Se o princípio orientador faz todo o sentido, a sua aplicação tem sido distorcida, em grande parte, por culpa das próprias agências. Nos anos 80, o caderno de encargos para uma campanha de publicidade incluía um fee de rejeição que permitia ressarcir, numa pequena parte, as agências que ficassem pelo caminho. Esta prática tem a virtude de pagar um valor mínimo pelo esforço de ir a jogo e motivar os clientes a endereçarem convites com maior critério. Com um valor de rejeição, talvez seja mais difícil encontrar concursos com 15 agências em competição, como, por vezes, acontece.
O que provocou esta distorção, sobretudo nos anos 90, foi a desvalorização das componentes core da oferta das agências, de forma a garantir a maior fatia do bolo em termos financeiros: a compra de espaço publicitário. A lógica de “ofereço a campanha se me deres a compra de espaço” só podia deixar a valorização da criatividade, da estratégia e da execução nas ruas da amargura.
Este problema não é, em boa verdade, português. Em junho deste ano, numa interessante conferência promovida pela APCE, o presidente do Chartered Institute of Public Relations, Alastair McCapra, indicava, como um dos principais problemas do setor no Reino Unido, a convocação de concursos sem que o potencial cliente adjudicasse a qualquer uma das agências participantes.
Numa análise empírica, a situação parece não beneficiar nenhum dos lados da equação. Em muitos dos casos, se fossemos avaliar o custo do tempo de análise das propostas por parte do júri, mais o tempo alocado pelos recursos das agências, provavelmente, não pagaria o valor do projeto a concurso.
Mediante esta realidade, muitas das agências optam por não ir a concurso fora dos seus clientes habituais ou por endosso direto de um contato de proximidade. No fundo, é uma solução defensiva que protege o custo de oportunidade e o investimento numa equipa focada em new business, mas, não permite crescer por uma perceção de risco demasiado elevada.
Mas haverá alguma solução? Há, com certeza. Uma relação com um cliente não é expectável que seja para a vida, já nada é, porém, olhando para os exemplos de parcerias que duram há décadas – veja-se Wieden+ Kennedy e Nike –, o que podemos concluir é que ambas as entidades traçaram, em conjunto, objetivos claros, devidamente quantificáveis e com partilha de risco.
Em Portugal há honrosas exceções, mas o mercado necessita de migrar em definitivo para um modelo de concurso em que o âmbito e a definição de metas qualitativas e quantitativas sejam claros. Do lado da agência, teremos de apresentar o conceito criativo e, com o mesmo peso, qual o processo de implementação da estratégia e monitorização contínua focada em resultados. Com isto devemos, se soubermos o que estamos a fazer, assumir riscos.
A boa notícia é que a entrada profunda do digital no nosso setor permite o controlo de métricas em tempo real recorrendo a softwares de análise com custos relativamente baixos – o Google Analytics permite integração direta com o Sales Force, a título de exemplo – e que voltam a colocar o valor no comunicador/analista que interpreta esta informação e permite tomar decisões devidamente sustentadas (data driven decisions).
A ideia não é acabar com os concursos, mas muito melhor seria se ficasse claro por que estamos a investir o nosso tempo, saber por que perdemos e…por que ganhamos.
Ricardo Carvalho, CEO da Lisbon Project