Mário Parra da Silva: “Precisamos de pessoas conscientes”

As pessoas têm o “enorme poder” de estimular a mudança, mas, para isso, é preciso que sejam conscientes e intervenientes. Quem o afirma é o presidente da Associação Portuguesa de Ética Empresarial (APEE), Mário Parra da Silva. Já no que toca à ética empresarial, entende que ainda há um caminho a desbravar fruto de uma linha de pensamento que defende que negócios e ética se excluem.

O que justifica a existência da APEE e qual a sua principal missão?

A ética nas organizações era uma área desconhecida em Portugal e a APEE surgiu para suprir essa carência das empresas. A responsabilidade social era vista em 2002 como uma questão de comunicação, uma moda passageira, mas, para nós, era um imperativo ético. A resposta à sociedade que a organização deve, implícita na autorização para operar, que a sociedade concede através do reconhecimento da pessoa coletiva e do seu número de contribuinte. Essa missão hoje estende-se ao desenvolvimento sustentável.

De que falamos quando falamos de ética empresarial?

De um conjunto de valores e princípios que devem orientar as políticas, práticas e decisões de uma organização ou empresa.

Como olha para o estado das empresas portuguesas no que toca à adoção de práticas que se inscrevam no conceito de ética empresarial?

Têm progredido bem. Ainda há um terreno enorme a desbravar, porque a doutrina mais disseminada é a de que os negócios e a ética se excluem mutuamente. Mas temos cada vez mais empresas e organizações em geral a adotar códigos de ética, enraizados na cultura da organização, e fazem dela parte integrante. Os tempos dos códigos de ética a fingir, feitos por alguém exterior, sem qualquer correspondência com as operações e apenas para efeitos cosméticos, estão a acabar. Até por pressão dos clientes, que desejam assegurar a minimização do risco.

É possível identificar um tronco comum em matéria de princípios e práticas que devem estar no código de ética de uma empresa?

Sim, esse tronco comum é o corpo ético da nossa civilização, só foi mudando de nome, desde a moral cristã, ética republicana, “business ethics”, etc. Os valores e princípios comuns são bem conhecidos, como a lealdade, fidelidade, verdade, sentido de missão, espírito de equipa, respeito mútuo, interajuda.

Que consequências advêm da não correspondência entre as palavras e a ação?

Habitualmente descrédito e falta de confiança. É mau para as organizações caírem nesse estado, porque, afinal de contas, gasta-se tanto dinheiro em publicidade para construir uma imagem de marca de confiança e se não houver verdade nas palavras pode perder-se depressa.

O ESG emergiu como um novo guião do comportamento das empresas. Que relevância lhe atribui? Algum dos pilares sobressai ou deve ser prioritário?

O ESG é um modelo de relatório de sustentabilidade, tratando-se de uma forma de identificar o valor de uma organização, estruturando os ativos, passivos e riscos não apenas da forma tradicional, mas com relevância no ambiente, na relação com a sociedade e na forma de governo que a organização adota e pratica. Penso que será progressivamente relevante porque é uma resposta útil e prática a um problema – avaliação tão objetiva quanto possível de uma organização – incluindo aspetos da sua envolvente e aspetos que evidenciem a forma como faz as suas decisões. Todos os pilares são igualmente importantes à partida, mas, para certas organizações, um pode tornar-se mais crítico

Foquemo-nos no pilar social. Que perceção tem da gestão que as empresas fazem das suas pessoas?

Na sociedade do conhecimento, as pessoas são muito mais importantes porque são as geradoras do conhecimento e quem pode interpretá-lo. O bem-estar das pessoas será cada vez mais objeto de atenção, porque tem uma relação direta com a capacidade de criar e gerir conhecimento. Além de que, contra o que se pensou, a informatização não reduziu a procura por pessoas qualificadas, pelo contrário aumentou, e são hoje um recurso escasso. É, por isso, necessário gerir para as reter e manter motivadas, através de boas políticas de bem-estar organizacional.

E das pessoas que integram a comunidade em que se inserem?

As organizações não são o Estado, e é este que tem a responsabilidade de cuidar das pessoas na comunidade. Nem podia ser de outro modo numa sociedade democrática. A experiência de empresas a cuidar de comunidades está feita em grandes explorações mineiras e não funciona, porque tem de haver alguma distância entre o profissional, o familiar e o pessoal, distância que deve ser conciliada, mas não eliminada. As organizações devem colaborar com o Estado, na saúde, na educação, na cultura, na gestão do território, mas não podem substituí-lo.

Que poder têm as pessoas como agentes de mudança?

As pessoas votam. De vez em quando. Mas também compram, todos os dias. Através das suas decisões de compra, têm um enorme poder de estimular a mudança. Por isso, precisamos de pessoas conscientes, intervenientes e com coragem de fazer a mudança acontecer.

Sexta-feira, 16 Dezembro 2022 16:21


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