Nuno Jerónimo e Tiago Canas Mendes: eles são a agência que sabe ouvir

Ficaram conhecidos como a agência que não tinha escritório, não obstante chamar-se O Escritório. Oito anos depois, já têm um espaço físico, mas garantem que não estão apegados e que só por lá estarão enquanto se sentirem confortáveis. Desde o início têm cultivado uma postura de low profile, preferindo deixar o trabalho falar por si mesmo. Nuno Jerónimo e Tiago Canas Mendes fazem de “ouvir” o seu verbo de eleição e é a essa postura que atribuem o ter clientes como Super Bock, Sumol, Galp, Benfica e Lidl, a marca que lhes valeu o Grande Prémio do Clube de Criativos 2019 e, agora, o Grande Prémio à Eficácia.

 

Briefing | Comecemos por recuar no tempo. O que vos fez abrir O Escritório em 2011?
Nuno Jerónimo |
O que nos continua a motivar hoje: uma vontade de fazer boa publicidade, boa comunicação, sem estarmos agarrados a vícios, sem nos estarmos a comprometer demasiado, a ceder a compromissos que, muitas vezes, põem em causa o trabalho. O que nos propusemos foi fazer o melhor trabalho possível, independentemente de todos aqueles fatores que fazem com que o trabalho possa não ser tão bom.

Quando trabalham para outros há esses constrangimentos?
Tiago Canas Mendes |
Quando nos lançámos era mais a certeza do que não queríamos fazer… Porque, quando tens 20 anos de carreira, já sabes os vícios que existem. Demos por nós a sentir que éramos muito mais gestores de processo e, às vezes, de recursos humanos do que propriamente dedicados a fazer o trabalho. O foco foi esse: vamos eliminar aquilo que não é essencial e vamo-nos focar no trabalho.

E foi difícil deixar esses vícios para trás?
TCM | Éramos duas pessoas. Era inevitável pensarmos como os clientes iriam receber o projeto. Apesar de estarmos em plena crise, houve sempre essa dúvida. Até porque nos propusemos arrancar sem um escritório fixo, sem equipa, sem clientes, sem financiadores. Foi um pouco para nos tentarmos desamarrar desses vícios e começarmos do zero.
NJ | A ideia não era apagar o que somos, a nossa experiência. A ideia era aproveitar tudo aquilo que sabíamos, a experiência acumulada em várias áreas, e tentar perceber quais as razões para que o trabalho que estávamos a pôr na rua – e que a maioria das agências põe na rua – não estivesse à altura do que entendemos que deve ser. É difícil começar uma agência sem criticar outros formatos, mas a nossa ideia nunca foi dizer que este é o formato ideal versus o de outras agências. Todas têm as suas virtudes e os seus defeitos. A nossa foi fundada com base na convicção de que havia certos erros que não queríamos cometer. Foi a fugir desses erros que fomos descobrindo o nosso caminho. Para onde íamos não sabíamos – ainda hoje não sabemos… Não há um plano, uma estratégia a dez anos. Temos sido aquilo que o mercado tem pedido e fomos desenhando O Escritório à medida. Por exemplo, no início não pensámos que podíamos ser tantos quantos somos hoje. Porque, para nós, o único foco é fazer bom trabalho. Quando sentirmos que já não estamos a corresponder à nossa expectativa, então aí…

Mas o que é bom trabalho? É que diz tudo e não diz nada…
TCM | É verdade. Mas, para nós, há uma coisa essencial. Tu sentes quando o trabalho é bom. Quando estamos a criar e o levamos ao cliente, sentimos. Pegamos, muitas vezes no telefone e pedimos mais tempo, precisamente porque sentimos que o trabalho ainda não está à altura. Não é uma questão de ser uma muito boa ideia, tem de ser uma boa ideia com resultados. Vários clientes partilham connosco os resultados: as ideias são boas porque têm um efeito no negócio, na notoriedade.
NJ | É verdade que é difícil dizermos o que é bom trabalho, com certeza que toda a gente acreditará que está a fazer bom trabalho… É bom termos noção de que, nesta indústria, há muito autismo das agências em relação ao seu próprio output. Mas não queremos cair nessa bolha. Temos de provar a nós próprios que somos capazes de fazer melhor, porque somos tão famosos quanto o nosso último trabalho: se o seguinte for pior é o suficiente para nos trazer para baixo. Estamos permanentemente a tentar manter a fasquia alta.

Quando falo em bom trabalho, tem a ver com resultados, com o impacto que causou nas pessoas. Não é gostarmos mais ou menos da ideia, porque isso é muito subjetivo. E temos tido a sorte ou a audácia de conseguir que o nosso trabalho tenha tido impacto nos clientes.
Há um aspeto que considero importante sublinharmos em relação ao trabalho da agência. Hoje, as agências estão montadas numa lógica que é fácil de entender: o que temos de dar aos clientes é tempo e os clientes pagam horas dedicadas a determinado assunto. Mas nós o que tentamos é dedicar o máximo tempo às ideias, o que tentamos é suar o máximo com cada campanha, sofrer mais com cada campanha para que os resultados sejam os melhores. Claro que nada disto é científico e nem todas as campanhas chegam onde queríamos que chegassem, mas temos a sensação de que nos esforçámos. E de uma coisa temos a certeza: se o dinheiro fosse o mais importante para nós, hoje, O Escritório seria uma agência completamente diferente.

Ainda assim é uma agência diferente de quando começou. Nasceram sem escritório físico, mas escolheram chamar-se O Escritório. Foi um statement?
NJ | O nome ajudou a que o statement fosse feito. A nossa intenção nunca foi apresentarmo-nos como a agência que não tem escritório, mas acabou por ser assim.
TCM | E durante três anos funcionou assim. Até estarmos no CCB e haver diretores de arte a digladiarem-se com os visitantes para terem tomadas e ligarem o computador…
NJ | Mas o espírito é o mesmo. O mais importante não é se temos ou não escritório. O mais importante é se estamos ou não focados no trabalho. E o que nos pareceu na altura foi que, se montamos uma agência, se estamos a pensar mais no espaço, na decoração, no economato do que no output criativo, então estamos a cair num dos erros clássicos, que é a agência ver-se como uma instituição, mais do que como uma equipa. E nós quisemos ser uma equipa criativa, mais do que um edifício. E essa é que é a diferença. Hoje, estamos neste espaço, mas é alugado e só estamos até ao dia em que nos sentirmos bem. Ao longo dos anos já trabalhámos a partir de casa, a partir do cliente, num hotel… O mote continua o mesmo: trabalhamos onde for mais inspirador. O mais importante são estas pessoas que temos reunidas.

E as pessoas são mais… De dois passaram a?
TCM | A 22. O maior salto foi o ano passado. Quando nos tivemos de preparar para uma conta como a do Lidl: afinal, estamos a meio do ano e vamos quase em 25 filmes. Mas, até então, tinha sido gradual. No início de 2018, teríamos umas 12 pessoas.
NJ | Mas é um crescimento controlado. Já houve alturas em que se justificava ter 50 pessoas, mas nunca quisemos dar esse salto, porque percebemos bem o que significa, quais as escolhas que temos de fazer. É uma equipa que está toda à vista. Somos 22, mas 15 são criativos; na prática, somos um departamento criativo gigante. Por isso, é que produzimos tanto trabalho. A maior parte dos que cá estão produzem ideias, o que é um perfil um pouco diferente das agências mais tradicionais.

Falando na conta do Lidl. Foi um marco para a agência?
TCM | Tivemos sempre muita sorte com as pessoas que fomos encontrando. Porque, por trás das marcas e das empresas, há pessoas. Se formos honestos, esse foi sempre o nosso pressuposto. Não somos uma agência high profile, a nossa aposta foi na construção de relações de confiança com clientes, porque é com confiança que se consegue apresentar campanhas mais arrojadas e, a partir daí, é uma bola de neve. 

No arranque, tivemos um grande desafio – o projeto do Moche, em que demos um salto mais ou menos para o lado e não tanto para a frente, porque assumimos perante a Portugal Telecom que, sendo só dois, não tínhamos capacidade. Fizemos então uma parceria com a Fullsix e, durante cerca de três anos, levámos o projeto a meias. Fizemos algo a que o mercado não está muito habituado, uma parceria. Já tentámos propor a outras agências, porque nos parece um modelo interessante, mas nem todas estavam preparadas.
Quando aparece o Lidl é, de novo, um desafio de pessoas. Percebemos que a marca e o desafio em concreto tinham muito a ver com a ambição das pessoas que lá estavam, no sentido de transformar a comunicação. O Lidl faz muitas coisas bem, mas não o dizia.

Sempre disseram que não estariam no campeonato dos concursos. Então, como chegam a esses clientes?
NJ |
E não estamos…
Mas deixa-me completar o que o Tiago estava a dizer. Esta ideia de que as pessoas são mais importantes do que as marcas, ou, pelo menos, tão importantes, é absolutamente central na nossa performance. Já tivemos marcas daquelas com que toda a gente quer trabalhar e nós não quisemos, porque sentimos que iríamos perder tempo, pois as visões eram diferentes. Para nós, é crítico encontrarmos as pessoas certas do lado de lá e sentirmos que estamos todos a caminhar para o mesmo sítio.
Um dos problemas que as agências têm, hoje em dia, é um desencontro muito grande de expectativas em relação ao trabalho que se quer pôr na rua. É absolutamente crítico saber que do lado de lá estão pessoas que veem a comunicação da mesma forma que nós.
Uma coisa que é verdade sobre O Escritório é que, até hoje, nunca pegámos no telefone para desafiar um cliente a vir trabalhar connosco. Isto define logo a nossa relação com os clientes. Todos os que trabalham connosco vieram ter connosco à procura daquilo que consideraram ser um bom trabalho. Isso traz logo confiança para a conversa, que é aquilo que, muitas vezes, falta na relação entre agências e clientes. Ter espaço para sermos ouvidos, para discutir ideias é crítico. Tem sido o segredo. E isso é gratificante, dá-nos segurança.
TCM | A questão dos concursos… No início, a equipa era muito reduzida e para investirmos num concurso teríamos de contratar pessoas, o que é um modelo de negócio impossível – afinal, seria contratar para um trabalho que não sabíamos se iríamos fazer…
Por outro lado, fomos também percebendo que, quanto mais tempo dedicarmos a conhecer o cliente, mais facilmente chegamos à proposta que ele quer ouvir. E isto é incompatível com os processos dos concursos. Mas, claro que tivemos clientes para os quais era, processualmente, impossível entregar a conta. O que fizemos foi aplicar a nossa máxima de entrega ao trabalho naquele período de tempo. Posso dizer – e soubemo-lo depois – que, no caso do Lidl, fomos a única agência que foi ao cliente, visitar lojas, o entreposto. Para nós, faz parte.
NJ | Antigamente, não havia internet, tínhamos de nos levantar da cadeira e ir ao cliente… Saber ouvir é critico. Por isso é que não podemos ter mais olhos do que barriga. O Escritório é sobre dedicação e a dedicação tem limites.

E do lado do cliente também tem havido essa capacidade para ouvir?
NJ | É preciso ter capacidade dos dois lados, ter gente boa em ambas as equipas. Mas, mais importante, é a confiança. Não tenho dúvidas de que a mesma ideia apresentada a dois clientes, um que já confia em nós e outro que está de pé atrás, tem resultados completamente diferentes. Por isso, é que reforço a ideia de que a vinda dos clientes a’ O Escritório muda completamente a conversa. Vêm disponíveis para nos ouvir e para aceitar as nossas idiossincrasias. A agência não é perfeita e temos muito a noção disso, repetimo-los em algumas reuniões para que os clientes também o percebam. Mas, se estiverem disponíveis para aceitar os nossos defeitos, ganham com as nossas virtudes. Se quiserem fazer de nós uma coisa que não somos, é um erro para todos. 

Voltando à remuneração. Porque não se avança para um modelo que não remunere tempo, mas resultados?
NJ | Estamos sempre disponíveis e já propusemos a vários clientes sermos remunerados por objetivos. Há clientes que estão disponíveis, mas outros que estão mais agarrados à lógica tradicional das horas. Temos muita confiança no formato de success fee porque nos parece que há uma subvalorização muito grande do papel das agências no negócio das marcas. Mas, é um caminho que demora. Porque, mesmo nos clientes com quem temos grande confiança é muito difícil de medir, é sempre possível diluir o nosso papel concreto, ainda que todos tenhamos noção de que uma boa campanha tem impacto na reputação e no negócio.

Esta entrevista pode ser lida na íntegra na edição impressa da Briefing.

fs@briefing.pt

 

Terça-feira, 03 Dezembro 2019 12:58


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