A opinião de… José António Rousseau

O investigador da UNIDCOM/IADE e membro da APPM – Associação Portuguesa dos Profissionais de Marketing, analisa o marketing das marcas de distribuição.

A opinião de... José António Rousseau

Comecemos por definir Marca de Distribuição como a marca exclusiva do distribuidor, identificada com a sua própria insignia ou com um nome de fantasia, comercializada apenas nos seus estabelecimentos, com o objectivo económico de melhorar a sua posição concorrencial, quer na compra, quer na venda e com o objectivo estratégico de fidelizar consumidores.

O seu desenvolvimento ao longo das últimas décadas tem vindo a assumir diversas formas, nomeadamente, como exclusivo de sortido com ênfase no preço (Lidl e Aldi); como alternativa mais barata, mas garantindo uma boa relação preço/qualidade (Continente, Carrefour, Auchan e Pingo Doce) e como inovações de valor acrescentado procurando diferenciar-se das marcas industriais (Tesco e Safeway no Reino Unido e Mercadona, em Espanha). 

Não obstante os inegáveis benefícios auferidos pelos produtores que as produzem, em termos de otimização da produção e de redução de custos de marketing, de um modo geral, as marcas próprias dos distribuidores têm sido percecionadas por muitos produtores como uma ameaça, na medida em que não só disputam, de forma privilegiada e desigual, espaço no ponto de venda, como lutam pela preferência do consumidor pretendendo ganhar maiores quotas de mercado. 

Daí que, quando colocados perante o dilema de fabricarem marcas próprias para os distribuidores, os industriais tendam a reagir de forma radical: ou as fazem ou não as fazem. Porém, a resposta raramente é apenas um sim ou um não, admitindo mesmo diversos matizes e diferentes possibilidades de resposta. 

É verdade que as marcas próprias dos distribuidores representam para os industriais que as produzem um segmento de mercado com grande potencial de crescimento, que as economias de escala justificam a procura de volumes de produção adicionais, que proporcionam o aumento dos níveis de controlo tecnológico e o poder de compra de matérias-primas, que oferecem uma oportunidade de competir em preço com os produtos dos seus concorrentes horizontais e que podem contribuir para melhorar as relações com as empresas de distribuição na medida em que, no fundo, as MDDs revestem a natureza de uma parceria.

Mas também não deixa de ser verdadeiro que, para os industriais, o crescimento da quota de mercado através das marcas do distribuidor se faz à custa da sua rentabilidade, uma vez que aumenta a sensibilidade ao preço e faz baixar as suas margens, que a informação que proporciona às empresas distribuidoras pode ameaçar as suas próprias marcas, chocar com a sua estratégia ou questionar os seus níveis de qualidade e, ainda, dispersar a atenção ou afetar a perceção que os consumidores possuem das marcas da indústria. 

Esta opção reveste-se de ainda maior dramatismo para os fabricantes de marcas-líderes, que receiam degradar a sua imagem em termos de qualidade e preço e desencadear, desse modo, processos de canibalização das suas próprias marcas, pelo que grande parte desses fabricantes se recusam a produzir as marcas dos distribuidores.

O grande argumento para esta opção decorre do facto de, aos olhos dos consumidores, a inexistência de grandes diferenças entre as marcas líderes e as marcas do distribuidor, quando oferecidas em simultâneo pelo mesmo fabricante, reduzirem a atratividade daquelas e quase que as reconvertem em categorias básicas ou commodity, com a consequente perda de margem e de capacidade de reinvestimento em inovação. 

O facto de produzirem ao mesmo tempo as suas marcas e as dos distribuidores pode desencadear, no interior das empresas, contradições internas e conflitos graves que, mal geridos, poderão ter sérias e devastadoras consequências. Na verdade, os industriais têm razões para estar preocupados, mas nada justifica que fiquem desesperados e muito dependerá da forma como consigam transformar esta efetiva ameaça numa eventual oportunidade. 

É óbvio que as marcas absolutas, na feliz designação de George Chetochine, se recusam a produzir MDDs, mas as marcas relativas e, principalmente, as marcas transparentes possuem um potencial enorme, no estabelecimento de parcerias com os distribuidores com o objetivo de criação de valor para os próprios produtores, para os distribuidores e, principalmente, para os consumidores.

E não adianta a indústria pretender parar o vento com as mãos, insurgindo-se contra as alegadas imitações das suas marcas pelos distribuidores. Porque se, por um lado, existe entre os próprios fabricantes cada vez maior uniformidade de formatos e estilos, por outro lado, como já dizia Dennis Defforey, um dos fundadores do Carrefour, “é sempre bom ser imitado. Porque, enquanto os nossos concorrentes nos imitam, não estão a inovar”. 

Ora, a capacidade de inovação das marcas dos distribuidores é que se afigura como uma ameaça de complexa resolução para os fabricantes. E, se é certo que o papel dos distribuidores não foi o de “inventores” de produtos, nada os impediu de começarem a propor aos clientes a exclusividade de aquisição de produtos inéditos e diferentes em certos nichos de mercado. 

É inquestionável que o avanço das marcas de distribuidor desenha hoje uma tendência de recorte internacional, consequência do progressivo esbatimento das diferenças entre industriais e distribuidores e do crescendo de notoriedade das insígnias destes. Quem sabe se não se caminhará de MDD em MDD até à marca global, como manifestação suprema de união entre a indústria e a distribuição ou se, como profetizou Philip Kottler, “No futuro, haverá duas ou três marcas, sendo todas as outras marcas de distribuidor”? 

Na verdade, o grau de exigência dos distribuidores quanto às suas marcas é cada vez maior em termos de qualidade e apresentação. Longe vai o tempo de serem consideradas como meros copy cat das marcas dos produtores. Hoje, os cadernos de encargos que há poucos anos não possuíam mais de duas páginas, raramente ficam hoje abaixo das 20 páginas com especificações complexas e rigorosas.

O controlo de qualidade, que antes era exercido unicamente pelos fabricantes, é agora assumido igualmente pelos distribuidores. As embalagens que dificilmente se diferenciavam das utilizadas pelos industriais são agora objeto de exigências em termos de inovações e informação aos consumidores. O patamar mínimo de qualidade exigido, que antes ainda se admitia poder ser inferior ao dos fabricantes, é colocado hoje a um nível pelo menos igual ao dos produtos-líderes ou até mais exigente. 

Embora hoje ainda ninguém o conteste, o futuro encarregar-se-á de desatualizar a famosa frase atribuída a Etienne Thil, criador dos “produits libres” do Carrefour, de que “a marca própria se faz para ganhar dinheiro e melhorar o nível das margens”. Porém, a maior parte dos distribuidores, não obstante as suas marcas próprias possuírem muitas vantagens, pois contribuem para fidelizar clientes, proporcionam boas margens líquidas, aumentam a notoriedade da insígnia e enfraquecem a capacidade negocial dos fornecedores, não podem prescindir totalmente das marcas dos fabricantes. 

Na verdade, estas ainda acumulam importantes características, fazendo pesados investimentos em investigação e comunicação, facto que as torna imprescindíveis junto dos consumidores que as exigem e a elas estão fidelizados. Em termos de futuro, a repartição do mercado irá processar-se através do alargamento da faixa de marcas de distribuidor e de marcas líderes dos fabricantes e da redução da faixa de marcas intermédias de menor notoriedade. Mas, por maior que seja a notoriedade de qualquer marca, os consumidores atribuem cada vez mais importância a outros fatores, nomeadamente, o tipo e a extensão das garantias que fornece, a sua acessibilidade e principalmente o seu valor agregado, isto é, a relação entre os componentes preço, qualidade e serviço. 

Por outro lado, num contexto económico de aceleração da inflação, de aumento dos juros, de redução do poder de compra, de ainda maior sensibilidade aos preços e de aumento da concorrência entre as próprias MDDs, em termos de alargamento do sortido, de preços, de qualidade dos produtos, de segmentação dos posicionamentos e de formas mais agressivas de comunicação, o caminho de progressão das Marcas Próprias seja uma autoestrada aberta em direção aos consumidores.

Daí que o marketing das MDDs se foque cada vez mais em campanhas publicitárias robustas, no merchandising aplicado nos lineares, na cada vez mais profunda segmentação, na inovação e exclusividade e naturalmente, nas promoções e nos preços praticados.

José António Rousseau, investigador da UNIDCOM/IADE e membro da APPM – Associação Portuguesa dos Profissionais de Marketing

Terça-feira, 09 Janeiro 2024 12:03


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