2050.Briefing | Qual é a definição de uma cadeia de abastecimento resiliente e rentável?
Martim Santos | É uma pergunta desafiante, uma vez que hoje vivemos num contexto com uma dinâmica cada vez mais imprevisível em termos dos riscos e dos impactos nas cadeias de abastecimento, e cujas mudanças se operam num espaço temporal muito curto. Podemos estar a falar de fatores regulamentares – como a introdução de taxas de carbono, a interdição ou limitação de circulação de veículos com mais emissões, entre outros –, tecnológicos, físicos – motivados pelas alterações climáticas, por exemplo – ou ainda outros fatores externos imprevisíveis, como os conflitos geopolíticos, a pandemia, etc.. A chave é a capacidade de adaptação e flexibilidade.
O que é hoje uma cadeia de abastecimento resiliente e rentável pode deixar de o ser se não forem implementados os mecanismos que permitam gerir estas mudanças. Uma cadeia de abastecimento resiliente não é uma cadeia infalível, mas, sim, uma cadeia com capacidade de reagir rapidamente às dificuldades.
Com as guerras e a consequente inflação, o que tem sido mais desafiante?
Esta inflação sem precedentes tem, obviamente, inúmeros impactos. Convém também não esquecer que a mesma não teve origem apenas com a guerra. Recordo que vínhamos de uma situação pós-Covid-19, quando os preços de determinadas matérias-primas começaram a disparar, situação que foi naturalmente agravada pela guerra e que, por sua vez, agravou a crise energética e levou a um aumento de preços de algumas commodities.
Nas empresas da cadeia de abastecimento, além do natural aumento dos custos das operações de transporte, gera-se toda uma incerteza relativamente ao consumo, o que torna ainda mais desafiante a gestão da operação, dos armazéns, entre outros. Por outro lado, a gestão dos fornecedores, de forma a minimizar falhas de fornecimento associadas ao atual contexto económico, torna-se também fundamental.
Defende alguma mudança legislativa para uma cadeia de abastecimento mais sustentável?
O que atualmente está em curso, e que visa materializar os objetivos do green deal e a crescente exigência em matérias da internalização destes compromissos também por parte dos operadores privados, e a ligação das temáticas de sustentabilidade ao financiamento, julgo que vai ter um impacto muito significativo.
As exigências ao nível das divulgações de informação não financeira (CSRD), que vão abranger, em primeira instância, as muito grandes empresas, depois as grandes empresas e, por fim, as PME num prazo de três anos, pela natureza do que deve ser divulgado, vão impactar todos os elementos da cadeia, incluindo as empresas de menor dimensão. E, se numa primeira instância o desafio será de divulgação, rapidamente passará ao desafio da transformação, no sentido de maior sustentabilidade. Outro exemplo é o que está a ser trabalhado no âmbito da devida diligência que vai obrigar também as empresas a um maior controlo e conhecimento das cadeias de valor.
Creio que todas estas regulamentações são passos no sentido correto, contudo, a sua adaptação a cada contexto, e nomeadamente um ajuste, na medida do possível, à realidade nacional com regulamentação de suporte que interprete, facilite, simplifique e incentive a adoção destes mecanismos nas empresas, será fundamental para o sucesso das políticas.
Qual o papel das novas tecnologias na gestão da supply chain?
O papel das novas tecnologias será absolutamente crítico na gestão sustentável das cadeias de valor, como aliás sempre foi. Aliada aos temas de eficiência operacional e de suporte à gestão, seja na inteligência, na definição de rotas, na gestão de espaços de armazém ou em novos modelos de entregas, surge agora também uma das componentes mais críticas, e que será um dos pilares da transparência e da sustentabilidade da supply chain, que é a rastreabilidade do produto. O conhecimento e registo da viagem do produto e dos seus elementos, desde a produção, passando pelo transporte até aos canais de distribuição e pontos de venda, pode ser possível a partir de tecnologias de blockchain. Desta forma, a monitorização real time e traçável dos aspetos ambientais e sociais mais importantes ligados aos produtos – seja intensidade carbónica, consumo de água, cumprimento com direitos laborais e resíduos – pode ser também utilizada como forma de discriminar positivamente produtos objetivamente mais sustentáveis.
Que oportunidades e tendências são mais emergentes?
Em termos de oportunidades, destacava, talvez, a circularidade. Atualmente, está claro que o tipo de consumo que temos, aliado ao desperdício que existe, em particular para determinados produtos pós-consumo, não é de todo sustentável e é urgente aumentar a circularidade associada a estes produtos e suas componentes, para evitar a sua deposição final em aterro ou incineração. Este é o tipo de desafio que implica uma atuação concertada de todos os elementos da cadeia, e que pode e deve originar muitas oportunidades, nomeadamente também no setor da logística, que será um dos mais críticos e impactados sem dúvida. O setor do têxtil é um exemplo concreto onde existe esta oportunidade: atualmente, menos de 1% dos resíduos têxteis são reciclados para produzir novas peças, sendo que cerca de 30% a 35% são triados e, pelo menos, um quinto poderia ser usado no futuro. Com as metas europeias em cima da mesa, uma vez mais, esta situação terá de mudar. Em Portugal, existindo também uma indústria (têxtil) forte, a meu ver, existe também uma oportunidade para entrarmos nessas grandes cadeias, que terão de ser criadas. Este é apenas um exemplo, mas, como este, existem muitos.
Esta entrevista pode ser lida na íntegra na edição de dezembro de 2023 da 2050.Briefing.