Pedro Amorim: “Uma empresa sustentável ajudará mais facilmente a desenvolver talento”

O Corporate Clients Director do ManpowerGroup dá uma entrevista ao 2050.Briefing sobre as tendências e os desafios que marcam a atração e a retenção de talentos.

Pedro Amorim: "Uma empresa sustentável ajudará mais facilmente a desenvolver talento"

2050.Briefing | Que empregos acreditam que terão mais saída em cinco anos? E num prazo mais alargado?

Pedro Amorim | As preocupações ambientais têm vindo a ocupar um espaço central nas organizações, que, de forma crescente, procuram desenvolver ações concretas e com impacto nas pessoas, comunidades e no planeta. Ao mesmo tempo, a transformação digital e a maior automatização das empresas e dos modelos de negócio continuam, agora mais do que nunca, a refletir-se nas necessidades dos empregadores, que querem reforçar as suas equipas com perfis especializados, que lhes permitam responder às oportunidades do mercado e alavancar o seu crescimento.

Estes desafios têm vindo a implicar, naturalmente, um aumento da procura por talento com competências especializadas nestas áreas. No presente e futuro mercado de trabalho, os green jobs são, assim, cada vez mais fulcrais: na verdade, 91% das empresas nacionais revelam não ter o talento necessário para concretizar a sua estratégia de ESG, segundo o “The Search for ESG Talent”, do ManpowerGroup.

Por outro lado, no topo das necessidades dos empregadores, encontram-se também os profissionais com competências no setor das Tecnologias da Informação (TI). De acordo com os dados do estudo “Talent Shortage Survey 2023”, do ManpowerGroup, as transformações do mercado têm vindo a despertar a necessidade por perfis na área da tecnológica e relacionados com data.

À medida que a transformação digital se acelera, novas funções vão continuar a surgir e os empregadores irão necessitar de novos conjuntos de competências. Especificamente no campo da Inteligência Artificial (IA) e da Realidade Virtual (VR), vemos já hoje o aparecimento de novas funções, com perspetivas de ainda mais desenvolvimento a médio prazo. É o caso dos IA trainers, auditores de IA, especialistas de integração da IA, criativos de arte em IA ou, ainda, gestores de compliance na IA. Já na área de VR e Realidade Aumentada (AR), vemos surgir funções como os arquitetos de VR, AR/VR software engineers ou os gestores de eventos no metaverso.

Quais as competências mais procuradas nos profissionais pelas empresas?

A transformação de modelos de negócio, acelerada pela digitalização e pela aposta na descarbonização, está a gerar uma verdadeira skills revolution, e as necessidades das empresas, no que respeita às competências dos profissionais, têm vindo a ser reconfiguradas. São, na verdade, as skills tecnológicas as que se revelam mais urgentes, com 30% dos empregadores portugueses a afirmar precisarem de perfis com estas competências, segundo dados do “Talent Shortage Survey 2023”, do ManpowerGroup. Destaca, igualmente, a procura por competências de Operações e Logística, referidas por 23% das empresas; Engenharia, com 20%; e Indústria e Produção, com 19%. Dentro deste universo, vemos igualmente um aumento na procura de profissionais dotados de green skills, essenciais para que as organizações consigam implementar as suas políticas e os planos de sustentabilidade ambiental.

De acordo com o mesmo estudo, também os profissionais com competências em Recursos Humanos são hoje fortemente solicitados pelas empresas, face aos desafios crescentes na gestão de talento. Um total de 21% dos empregadores inquiridos afirmou ter dificuldade em contratar este tipo de perfis.

No que toca às soft skills mais procuradas, no topo das prioridades encontram-se a resiliência e a adaptabilidade, absolutamente essenciais no mercado volátil de hoje. A capacidade de iniciativa, fiabilidade e autodisciplina são, também, muito importantes para as organizações. Por fim, destacam-se ainda a capacidade de trabalhar em equipa e de diagnosticar e resolver problemas – esta última particularmente relevante nos perfis das TI.

E o que diferem das que poderão vir a ser no futuro?

As necessidades de talento evoluem com as mudanças do próprio mercado. No contexto atual – em que a tecnologia e a sustentabilidade ocupam um espaço cada vez maior –, é importante que os profissionais consigam desenvolver e aprimorar competências específicas para responder a estes desafios.

Ao mesmo tempo, as soft skills são cada vez mais importantes, sendo precisamente esta vertente mais humana que parece marcar o futuro do trabalho.

A learnability – capacidade de aprender continuamente e desenvolver competências ao longo de toda a vida –, a comunicação, o pensamento analítico, a curiosidade ou a empatia serão cada vez mais valorizadas, num mundo do trabalho cada vez mais automatizado. Tal como o serão a resiliência e a adaptabilidade, num futuro volátil, onde continuamente despertam novas tendências e necessidades. São estas soft skills que irão construir a empregabilidade a longo prazo, e que continuam a suportar a motivação dos indivíduos pela aprendizagem e desenvolvimento.

Em que medida as novas tecnologias, como a IA, a automação ou a Web 4.0, podem ser um obstáculo para os profissionais?

As pessoas estão a começar a reconhecer o quanto a tecnologia e a inovação podem melhorar o mundo do trabalho, e a velha mentalidade de “Humanos vs. Automação” está a perder força. O ManpowerGroup previu a Human Age há mais de uma década, quando identificámos que o capital humano se tornaria um grande diferenciador e motor de crescimento económico. O que acreditávamos então, e aconteceu, é que a tecnologia pode e está a aumentar as capacidades humanas, em vez de as substituir.

Embora algumas funções se venham a tornar obsoletas com o desenvolvimento de novas tecnologias, os trabalhadores nunca o serão. E outras novas funções irão surgir, que vão necessitar de um conjunto de competências distintas. O foco deve, por isso, estar em aprender a trabalhar com essas novas tecnologias, como por exemplo a IA, vendo-as como aliadas para potenciar as nossas competências e output. Efetivamente, a IA oferece benefícios significativos, ao permitir automatizar funções muito assentes no processamento de dados e informação. Desta forma, libertamos tempo para investir tempo em tarefas de maior valor acrescentado e no uso de competências que as máquinas não são capazes de replicar, como sejam: a resolução de problemas, a estratégia, a inteligência emocional, a curiosidade ou a empatia.

Neste contexto, o grande desafio que enfrentamos como trabalhadores, organizações e mesmo sociedade como um todo, passa por conseguir garantir que os trabalhadores se mantêm empregáveis à medida que os ciclos de renovação das competências se aceleram cada vez mais. Para isso, os empregadores necessitarão de criar um ecossistema de upskilling e reskilling que apoie os trabalhadores na constante evolução das suas competências, garantindo assim a sua empregabilidade futura e o progresso nas suas carreiras.

Entendem que as universidades estão a formar profissionais preparados para a realidade atual e futura?

Estamos atualmente a assistir a uma autêntica revolução nas competências mais procuradas, fruto da transformação de modelos de negócio, cada vez mais impactados pela digitalização e pela necessidade de uma maior sustentabilidade. E a academia não está a evoluir a um ritmo suficientemente rápido na revisão dos seus currículos e propostas académicas.

Torna-se, por isso, necessário adaptar o próprio sistema de ensino, conferindo-lhe maior agilidade e uma maior proximidade com as empresas e as suas necessidades de talento, tanto atuais como futuras. É essencial que as universidades consigam desenvolver programas dedicados às áreas com maior procura, por forma a acompanhar os progressos e as necessidades do mercado. Este é um processo com efeitos a longo prazo, mas que permitirá a formação de profissionais aptos para assumirem funções com potencial de futuro.

Por outro lado, é necessário que as empresas se empenhem a construir talento e a formar novos profissionais, investindo naqueles que já estão na empresa ou em processos de transição de carreira e capacitando-os, através de programas de reskilling e upskilling, para cargos em áreas com maiores oportunidades de crescimento no futuro.

Precisamente por este ser um problema global com grandes implicações, tanto económicas como sociais, formar profissionais com as competências necessárias deve ser uma prioridade não só do ensino, mas também das empresas e dos governos.

De que forma é a retenção de talento, na área da sustentabilidade, uma oportunidade para as empresas?

Conseguir alcançar a sustentabilidade do talento implica abordar três pilares fundamentais: o desenvolvimento de carreira, os benefícios e condições de remuneração, e a formação.

Nesta como em qualquer outra área, uma remuneração justa continua a ser essencial para os profissionais. Contudo, não é o único fator. Hoje, aumenta a necessidade de promover o seu desenvolvimento de carreira, ajudando-os a progredir, ganhar novas experiências e reforçar o seu conjunto de competências. Não devemos olhar para esta questão numa lógica apenas de ambiente, mas, sim, de ecossistema.

Finalmente, uma empresa sustentável ajudará mais facilmente a desenvolver talento, formando e capacitando os seus profissionais para se poderem adaptar melhor às novas tendências e transformações do mercado.

Neste sentido, empresas que desenvolvem práticas efetivas de sustentabilidade do talento conseguirão alcançar maiores taxas de retenção.

Carolina Neves

Quarta-feira, 18 Outubro 2023 11:07


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