Palavra de ordem: descarbonizar

A vice-presidente da ADENE – Agência para a Energia, Ana Paula Rodrigues, escreve sobre o que já foi feito para promover a descarbonização.

Palavra de ordem: descarbonizar

Num momento em que se colocam em causa muitas das opções tomadas em matéria de ação climática, vale a pena imaginar um futuro em que a descarbonização não foi prioridade e o país e a sua economia continuam dependentes de combustíveis fósseis. Um futuro em que as centrais a carvão continuam a emitir gases com efeito de estufa e outros poluentes para a atmosfera, os automóveis com motor a combustão envolvem as cidades em névoas de poluição e ruído, contribuindo para problemas de saúde pública, como doenças respiratórias e cardiovasculares.

Imaginar os efeitos devastadores das alterações climáticas com eventos climáticos extremos, como ondas de calor e inundações catastróficas, onde as comunidades costeiras vivem em risco permanente devido à subida do nível do mar, colocando em perigo infraestruturas críticas e áreas residenciais. Imaginar a agricultura e a produção de alimentos gravemente afetadas pelo aumento das temperaturas e pelas secas mais frequentes e intensas, em que os agricultores enfrentam dificuldades para irrigar as suas plantações, levando à escassez de alimentos e aumentando os preços para os consumidores. 

Este seria o retrato do Portugal que não apostou na descarbonização e que mergulhou numa crise ambiental e económica, com consequências devastadoras para a sua população, sobretudo os mais desfavorecidos, e para o ambiente. Os custos da inação seriam claramente superiores aos custos da descarbonização.

O ano de 2023 foi o mais quente de sempre, assim como o mês de janeiro de 2024. Os atuais planos de descarbonização apresentados pelos diferentes países são ainda insuficientes para reverter a tendência de aumento da temperatura média mundial que certamente ultrapassará o limiar dos 1,5ºC, valor a partir do qual as alterações climáticas se podem tornar mais catastróficas. É por isso que a comunidade internacional se tem vindo a mobilizar em acelerar a ação climática e a comprometer-se em atingir a neutralidade carbónica até 2050. A Europa pretende ser o primeiro continente neutro em carbono até 2050. Portugal, sendo dos países europeus que mais pode ser afetado pelas alterações climáticas, é também um dos que lidera a transição climática, sendo pioneiro ao assumir o compromisso em alcançar a neutralidade carbónica até 2050, data entretanto antecipada para 2045 na sequência da Lei de Bases do Clima.

Portugal já reduziu as suas emissões de GEE em cerca de 35% face a 2005, tendo como objetivo atingir, pelo menos, uma redução de 55% até 2030. Verifica-se também uma redução da intensidade carbónica do PIB, o que significa que as emissões deixaram de depender do desenvolvimento económico, fruto de uma economia cada vez mais descarbonizada e eficiente.

A trajetória de redução de emissões para atingir a neutralidade carbónica, implica reduções de emissões de GEE de pelo menos 90% e uma capacidade de sequestro natural de carbono, através da floresta e da agricultura, que permita compensar as emissões remanescentes. 

Apesar de todos os setores deverem contribuir, é o setor da energia que possui maior potencial de redução de emissões. “Eficiência energética primeiro” é o lema que deve conduzir esta transição. Nos equipamentos, nos transportes, na indústria ou nas nossas casas, existe um enorme potencial de redução dos consumos de energia através de uma maior eficiência e suficiência energéticas. O Plano Nacional Energia e Clima 2030 estabelece uma meta de redução de 35% dos consumos de energia nos vários setores de atividade. Estabelece ainda que, em 2030, 85% da eletricidade deve vir de fontes renováveis, tendo Portugal já progredido significativamente neste contexto, tendo já superado os 60% em 2023. Destaca-se o grande aumento da capacidade instalada de fotovoltaico que em 2023 atingiu os 3890 MW e que se espera venha a ter um incremento significativo até 2030. Na indústria, sobretudo a mais intensiva em energia, o hidrogénio surge como uma opção para a descarbonização, sendo uma área que tem vindo a concentrar grandes investimentos, fruto das condições favoráveis para a produção de hidrogénio verde que existem em Portugal.

O setor dos transportes é atualmente o que mais contribui para as emissões nacionais de GEE, cerca de 28%, sendo um setor chave para a descarbonização. Neste campo o reforço dos transportes públicos, através do investimento em nova infraestrutura de transportes, como é o caso dos metros de Lisboa e do Porto, da renovação das frotas com veículos de zero emissões e da redução dos custos para o utilizador, como é o caso do PART (Programa de Apoio à Redução Tarifária nos transportes Públicos) são medidas estruturantes de descarbonização da mobilidade urbana.

Para alcançar a neutralidade carbónica não basta reduzir as emissões, é necessário aumentar a capacidade de sequestro, construindo florestas mais resilientes. Nesta área, o recentemente instituído Mercado Voluntário de Carbono pode ser um instrumento importante para alavancar projetos de florestação e reflorestação ao remunerar os créditos de carbono associados, gerando um rendimento adicional aos seus promotores.

A ADENE – Agência para a Energia contribui para a transição climática promovendo um conjunto de instrumentos fundamentais desta transição, destacando-se o Sistema de certificação energética dos edifícios, o Sistema de gestão dos consumos intensivos de energia e o Sistema de classificação da eficiência energética de frotas – MOVE+, a literacia energética, através do Observatório da Energia e da Rota da Energia, o apoio à implementação de Comunidades de Energia Renovável, o apoio na operacionalização e desenvolvimento do Mercado Voluntário de Carbono e, mais recentemente, passou a estar envolvida no Observatório da Pobreza Energética, sendo parte ativa na aplicação da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza Energética.

Em Portugal como na Europa, a descarbonização, para além de ser o único caminho, é também aquele que oferece uma nova estratégia de desenvolvimento, geradora de empregos verdes e de uma nova indústria virada para o futuro e que sustenta a transição climática.

A nível europeu foi lançado o debate em torno da nova meta de 90% de redução de emissões de GEE, a adotar até 2040. A proposta da Comissão, alinhada com o objetivo de alcançar a neutralidade climática até 2050, baseia-se no relatório do Conselho Científico Independente criado pela Lei Europeia para o Clima. Assegurar um futuro sustentável exige investimento na transição, justa e segura, com previsibilidade e credibilidade, para reforçar a competitividade, garantir autonomia estratégica e independência energética, respeitar o acordo de Paris e os compromissos ambientais, e salvar vidas.

Ana Paula Rodrigues, vice-presidente da ADENE – Agência para a Energia

Quarta-feira, 03 Julho 2024 12:28


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