Atualmente em Tóquio, Erick já trabalhou em Portugal, tendo sido diretor criativo executivo da Leo Burnett. Saiu para regressar ao Brasil e depois para Singapura. Eis o que escreveu:
As cerejeiras de Nakameguro.
Ontem fui ao rio ver as cerejeiras.
É uma coisa de outro mundo. Não dá para sequer descrever e fazer justiça. Não cabe no Instagram. É tão impressionante que pessoas atravessam o país, olham e regressam. Pessoas atravessam o mundo. E no ano seguinte voltam.
Tem algo lindo e especial sobre as cerejeiras no Japão. Ao crescerem, as cerejeiras pintam parques de rosa. Deitam pelos rios. Nessa Tóquio de prédios sem fim, as cerejeiras são um lembrete lindo de que a vida é essa coisa inesperada, antecipada – impossível de planear —única e linda.
As cerejeiras de Nakameguro é cartão postal que você carrega para sempre na cabeça. É de tirar o fôlego e tomar conta da memória do seu telemóvel com as centenas de fotos que você vai tirar.
E, para deixar tudo ainda mais especial — dura pouco. Uma semana. E isso, nos melhores anos. Com as mudanças climáticas dura cada vez menos, ou fica quase impossível prever o início e o fim.
Bom, ontem eu estava na agência. Sol lá fora. Na tela do computador, notícias de um mundo acuado, sofrendo e tentando encontrar o chão. Aqui no Japão as coisas têm sido relativamente mais simples do que no resto do mundo. Com números menores. Com menos dor. Mas mesmo assim, algo pairava no ar. Eu tinha a leve (ou pesada) sensação de que eu não deveria permanecer sentado. Afinal, bem ao lado da agência tem um rio. O rio Meguro. E quando esse rio chega no bairro de Nakameguro — é onde as cerejeiras mais lindas explodem. Dez, quinze minutos da agência – andando.
Vi mais notícias do mundo, e olhei pela janela mais uma vez o sol. Fechei o computador. Coloquei a mochila nas costas. Eram quatro da tarde. As reuniões já não são como antes desde que o mundo parou. Então quatro da tarde me fui. Atrás das cerejeiras.
Foto, foto, foto, cerveja comprada em um quiosque. Mais foto, mais foto. Até que encontrei um ponto perfeito. O sol estava quase, quase se indo de vez. Comprei mais uma cerveja e fiquei ali olhando aquilo tudo. Sol, rio, cerejeira, as pessoas diminuindo os passos, fotos. Fiquei ali quase uma hora. Talvez mais. Bobo e feliz de ter tomado a decisão de sair cedo e fechar o computador.
Quando já estava escuro, me levantei, ainda comprei uma terceira lata de cerveja e fui caminhando para casa. Até que, no meio do caminho, meu telemóvel vibra. Uma, duas vezes, três, seis. Pesquei o aparelho para ver o que se passava.
“Erick, a governadora de Tóquio acaba de dizer na TV em horário nobre que recomenda fortemente que as pessoas fiquem em casa pelos próximos dias.” “Erick, amanhã todos devem ficar em casa!” E variações da mesma.
Algo acabara de mudar no ar. Pela primeira vez desde o princípio de tudo, ficar em casa foi fortemente recomendado. Museus e parques já estavam fechados. Escolas também. Reuniões são feitas remotamente. Aeroportos com restrições. Mas nunca houve uma recomendação tão forte. Isso foi ontem, 25 de março.
Gosto de acreditar que as cerejeiras (pela primeira vez esse ano) que vi ontem antes do meu telemóvel tremer têm um significado maior do que as de outros anos. Como dizem tão bem em inglês – as cerejeiras nos ensinam a ‘take nothing for granted’. Em português claro: nada é garantido, certo, dado. As cerejeiras para mim nesses tempos têm um significado enorme. Aproveitar, valorizar e abraçar as pequenas grandes coisas. Não deixar para depois. Não deixar para amanhã.
Coisas são finitas. O tempo corre. E tudo é imprevisível.
Ontem fui ao rio ver as cerejeiras. E ao voltar para casa, voltei com a certeza de que se tem uma lição que as cerejeiras me ensinam e ensinaram ontem é—a vida é incrível, linda, mas completamente imprevisível. E temos que aproveitar e celebrar ela hoje, ainda mais do que ontem. E que ano que vem. Quando elas voltarem, que eu volte. Que todos voltem. Que você que está lendo agora, venha.
Mas dessa vez, sem hora marcada para voltar para casa.”