dos ecossistemas e ainda os serviços do ecossistema que estes sistemas nos proporcionam ou podem proporcionar (se estiverem em bom estado), contribuindo para a melhoria da sustentabilidade das cidades e a melhoria da qualidade de vida dos seus cidadãos. Os diversos artigos publicados e as teses que temos a decorrer ou já terminadas nesta área foram uma importante base para este projeto.

Por coincidência, nesta altura a Comissão Europeia abriu calls para projetos relacionadas com o conceito OneHeatlh, conceito que nos traz uma visão da Saúde de forma mais alargada e que interliga a saúde humana com a saúde dos animais e das plantas, e que se alinhava muito bem com esta nossa linha de investigação. A partir daí, juntaram-se vários parceiros europeus interessados neste tema e com vista a promover ainda mais a interdisciplinaridade necessária a este tópico, e cidades que pudessem ser casos de estudo e nos permitissem cobrir um gradiente climático e diferentes perspetivas socioculturais na Europa.

Quais os seus objetivos?

O OneAquaHealth tem como objetivo principal demonstrar que o bem-estar dos ecossistemas aquáticos está altamente interligado à saúde e bem-estar humanos em contextos urbanos e que rios e ribeiros urbanos em bom estado podem ter um efeito protetor contra o surgimento de surtos de doenças. Além disso, pretende desenvolver um sistema de monitorização de indicadores ambientais que permitam fornecer alertas precoces sobre a degradação dos ecossistemas aquáticos urbanos que possam levar ao surgimento e disseminação de doenças que afetem a saúde humana física e mental humana. Irá ainda desenvolver tecnologias para fomentar a ciência cidadã nesta área, e um sistema de decisão para apoiar decisores políticos. Este último incluirá medidas baseadas na natureza para recuperar e manter a saúde dos ecossistemas aquáticos em diferentes cenários, incluindo de alterações climáticas.

Qual a importância de estudar a relação entre os ecossistemas aquáticos urbanos e a saúde humana?

Os ecossistemas ribeirinhos são uns dos mais afetados pela urbanização e em geral por atividades antropogénicas, que levam à perda da sua biodiversidade e à má qualidade da água. Estas condições potenciam a presença de diferentes patógenos (vírus e bactérias) que podem afetar o homem (bem como outros animais e plantas do ecossistema e fora) e que têm maior probabilidade de entrar em contacto com as pessoas se os ecossistemas degradados estiverem muito perto das habitações, como frequentemente acontece nas cidades, onde todo o espaço foi ocupado por construção. A perda de vegetação das margens, algo comum quando há construções muito próximas, leva também à perda dos serviços que o ecossistema ribeirinho poderia trazer, como a manutenção da boa qualidade do ar ou da água, e a mitigação de extremos climáticos.

Por outro lado, está provado que o contacto com a natureza tem um efeito calmante nas pessoas, diminuindo o risco de doenças cardíacas, por exemplo, além de permitir promover a destreza física. Assim, a natureza perto de casa, trazida por pequenos ribeiros ou rios urbanos em bom estado, é algo muito benéfico para as pessoas que vivem nas cidades e que estão tipicamente sujeitas a um nível de stress elevado, têm pouco tempo para fazer exercício físico e onde as crianças têm pouco contacto com a natureza. 

Assim, faz todo o sentido tentar demonstrar a ligação entre a saúde dos rios e ribeiros urbanos e a saúde humana, de forma até a promover uma maior consciencialização para a necessidade de recuperar e manter estes ecossistemas.

Terça-feira, 28 Março 2023 11:34


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