“24 horas antes estava resignada ao ‘normal’”.
Começar o dia na I-405, enfiada no carro, olhar preso na estrada, matemática simples na cabeça: ‘Ora bem, duas horas por dia, ir e vir… Vezes cinco a multiplicar por quatro… pois isso são 40 horas por mês’.
20 dias de vida por ano, à espera, entre quatro paredes de lata.
Normal.
Bem lançada para ser uma mestre no ofício de aguardar pacientemente no trânsito, de mãos ocupadas no volante, convencia-me de que “ao menos o meu pensamento é livre, posso ter ideias”.
Inspirada pelo não-divino camião de transporte de betão à minha frente e pelo mash-up de hip-hop/podcast que o casal à minha esquerda e o senhor da carrinha pick-up à minha direita insistiam em partilhar, a única ideia que me surgia era a instalação de janelas com melhor isolamento acústico, e talvez algum tipo de tecnologia ‘efeito ricochete sonoro’, onde estas escolhas musicais seriam amplificadas e devolvidas aos seus remetentes: os DJ de autoestrada.
E assim, perdida em pensamentos inúteis e condicionados, esperava.
Para chegar ao escritório. Na fila para o café.
Esperava que a reunião começasse e esperava que corresse bem.
Esperava pela ideia e pelo feedback do cliente.
Esperava chegar a casa ainda de dia. Esperava pelo fim de semana.
Nesta espiral de rotina, de normalidade, os meus momentos entre momentos eram, de alguma forma, diminuídos, desperdiçados. À espera do ‘a seguir’.
Mas o que veio a seguir ninguém esperava.
E de um dia para o outro tivemos de dizer adeus ao ‘normal’.
Enquanto as estradas vazavam, os escritórios fechavam e as máquinas de café ganhavam pó, desempoeirei uma nova forma de estar.
Comecei a transformar tempos mortos em tempos livres.
Instantes anteriormente de antecipação agora usados para experimentar, criar ou refletir.
From moments in-between to moments (ler com sotaque americano exageradamente entusiástico).
As mãos, livres do volante, podiam tentar pintar um quadro ou acertar na receita de lasanha da minha mãe.
Pausas entre reuniões aproveitadas para arrumar o armário, ou andar à bulha com o cão.
Olhos livres num livro de fotografia, a música de fundo escolhida por mim. Cada imagem e cada nota a pontuar o agora.
Mesmo os menores momentos, quando vividos, são mais vívidos.
E de um dia para o outro, deixei de estar presa no trânsito a caminho de Daqui a Bocado e estacionei o carro no Presente.
Porque do Futuro, só mensagens :)”.