Luís Serra entende que esta crise traz muitos desafios ao setor criativo, e em diferentes âmbitos. O primeiro que destaca é a nível da gestão de processos criativos: “O processo criativo, de maneira geral, já é visto como ‘caótico’ quando estamos numa mesma sala. Através de ferramentas de vídeo, com várias pessoas ao mesmo tempo, pode tornar-se mais complicado. Perdemos a proximidade e a capacidade da comunicação em simultâneo de várias pessoas. Por outro lado, ganhamos a capacidade de gerir o caos de uma forma mais organizada, aproveitamos o que a tecnologia nos oferece e ficamos (mais) em silêncio para o outro falar”.
Destaca ainda a capacidade de antecipar e dar respostas às necessidades dos clientes. “Nesta altura de constante mudança, em que impera a indefinição, é preciso que criemos ideias relevantes que tenham uma capacidade de execução real (sem esquecermos que as limitações são mais que muitas)”, afirma, resumindo: “Nunca nos foi exigido fazer tantas omeletes com tão poucos ovos”.
No saco dos desafios coloca igualmente o facto de o tabuleiro do jogo se ter reduzido “drasticamente”. E explica: “As pessoas estão recolhidas em casa; o digital e a televisão são os meios privilegiados; as oportunidades de consumo diminuíram; as necessidades das pessoas alteraram-se; a indústria criativa tem de encontrar soluções relevantes e verdadeiramente úteis para o consumidor no meio e no momento certo”. Por tudo isto, “hoje mais do que nunca, a indústria criativa tem de pensar muito para além da comunicação, tem de aplicar a sua força criativa ao serviço do Marketing como um todo: no produto, na distribuição e até mesmo nos modelos de negócio”.
E a criatividade? Como coloca-la ao serviço das marcas? Luís Serra comenta que há que fazer o mesmo de sempre, mas, “por estranho que pareça”, de uma forma mais próxima:
estar presente, entender, acima de tudo, as dificuldades dos clientes e os desafios que estão a passar a curto, médio e longo prazo. E, “depois, conseguir descer ao terreno, perceber as verdadeiras preocupações das pessoas e, com isso, conseguir cruzar os interesses e necessidades de ambos”. “As agências e os criativos podem e devem ter o papel de moderar e conjugar os interesses de ambas as partes, para que as marcas não caiam na tentação de resvalar para um oportunismo puro ou colocar-se numa posição de altruísmo inconsequente sem importância ou real utilidade”, advoga.
Para já mudaram os métodos. “Quantos brainstorms já tivemos esta semana via Zoom? Quantos pitchs apresentamos via Google Hangout ou outra plataforma qualquer? E, pergunto eu, quantas vezes já terminamos a pensar ‘olha, isto até foi mais produtivo que antes’?”.
E, a partir de agora? O caminho – defende – é de aperfeiçoamento de cada um destes processos, de modo a tornar alguns destes novos hábitos em rotinas, que continuarão a ser aplicadas quando o mundo voltar a normalizar, porque, “na verdade, alguns são mais eficazes do que os antigos hábitos”.
E se é verdade que ainda se sabe pouco sobre o impacto que esta situação vai ter na indústria, Luís Serra tem uma certeza: vem aí uma crise, crise essa que vai manifestar-se numa menor quantidade de oportunidades e, consequentemente, num mercado com menos volume e capacidade financeira para conseguir suportar todos os seus profissionais. “Mas, com isto, também acredito que vão surgir oportunidades e uma maior maturidade de quem sobreviver: agências mais ágeis, com capacidade de intervir em âmbitos que até à data lhe eram desconfortáveis e mais colaborativas com os clientes. Infelizmente, é na dor que (muitas vezes) as relações se fortalecem”, conclui.