Esta Segunda-feira, por mero acaso – não estou com uma postura pseudo-intelectual de quem não assume ver televisão, porque, em boa verdade, não vejo mesmo – assisti à estreia de uma novela. À noite, cumpridos os deveres de mãe de primeira viagem, cuja filha se estreou na 1º classe, sentei-me (na verdade, deitei-me) no sofá. Computador ao colo, para uma última passagem pelo correio electrónico e poder espreitar os escaparates. Telefone ao lado, não fosse tocar (porque toca, sempre que nos sentamos. Ou deitamos, no caso).
Porque é relevante o contexto? Porque nunca perderia cinco minutos do meu tempo para assistir à estreia de uma novela. Porque só uma grande coincidência me faria estar frente à TV num momento destes. Ou a teoria das probabilidades.
Em boa verdade, nada muda nas novelas. Do que me recordo de ouvir, quando era criança, é que basta ver o primeiro, um episódio algures no meio e o último de uma novela para saber a história. Sempre me questionei porque razão, tantas pessoas assistiam, então, a todos os episódios das novelas. De facto, nada que um bom primeiro episódio e um elucidativo outdoor não cumpra. Porque já descobri (ou acho que sim) a trama de Mar Salgado e imagino o fim da história, através da metade do primeiro episódio que vi e do cartaz com o qual me cruzei esta manhã.
O que se segue, é um excerto de uma conversa que foi acontecendo através do WhatsApp entre mim e uma amiga durante a estreia de Mar Salgado. Termina com a mensagem que lhe enviei hoje e, para a qual, até ao fecho da edição, não recebi resposta…
• Liguei a TV. Está a dar uma novela na SIC que é de se lhe tirar o chapéu…
• Estou no mesmo canal! Adoro primeiros episódios… A ver quem entra!… – respondeu-me.
• É o começo?! Não quero imaginar como se vai desenrolar…
Por esta altura, a cena era supostamente trágica: a ira de um pai ao descobrir que a sua filha de 16 anos está grávida, depois desta ter encoberto o seu estado durante 9 meses…
• Sim, é o primeiro episódio, continuou a minha amiga, acrescentando, quando a cena mudou:
• Aquele cabelinho… – referindo-se ao personagem principal da novela.
• Sim, o cabelinho é mau – respondi, sem ainda ter percebido que tínhamos recuado 16 anos no tempo.
• Que coisa tão cliché, continuei. O gadelhudo leva-as na mota e elas derretem-se…
• Repara… agora a nostalgia patriótica (em referência a um daqueles momentos de mudança de cena, com paisagens e música Portuguesa)
• Que calças pavorosas! Mas que raio de produção é esta? E uma cesariana?… Logo agora que querem promover partos naturais…
• Gémeos. O que mais pode acontecer-lhe?!…
• Fui deitar o meu filho, respondeu-me. O que se passou entretanto? Já nasceu?!
• Perdeste o melhor, respondi.
• Uma cesariana forçada para lhe tirarem o bebé – que afinal são dois – e entregarem ao casal infértil.
• Que horror! Já não vou perceber nada… – brincou.
• Não te preocupes. Também é pouco provável que voltes a assistir a esta novela.
• Ou qualquer outra! – exclamou a minha amiga.
• Gémeos separados à nascença, certo? Onde já vimos isto?… Perguntava eu.
• Esta novela – ou a história desta novela – não aconteceu já? – Repeti.
• Não…. Dancin’ Days? Não havia um remake qualquer? – Respondeu-me.
• Na TVI. Jardins Proibidos. – Disse eu.
• Isso! concluiu. E mudámos de assunto.
Esta manhã, enquanto circulava de carro, parei num semáforo. Ao meu lado, impossível de ignorar, um outdoor. A Leonor, a Patrícia, o Gonçalo e o André. Outros cabelos, um estilo mais actual, cosmopolita. Foi então que percebi. A ideia de que boy meets girl, they fall in love and stay together já não pega. Do meet ao fall in love vai uma trama de acontecimentos. E do fall in love ao stay together, outro tanto. No Mar Salgado vamos de certeza, saltar no tempo e passar ao momento presente, um par de anos depois do nascimento das crianças.
A Patrícia, amiga de Leonor que engravidou do Gonçalo e a quem Gonçalo, com a ajuda da Patrícia, tirou os filhos, fazendo-a a crer que o bebé (e não os bebés) tinha morrido, acaba por conseguir casar-se com Gonçalo. Fácil perceber: interesseira, vai usar este segredo para mudar de vida. Afinal, algures no primeiro episódio, ouvimo-la dizer a Gonçalo exactamente isso: que ele a ia ajudar a mudar de vida.
Eles representam os ricos e elas os pobres. Trabalham numa fábrica de conservas e o pai de Leonor é pescador. Já Gonçalo é um menino rico e mimado, de fraca formação moral que não hesita em pensar primeiro em si e depois nos outros. Não será má pessoa, mas podia ser melhor. Merece, por isso, Patrícia. Trepadora social que não tem mau fundo. Só é interesseira e, por isso mesmo, encarna a típica “salve-se quem puder”. Vai sofrer. Já André, que na altura queria que Leonor gostasse dele, deverá acabar por voltar a encontrar Leonor e, naturalmente, Leonor vai apaixonar-se por André. Serão felizes. O que mais poderíamos esperar? E porque Gonçalo não fez o que estava moralmente certo – assumir a criança e cuidar dela -, acaba por passar a vida infeliz e perto da sua filha, sem a poder assumir e sem poder definir a sua educação. Porque, afinal, a mãe da criança é, na verdade a sua tia, a quem Gonçalo entregou uma recém-nascida garantindo-lhe que a mãe dessa criança jamais iria mudar de ideias.
Dizem que é a melhor novela de sempre. Não sei. Fernando Pessoa está presente, pelo menos, no título da novela. A interpretação, em alguns casos, poderia ser melhor. O texto, em outros tantos, também. A realização, contudo, surpreende. Será este um dos casos em que a forma se vai sobrepor ao conteúdo?