A Mensagem do Futuro está na Briefing. E hoje vem de Paris

A Briefing é media partner da Mensagem do Futuro, a iniciativa com que o Clube Criativos de Portugal (CCP) se propõe dar voz a criativos portugueses pelo mundo, colhendo testemunhos de como está a ser viver estes dias de quarentena. Esta primeira mensagem chega de Paris, pelas palavras de Teresa Verde Pinho, copywriter na Ogilvy & Matter, e Mariana Reis, diretora de arte na mesma agência.

 

Eis o que a única dupla internacional na agência parisiense partilha:

 

“Uma dupla em quarenta há 1 mês, em Paris.

Uma série de loose thoughts escritos durante as últimas quatro semanas.

 

Pré estado de emergência.

Os parisienses estão-nos a deixar à beira de um ataque de nervos. Somos a única dupla internacional na agência, ou seja, a nossa bolha de informação é diferente de todos os outros no escritório. As notícias de Portugal, Espanha e Itália inundam-nos as redes e fazem-nos crer que aqui está-se tudo a marimbar. Com um revirar de olhos intitulam-nos de alarmistas quando insistimos que deveríamos estar todos em isolamento voluntário. Entretanto, um colega achou graça andar pelos corredores a tossir para cima dos outros, a fingir que estava doente. Só à bofetada, comentamos baixinho entre nós e em português.

É Domingo, dia de eleições. E no fundo esperamos que depois de cumprirem o direito cívico do voto, os franceses comecem a exercer o dever cívico de ficar em casa. À noite, Macron discursa e finalmente, as nossas preces são ouvidas, decreta o estado de emergência. Alle-fucking-luia.

 

Primeira semana de quarentena. 

Sem grande surpresa, ficamos a saber que as fromageries e as caves à vin permaneceram abertas, visto serem considerados bens de primeira necessidade. Os franceses são um cliché do caraças.

Começamos o dia a tomar o café juntas como antes, enquanto avaliamos os números de Covid-19. Inspira e expira, dizem que vai ficar tudo bem.  Embora tenhamos um pitch para uma marca de chocolate a entregar na semana que vem, a vontadinha de trabalhar é nenhuma. Os ataques de ansiedade dão o ar de sua graça, que impossibilitam qualquer brainstorm. Acabamos por ficar horas a fio a falar do maldito vírus, em vez de chocolate.

Há quem se aventure num blind date por FaceTime, com um rapaz vindo do Hinge. Ambas sabemos que é bizarro.

É o último dia da semana, e inicia-se uma nova tradição, ao que parece. O nosso ECD envia um email a fazer o balanço da primeira semana, os comentários positivos dão-nos ânimo para começar a segunda semana mais focadas. 

 

Segunda semana de quarentena. 

A partir de hoje temos um pacto, não se comenta mais as notícias de Covid-19, a ansiedade que traz não nos deixa focar no trabalho, e, claro está, ter a sanidade de perceber que a prioridade agora é vender chocolate. 

Lembramo-nos que os Silence4 existiram. Cantamos juntas por vídeo, enquanto fingimos entre nós que trabalhamos. A isto se chama “to hit a new low”.

Marcas como a McDonalds, a VW e a Audi separam os seus logos para promover o distanciamento social. Uma tentativa de criar brand awareness numa altura em que ninguém pensa em comprar um carro ou um Big Mac. Um revamp ao logótipo parece uma jogada de mau gosto, especialmente depois de a McDonald’s comunicar que não garante licença médica paga aos seus 517.000 trabalhadores. Que tiro no pé, mais vale estarem quietas e caladas. Os consumidores não estão à procura de truques de marketing ou “gimmick-isses”, querem é ver as empresas a apoiar os seus trabalhadores ou a ajudar a combater o vírus.   

Os parisienses continuam imunes à solidariedade. Há demasiada gente a passarinhar na rua.

A diferença horária não nos deixa ver o Bruno Nogueira a quebrar recordes. Quando começa já estamos aterradas a babar uma almofada do sofá. Que raiva.

Terceira semana de quarentena. 

Pontualmente passeamos os cães juntas, pelo écran do smartphone, e vemos o que se passa no bairro uma da outra, e confirma-se que tudo se mantém igual. Aparentemente os bons vivants são extremamente resistentes aos vírus. Era enxotá-los todos aos berros com sotaque do Porto. 

É quarta-feira, mas podia ser outro dia qualquer, vimos o Tiger King de uma assentada só. O documentário em que todos os entrevistados juntos têm um total de 10 dentes. Curiosamente, lavar os dentes às três da tarde já não é assim tão estranho. 

Um cliente da agência decidiu começar uma hot house global com equipas de Singapura, do Canadá e da China. Parece-nos super oportuno dado os diferentes fusos horários. Tem sido uma dor de cabeça.

É anunciado o cancelamento de Cannes, e, ao contrário do que alguma vez imaginamos, não nos faz comichão nenhuma. Na verdade, durante estes dias os concursos passam para segundo, se não terceiro plano.  

  

Quarta semana de quarentena. 

Compra-se vinho do Porto mediano e extremamente overpriced, mas temos de matar as saudades custe o que custar. Abre-se a garrafa e a época balnear à janela, sans areia ou água salgada, mas com um livro e boa música, pouco fica a faltar para um bom dia de praia. 

A agência informa que a partir da semana que vem entra em vigor o que aqui chamam de “activité partiel”, ou seja trabalha-se menos um dia por semana, graças ao Estado, sem redução salarial. Afinal de contas Vive La France! 

Nem tudo é mau, mas que se lixem os bons vivants. 

 

briefing@briefing.pt

 

Terça-feira, 14 Abril 2020 09:41


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