A verdade é que, como alguém famoso dizia, “prognósticos só no final do jogo”. Ainda é cedo para traçar linhas de comportamento ou a identidade de cada pessoa depois de ultrapassado o contexto global pandémico. Falo do consumidor e também da comunicação de marcas. São muitas as variáveis em jogo, como o desemprego, a frágil economia mundial, a poupança familiar, o embate da crise nas classes média e média alta, etc.
O que podemos traçar, desde já, são linhas de atuação quando falamos da comunicação e do comportamento de marcas ou empresas, agora e num futuro próximo:
– Uma comunicação clara e assertiva. Exigente nos dados a transmitir, na identidade da marca e nas mensagens. Tanto a imprensa como os consumidores cada vez mais exigem veracidade e clareza. Seja por terem mais tempo para refletir, seja por terem pouco tempo para gastar com mensagens complexas e obscuras;
– Uma comunicação sustentável ao nível do impacto ambiental da marca ou da empresa. Se antes era um imperativo, a sustentabilidade ambiental é algo que, agora e depois da pandemia mundial, será quase uma obrigação. Não estamos a apelar ao “greenwashing”, mas a uma mudança de atitude dentro de cada marca ou empresa. Cada geração ou civilização deixa a sua pegada na natureza: a título de exemplo, se o Período Republicano e o Alto Império Romano (séc. I A.C. e séc. II D.C.) deixaram a sua marca de poluição no gelo da Gronelândia (História Global de Portugal, Prof. Catarina Viegas), não é necessário muito para intuir a nossa interferência com o planeta;
– Cada vez mais o público-alvo da comunicação é sensível, também, a outra sustentabilidade – a humana. Acabar com a diferença salarial entre homens e mulheres, respeitar as minorias, reconhecer o valor do trabalho individual e não apenas o da competição, privilegiar o tempo livre e muitas outras questões que, durante este tempo de confinamento, foram sendo digeridos pelos consumidores;
– Uma comunicação estudada e delineada para o público-alvo, real e não estereotipado. Quem não se recorda do caso da marca Dolce & Gabbana que, para promover o seu desfile de 2018, lançou um vídeo que acabou num pedido de desculpas da sua dupla de criadores, por ter sido contestado nas redes sociais chinesas, denunciando os imensos estereótipos ocidentais face à cultura chinesa? Ainda neste novo ano chinês, registámos várias reações negativas, precisamente do público chinês, relativamente a marcas que usavam conceitos e imagens preconcebidas e padronizadas, sem olhar à sensibilidade oriental. Entre eles, o uso indiscriminado da cor vermelha nas campanhas de publicidade, que muitos esquecem estar mal conotado do ponto de vista da memória recente. A “Red China” é uma expressão que recorda a China comunista do passado e as suas más relações com o Ocidente;
– A enorme utilização das compras online, e-commerce, nestes tempos de confinamento, leva-nos a pensar que haverá uma mudança de comportamento a nível de consumo. Dentro da incógnita, a certeza que fica é que o online adquiriu mais importância. O enorme crescimento e impacto das redes sociais transformou-se na exigência em humanizá-las, tornando-as mais verídicas como instrumento de comunicação ou de venda.
Assim chegamos ao título escolhido para este artigo de opinião: a ilusão do “novo normal”. Dada a incerteza das previsões, não sabemos se será novo nem normal. O que temos são desafios. Desafios nos paradigmas da comunicação, seja no tocante às agências, aos consultores, aos profissionais freelancers ou às próprias empresas. Desafios na forma de chegar a um público pós-pandémico que, também ele, tem uma grande sede de “normalidade”.
João Jacinto Freitas Ferreira, project director de The Gentleman