Esta é a segunda “casa” do projeto do casal Isabel Costa e João Tomás. Nenhum deles é da região, mas são apaixonados por ela. Também não tinham experiência na indústria da hospitalidade, dado que os respetivos percursos profissionais passaram pelo retalho e pela banca.
Mas isso não os impediu de criarem laços fortes com a serra e, muito em particular, com a tradição do burel. De tal forma que são também os mentores da Burel Factory. Mas isso é outra história, ou melhor, outro artigo.
Foi em 2018 que renasceu a esta altitude a Pousada de São Lourenço, projetada nos anos 40 do século XX pelo arquiteto Rogério de Azevedo e a que os arquitetos dos ateliês P-06 e Site Specific deitaram mãos. Apostaram na preservação da história do edifício e na paisagem envolvente para erguer um hotel intimista, indo ao encontro do conceito “casas que são hotéis”.
Para esse propósito, em muito contribui o design de interiores, assinado por Nuno Gusmão, que mantém mobiliário original de Maria Keil, conjugando-o com peças de designers nacionais, em que convivem contemporâneo e antigo, betão, madeira, lã e, claro, burel.
É assim em todo o hotel. Incluindo nas quatro suítes e nos 17 quartos, 16 deles com vista panorâmica para o vale glaciar e apenas um, porque é uma reminiscência da pousada, virado para a montanha. O burel está em todos os detalhes, porque, além de ser a inspiração da marca, é um ótimo isolante acústico e térmico, contribuindo para o conforto.
Visualmente, é claramente um elemento agregador. E que chama a atenção no restaurante rasgado sobre o vale, caindo do teto sob a forma de pequenas flores amarelo-dourado, quase como se estrelas fossem. É este o enquadramento de uma sala vasta, em que domina uma longa mesa de madeira escura que convida ao convívio.
Antes, porém, uma sala comum é marcada por uma lareira central, com fogo de chão, emoldurada por vários recantos que proporcionam momentos de descanso antes ou após a refeição. Um livro, uma bebida, o som do piano tocado ao vivo.
São, sobretudo, casais, mas também algumas famílias, que procuram a Casa de São Lourenço, como explica o diretor dos hotéis, Nuno Leite. Habitualmente, entre finais de novembro até à Páscoa, os hóspedes são, maioritariamente, portugueses, mas, nos meses de primavera e verão, multiplicam-se as origens e o mercado internacional prevalece.
E, apesar das restrições em vigor, a operação está a correr bem. De agosto a janeiro, a ocupação rondou os 85%. O hotel foi, ainda assim, forçado a adaptar-se, em particular no que toca às restrições. Não podendo servi-las no restaurante que é o ex-libris, optou por converter quartos em salas privativas de refeição. A vista panorâmica mantém-se e a possibilidade de desfrutar da carta criada pelo chef Manuel Figueira também, agora disponível como menus, com QR Code.
Na antecipação da reabertura plena, o jovem chef – tem 25 anos – está já a trabalhar na nova carta. Deixa duas promessas: caldeirada de robalo com mexilhão e bochechas de novilho como se fossem vitela à Lafões. E, porque está à porta do tempo da cereja e do pêssego, a criatividade levou-a a conceber duas novas sobremesas: tartelete de cereja com chocolate negro e mousse de pêssego dentro de esfera de chocolate com sopa de flor de sabugueiro.
As novidades, porém, não tiram o brilho aos pratos-estrela da sua cozinha: o bacalhau à conde da Guarda, que leva amêndoas e molho de gema emulsionada, indo ao forno com crosta de broa; e o cabrito, que cozinha lentamente numa assadeira de barro preto com grelha, pingando os sucos sobre o arroz que repousa no fundo.
O que o inspira é a própria região. Privilegia os produtos da terra, mas também os saberes mais antigos, falando com as gentes de Manteiga para ir recuperando receitas de outrora. Foi assim com um dos pratos de outono, um caldo de castanhas que – diz – já não se fazia em lado nenhum e era receita da avó de um copeiro que trabalhou no hotel.
Como cozinheiro, elege mesmo a tradição como o seu traço distintivo. Provavelmente, fruto da influência da sua própria família. Nascido na zona de Tondela, sempre se habituou a ver o pai cozinhar os produtos que a “casa” dava. Começou a ganhar o gosto e, com um empurrão da irmã, acabou por entrar na Escola de Hotelaria de Lamego. Finda a formação, desceu ao Algarve, para trabalhar no Pine Cliffs, após o que subiu até Lisboa, para o Feitoria, de João Rodrigues. Subiu de novo, geograficamente falando, até Oliveira do Hospital e, há quase quatro anos, que está por Manteigas.
Do que gosta é de confecionar pratos que contem histórias à mesa. O que tem em comum com o diretor do hotel. Nuno Melo, que se assume como um relações públicas, sente falta deste convívio, de passar pela sala de jantar e sentar-se um pouco com os hóspedes, quiçá beber um copo de vinho.
Gosta de sentir o hotel cuja direção assumiu em finais de 2019, a etapa mais recente de um percurso que envolveu sete anos no Reino Unido, como diretor de uma propriedade hoteleira de luxo, no centro de Londres. Foi o facto de ter sido pai que acendeu o apelo do regresso a Portugal, em busca de uma vida menos agitada.
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