É mais um testemunho desta iniciativa do Clube Criativos Portugal, de que a Briefing é media partner:
“Há um mês fechei a porta de minha casa pensando quando seria a próxima vez que a voltaria a abrir. Fechei os olhos e rezei para voltar a abri-la em breve e com saúde. Lembro-me que o meu namorado se riu dessa situação, mas compreendeu por que o fiz. Ele ofereceu-me a sua casa, partilhada com mais duas pessoas, para não ter de ficar sozinha durante o rumor de quarentena (só nessa segunda feira à noite é que seria feito o anúncio oficial) Há um mês, segunda-feira, 16 de Março, fechei a porta de minha casa, com uma mala de roupa para oito dias, uma mochila com o portátil, algumas coisas de trabalho e um saco com toda a comida que tinha em casa. Como podem imaginar morar em 15m2 (sim, é o tamanho de toda a minha casa no centro de Paris) permite-me viver num estado ultra minimalista, mas mesmo assim nada me preparou para fazer as malas, para o que eu acho que será o fim da minha vida em Paris.
A partir desse dia, toda a minha rotina mudou. Felizmente, ainda tenho possibilidade de trabalhar a partir de casa, mas o dia-a-dia não é o mesmo e é difícil encontrar o equilíbrio perfeito entre casa/trabalho quando a minha secretária está encostada aos pés da cama. Trabalhar como UX/UI designer tem as suas vantagens e desvantagens neste período de confinamento. Mais de metade dos meus projectos são feitos com o outro lado do mundo, por isso estou mais que à vontade a trabalhar com fusos horários trocados e skype calls numa língua diferente a cada duas horas, o problema é trabalhar em equipas que nunca tiveram esta experiência e que ainda acham que os seus empregados só trabalham se estiverem fisicamente no escritório. Também já passou um mês disto, por isso posso dizer que já está a melhorar… A grande desvantagem para o meu trabalho é (e continua a ser) entrevistar utilizadores. Se antes do confinamento já era difícil, agora tornou-se numa tarefa impossível. Mas isso não me impede de tentar! Pelo menos, nos dias bons.
Há um mês que tenho dias bons e maus e até isso já faz parte da rotina. Há dias em que trabalho mais do que aquilo que devia e outros em que nem consigo sair da cama a pensar nos meus amigos e na minha família, que estão a milhares de km de distância, a viver com regras diferentes das minhas, sem saber com que se cruzam, se têm comida em casa e nos supermercados, se estão em segurança… As rotinas agora revolvem à volta de chamadas de WhatsApp, treinos e idas ao supermercado. A ilha de França tem uma densidade populacional de 12 milhões, por isso é complicado saber quando é que vai haver comida ou fila no supermercado. Numa ida normal conseguimos mais de 90% da lista de compras, nas outras se calhar conseguimos 10%. As chamadas são o ponto alto aqui de casa, sou a única portuguesa, por isso estão todos muito intrigados quando faço o pequeno-almoço a falar com os meus pais, ou o almoço a falar com as minhas amigas e a “gritar” com elas (sim, não sou eu que vou desmistificar isto de que os portugueses falam alto!) O melhor é quando ligo ao meu pai para lhe perguntar como faço sangria e risotto… Lá por estarmos em confinamento, não é preciso estarmos a sofrer com chá e massas, ok??
Há um mês que as rotinas são diferentes e os pensamentos para o futuro também. O que vamos fazer quando sairmos de casa, com quem vamos estar, a que restaurantes vamos, que exposições queremos ver, que cidades visitar… No dia 11 de Abril, soubemos que França ia ficar fechada por mais um mês. 11 de Maio. Esse foi um dia mau. Apesar de sabermos que podia ser uma possibilidade, de repente todos os planos de pós confinamento desapareceram. Podia falar de muitas mais coisas más que se passam no dia-a-dia (viver numa casa com três pessoas que mal conhecia, estar longe da família, não poder dizer adeus à minha avó das escadas como muitos vídeos na internet, ouvir o presidente Macron falar de coisas sobre que nem ele sabe bem, não ter as minhas roupas e as minhas plantas, não poder dar passeios mais longos que uma hora num raio de 1km desta casa, não poder sair sem uma “Attestation de déplacement dérogatoire”…), mas, na realidade, não há um dia mau em que eu não pense na generosidade destes três rapazes ao terem aberto a porta de sua casa, e que, se eles não estivessem na minha vida, eu estaria sozinha nos meus 15m2, de certeza muito mais louca e deprimida do que aquilo que já sou. E por isso trocava todas as posses do mundo.
Vão-se passar muitos mais meses até eu poder sair desta casa, e há uma lista infindável de coisas que eu quero fazer – abraçar a Robin e o Anders, ir beber cervejas no cais do Sena com a Sév, fazer inveja à Marta com fotos da Disney, falar mal do mundo com o Miguel no nosso café preferido, receber a Maria e a Margarida na minha casa e irmos comer ostras no nosso restaurante preferido, fingir que sou influencer-bloguette e analisar as poses com a Mariana e a Ângela… Há muitas coisas mesmo, mas no topo dessa lista está: subir um 6º andar sem elevador com as minhas malas às costas, limpar os pés no meu tapete de estrelas, abrir a porta e agradecer. “Voltei a casa. Demorou, mas voltei e com saúde.”