BRIEFING | Qual é o principal desafio quando se comunica uma marca de cultura?
João Pedro Amaral | Um dos maiores desafios na cultura, e creio que no teatro em particular, é conseguir chegar a novos públicos. Muitas das áreas associadas à cultura têm um público muito fiel. Um conjunto de pessoas que seguem determinadas instituições culturais e são espectadores frequentes. Por isso, é importante que as marcas de cultura desenvolvam uma estratégia de comunicação que integre este público mais fiel e o envolva ainda mais com a instituição, mas que consiga também (e este é o maior desafio) chegar a novos públicos que, de outra forma, dificilmente teriam contacto com determinada marca ou instituição cultural.
Tendo em conta o mercado atual e nacional, é difícil fazê-lo?
Se pensarmos na quantidade de ferramentas de comunicação e marketing que temos ao nosso dispor atualmente para conseguir chegar a vários targets, penso que a tarefa não é assim tão difícil como seria há 20 ou até há 10 anos. Cada vez existem mais ferramentas e com custos mais acessíveis, que nos permitem desenvolver uma estratégia de comunicação que seja exequível, à medida das necessidades e do orçamento da nossa marca. A dificuldade, muitas vezes, está em quebrar barreiras que ainda estão muito associadas à comunicação cultural e fazer ver às várias entidades envolvidas no processo que uma marca de cultura pode e deve comunicar como uma marca de qualquer outro setor, tirando partido da publicidade tradicional, mas também do digital, das redes sociais, do trabalho com influenciadores.
Que medidas foram implementando, ao longo dos anos?
No Teatro Nacional D. Maria II, temos desenvolvido um trabalho muito profundo, ao longo dos últimos anos, de democratização do acesso à cultura e ao teatro em particular. No fundo, um trabalho de desmistificação de algumas ideias que ainda estão associadas a este teatro. O edifício do D. Maria II, no Rossio, é um monumento nacional com mais de 170 anos de história, imponente, com uma sala com cadeiras de veludo vermelho e talha dourada, com todo o peso que isso acarreta. Por isso, o nosso trabalho nos últimos anos tem-se centrado muito em, sem perder o caráter histórico que o teatro tem e que é de extrema importância, mostrar que, no D. Maria II, há lugar para todos. Que ser um Teatro Nacional significa, acima de tudo, assegurar um serviço público de qualidade no domínio teatral, tanto no espaço do D. Maria II, como um pouco por todo o País e o mundo. A este nível, temos desenvolvido várias ações de comunicação ao longo dos anos, com o objetivo de levar o teatro a vários públicos, mostrando que existe oferta e opção para todas as idades e todos os gostos. Exemplo disso é o podcast TEATRA, que lançámos em setembro de 2019 e onde, uma vez por mês, conversamos com personalidades conhecidas do grande público e que, de alguma forma, estão associadas ao universo do teatro. Tivemos já como convidados profissionais como o artista plástico Alexandre Farto aka Vhils ou a vocalista dos Clã, Manuela Azevedo. Duas pessoas que, à primeira vista, poderão não ter grande ligação ao mundo do teatro, embora não seja bem assim.
Produtos de comunicação como o TEATRA permitem-nos chegar a um público mais jovem (tipicamente, ouvinte de podcasts), com conteúdo relevante e diferente. Quando olhamos para os dados do Spotify, uma das plataformas mais relevantes para o nosso podcast, podemos ver que a maioria dos ouvintes (cerca de 60%) tem entre 23 e 34 anos, que é precisamente a faixa etária que nos interessa atingir com este tipo de iniciativas.
Este é um trabalho que o teatro desenvolve também junto de outros públicos relevantes, como as comunidades locais, através, por exemplo, do trabalho com escolas ou da Rede Eunice Ageas, um projeto de digressão nacional de produções e coproduções do D. Maria II, que nos permite chegar a localidades onde a oferta teatral é mais irregular. Este tipo de projetos permite-nos também desenvolver um trabalho de comunicação mais abrangente junto das comunidades locais, tendo a nossa marca presente em várias regiões do país.
Sentem que, através de medidas como os vouchers de Natal, conseguem comunicar melhor a vossa marca?
Sim, sem dúvida. Acima de tudo, conseguimos chegar a um leque mais alargado de pessoas, com um produto que é diversificado e que nos permite passar uma das principais mensagens que está subjacente a todo o trabalho de comunicação que desenvolvemos no Teatro Nacional D. Maria II: que “há lugar para todos”. Ou seja, que o D. Maria II é um local de diversidade, de linguagens simultaneamente clássicas e contemporâneas, onde todos podemos encontrar um espetáculo ou uma atividade de que gostemos, sempre numa lógica de acesso democrático à atividade teatral, guiada por padrões de excelência artística e técnica.
A nossa campanha de Natal, que começou em 2018, é a prova de que este tipo de iniciativas, de simples implementação, resulta e tem um impacto direto nos resultados de bilheteira. Em 2018, sem nunca ter realizado uma campanha de Natal em anos anteriores, o teatro vendeu cerca de 500 vales (de 2, 4 e 6 bilhetes) em menos de quatro semanas, o que se traduziu na vinda de centenas de novos espetadores ao D. Maria II, ao longo da temporada. Em 2019, alargámos esta campanha e apostámos em novos formatos para a comunicar, como foi o caso do Spotify, da rede Sapo ou da rede de multibanco. E os resultados foram surpreendentes, com uma duplicação dos dados do ano anterior, que representaram não só a angariação de novos públicos, mas também a fidelização de clientes de 2018. A par desta campanha, temos vindo a promover, no início de cada temporada, a venda de assinaturas de 5, 10 ou 20 espetáculos, com a campanha “Eu sou D. Maria II”. A adesão tem sido notável, ao contrário das nossas expectativas iniciais, pois ainda não há em Portugal um hábito enraizado de compra de assinaturas de teatro (ao contrário do que acontece, por exemplo, com a música).
Em que plataformas o Dona Maria II investe para chegar a mais pessoas? E quais as estratégias que têm vindo a desenvolver em cada uma delas?
Investimentos em várias plataformas, tanto online como offline, com o objetivo de chegar a diferentes públicos que nos interessa impactar. Offline, apostamos frequentemente em redes de outdoor, MUPI e TOMI na cidade de Lisboa e no Metropolitano de Lisboa (com especial incidência no centro da cidade, onde o teatro se localiza). Pontualmente, para algumas ações específicas e com as quais pretendemos atingir um público mais alargado, desenvolvemos também campanhas de SMS Marketing ou que envolvam a rede de multibanco.
Online, tentamos ter uma presença cada vez mais forte nas redes sociais (sobretudo, Instagram e Facebook), uma vez que são dos canais mais diretos que temos para chegar à fala com a nossa comunidade de forma informal e rápida. Nas redes sociais, apostamos frequentemente em anúncios e conteúdos patrocinados para divulgar as várias iniciativas que promovemos. Ainda online, e de forma mais pontual, apostamos em campanhas de Spotify, com o objetivo de chegar a um target mais jovem.
Como se caracteriza a estratégia de marketing do teatro? E quais são os seus objetivos?
Um dos principais objetivos da nossa estratégia de marketing atual, como referi anteriormente, é chegar a um leque de públicos mais diversificado, mostrando que a cultura pode ser acessível a todos. Queremos democratizar e facilitar o acesso ao teatro em todo o País e junto de vários públicos e faixas etárias. Para tal, fazemos uso das várias ferramentas de comunicação que temos ao nosso dispor: comunicação online e offline; assessoria de imprensa, trabalho com influenciadores e opinion makers; e, de forma transversal a toda a comunicação, desenvolvemos uma curadoria de conteúdos exigente, com o objetivo de utilizarmos as mensagens e linguagem adequadas a cada público, sem nunca perdermos a nossa identidade enquanto marca.
Que mensagem quer passar a quem ainda não tem por hábito consumir teatro?
Essencialmente, que no D. Maria II há lugar para todos. Desde os clássicos da dramaturgia até às novas criações, dos nomes mais consagrados do teatro mundial até às companhias emergentes e aos novos criadores. Temos uma programação eclética e variada, que pode agradar a muitos públicos diferentes. Por isso, o desafio que lançamos constantemente a quem não tem por hábito consumir teatro é que nos venham visitar (quer seja no Rossio, quer seja nos restantes teatros do país e do mundo por onde andamos em digressão com os nossos espetáculos) e descubram qual o tipo de espetáculo de que gostam mais. Paralelamente, temos ainda muitas atividades de entrada livre, como leituras de poesia às terças-feiras, lançamentos de livros, exposições e várias ações de formação dirigidas a profissionais da cultura, mas não só. Temos ainda uma livraria especializada em artes performativas e uma biblioteca que reúne documentação exclusiva sobre a história do D. Maria II, mas também sobre teatro e artes performativas em geral.
A fase que vivemos atualmente, de pandemia e isolamento social, está a mostrar-se um enorme desafio para o D. Maria II (e para todos os teatros) em termos de comunicação, uma vez que perdemos temporariamente o contacto pessoal, vital para a atividade que desenvolvemos. Mas, ao mesmo tempo que enfrentamos um desafio, temos também em mãos uma oportunidade para criar novos conteúdos online e chegar a mais públicos, nomeadamente aqueles que não conhecem tão bem o teatro ou não o frequentam tantas vezes. Por isso mesmo, criámos a campanha “D. Maria II em Casa”, que tem como objetivo levar teatro às casas de todos os portugueses, através de uma programação regular online e gratuita.