Briefing | Como surge o tema “Teremos sempre Marte”? Há continuidade com o tema da edição anterior, “Transformers”?
Susana Albuquerque | Tínhamos este tema no ano passado. A incerteza da pandemia levou-nos até ele, mas acabámos por trocá-lo por outro, um tema que nos parecia mais urgente, os “Transformers”, porque refletia a transformação rápida que fomos obrigados a viver desde 2020. No ano passado, quisemos homenagear essa capacidade de adaptação que todos temos, como seres humanos e como criativos.
Quando procurámos o tema para 2022, este “Teremos sempre Marte” fez mais sentido do que nunca. A incerteza acentuou-se. Não chegaram os loucos anos 20 pós-pandemia, como imaginávamos. A Europa tem uma guerra à porta, algo que parecia impensável e com consequências imprevisíveis. Parece haver um espírito de evasão geral nas pessoas, com grandes investimentos a serem feitos para explorar novos planetas e para criar mundos digitais alternativos. Por outro lado, há uma consciência crescente de como é importante cuidar da vida no planeta, até para assegurar a sobrevivência dos humanos.
O tema do festival deste ano quer convidar-nos a pensar sobre essas duas vias, que parecem contraditórias, mas que existem em paralelo, talvez existam sempre. Sobre a evasão e a imaginação, mas também sobre o pragmatismo e o humanismo. E sobre o papel que as marcas e a criatividade ocupam nesta história.
Antecipando a reflexão proposta, os “tempos convulsos” em que vivemos vieram mudar o papel das marcas?
Uma marca forte tem um grande poder e, com ele, vem uma grande responsabilidade. Uma marca tem a capacidade de influenciar muita gente, de moldar comportamentos, e, por isso, ela tem um papel na sociedade. O mesmo acontece com a publicidade e com o design que lhe dão identidade.
As marcas mais valiosas, hoje, existem com um propósito maior do que apenas gerar lucro. Elas devem trazer algum valor positivo à sociedade, e não apenas dar dividendos ao acionista. As marcas atuam segundo um conjunto de valores, algumas delas podem e devem tomar posições, se a sua visão e os seus valores assim o pedirem e justificarem. Uma marca quer vender os seus produtos ou serviços, disso não há dúvida, mas ela também pode e deve contribuir para uma sociedade mais justa, mais inclusiva, mais humanista e mais respeitadora do planeta e dos recursos.
As marcas estão cientes da mudança e preparadas para a protagonizar e/ou liderar?
Muitas estão. Qual é marca que não fala de sustentabilidade, de neutralidade em carbono, de responsabilidade social, de impacto social e ambiental, do foco nas pessoas, no bem-estar, na igualdade de oportunidades, nesta existência com um propósito maior?
Mas, atenção que esta mudança não é sobre falar, é sobre ser e fazer. Isto não pode ser apenas um briefing para as agências. Quero acreditar que estamos a viver uma transformação profunda na sociedade e na economia, na forma como pensamos, produzimos e consumimos, e que essa mudança será ainda maior nos próximos anos.
E o papel da criatividade e da comunicação também ganha novos contornos? Em que medida?
É preciso fazer este percurso, é urgente encontrar estas novas formas de consumir, com mais inteligência e com mais consciência. É preciso reduzir o desperdício, as desigualdades e a injustiça. Mas, também é preciso comunicar estas mudanças com eficácia. É preciso mudar comportamentos e nós, comunicadores, podemos ser grandes aliados nesta mudança através da criatividade.
Também é preciso lutar contra o greenwashing. O cinismo talvez seja um dos maiores inimigos neste percurso.
Este festival é também uma reflexão sobre o papel da tecnologia?
Completamente. A tecnologia é uma ferramenta poderosa, para o bem e para o mal. Ela pode pôr-nos seis horas seguidas a ver Netflix ou a cuscar a vida dos outros numa rede social. Mas, também nos pode levar a Marte e inventar energias limpas.
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