Vanda Cabrinha Pires: “É preciso mais investigação, monitorização e planeamento”

A climatologista dá a sua visão.

Vanda Cabrinha Pires: “É preciso mais investigação, monitorização e planeamento”

O conhecimento do clima é fundamental para o planeamento e gestão das atividades socioeconómicas e mitigação dos riscos climáticos. Com o conhecimento do clima podem desenhar-se respostas às escalas regional, nacional e internacional, para os desafios da variabilidade climática e das alterações climáticas.

As alterações climáticas constituem, atualmente, um dos maiores desafios a nível mundial, com graves impactos nos ecossistemas, na saúde humana, na disponibilidade e qualidade da água e nos mais variados setores de atividade. Um clima em mudança implica alterações na frequência, intensidade, extensão espacial e duração dos fenómenos climáticos extremos. Episódios de cheias e de secas são importantes fatores de risco a considerar na análise às vulnerabilidades locais, regionais e nacionais. A mudança climática global é sem dúvida um dos temas centrais do século XXI e os desafios são grandes e multifacetados, exigindo capacidades de previsão e adaptação pouco testadas.

As alterações climáticas são reais?

As alterações climáticas sempre ocorreram durante toda a história da Terra, mas de forma natural, devido, por exemplo, a grandes períodos de atividade vulcânica ou mudanças na inclinação do eixo Terra. No entanto, nas últimas décadas, as ações antrópicas agravaram as alterações climáticas, principalmente após a Revolução Industrial e tem-se observado que o aumento na temperatura média do planeta tem ocorrido cerca de 50 vezes mais rápido do que no ciclo natural.

De acordo com o IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas) o aquecimento do sistema climático é inequívoco, evidenciado a partir do aumento das temperaturas globais do ar e do oceano, fusão do gelo e neve e subida do nível médio do mar. 

Reconhece-se hoje, sem ambiguidades, que as atividades humanas, principalmente a partir do início da revolução industrial estão a originar problemas ambientais, cuja resposta do sistema “Terra” tem resultado no aquecimento global. As recentes variações climáticas regionais, em particular o aumento da temperatura, afetam já os recursos hídricos e terrestres, bem como os ecossistemas marinhos em muitas regiões do globo. Os impactos devido às alterações climáticas têm uma manifestação local e podem variar qualitativamente de região para região, afetar sectores distintos e com dimensão e graus diversos, podendo ser adversos ou benéficos. A realidade dos factos tem demonstrado que os impactos adversos serão predominantes, com consequências mais graves nos países em desenvolvimento e nas populações mais desfavorecidas devido à intensificação das desigualdades, muito particularmente no acesso à água potável, alimentação adequada e outros recursos fundamentais como a saúde e a habitação.

Qual o clima futuro?

É fundamental uma intervenção da sociedade no sentido de definir estratégias de adaptação e mitigação às alterações climáticas.

De acordo com o ultimo relatório do IPCC estima-se que as atividades humanas tenham causado cerca de 1,0°C de aquecimento global acima dos níveis pré-industriais. É provável que o aquecimento global atinja 1,5°C entre 2030 e 2052, caso continue a aumentar ao ritmo atual.

Em termos futuros os modelos climáticos projetam diferenças robustas nas características climáticas regionais: aumentos na temperatura média na maioria das regiões terrestres e oceânicas (alta confiança), nos extremos de calor na maioria das regiões habitadas (alta confiança), na ocorrência de chuva intensa em diversas regiões (confiança média) e na probabilidade de seca e défices de chuva em algumas regiões (confiança média). Para Portugal Continental, as projeções até 2100, indicam um aumento nos valores de temperatura do ar de 4.0 a +4.6 °C em relação aos valores médios no período 1971-2000 e de perdas de precipitação entre 5% a 25%. 

O que podemos fazer?

As alterações climáticas constituem um problema global e complexo. A mitigação só é possível com medidas regionais aplicadas globalmente, afetando e mobilizando a generalidade dos países, especialmente os grandes emissores de gases de estufa. Os recordes sucessivos, em particular para a temperatura e a ocorrência de situações extremas obrigou à generalidade da sociedade a olhar para o aquecimento global como um problema premente, a requerer mais investigação, mais e melhor monitorização e planeamento.

As medidas de adaptação não impedirão todos os prejuízos, mas reduzirão os efeitos adversos das alterações climáticas. Assim, a adaptação será a estratégia necessária em todas as escalas, de modo a complementar os esforços de mitigação. As alterações climáticas constituem assim um risco na medida em que, com a sua intensificação, falhar a adaptação atempada, levará por um lado a perdas desnecessárias e por outro a uma maior incapacidade de se aprender a gerir e adaptar de forma pronta e inteligente às alterações constantes.

Vanda Cabrinha Pires, climatologista da divisão de Clima do Instituto Português do Mar e da Atmosfera

Terça-feira, 16 Maio 2023 10:38


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