Briefing | O que levou a APAN e a APODEMO a organizarem, pela primeira vez, um congresso conjunto?
António Salvador |Diríamos talvez que o primeiro fator que nos levou a fazê-lo foi o que poderíamos chamar de fator “tangível”: nas nossas áreas de atividade e afins tem lugar, ao longo do ano, uma extensa série de eventos – falamos de conferências, encontros, seminários,… – e pensámos que esta seria uma excelente oportunidade para rentabilizar o tempo de pessoas, entidades e instituições envolvidas. Para além de que essas pessoas, entidades e instituições partilham preocupações, interesses e conhecimentos comuns.
Briefing | Quais os objetivos?
AS |Além dos já referidos, trata-se também de criar uma oportunidade para um intercâmbio entre duas associações empresariais cujos membros, em muitos campos de ação, se encontram do mesmo lado da “barricada”, no mercado que partilham. E para os quais a troca de conhecimentos e experiências representa, naturalmente, uma mais-valia mútua.
Briefing | Que desafios comuns enfrentam anunciantes e as empresas de estudos de mercado e opinião?
AS |Em primeiro lugar, o das crises de natureza económica, no caso português um fator agravado por uma certa “distância” face a muitos países da União Europeia, devido ao isolamento e empobrecimento (também intelectual) em que o país viveu durante muitos anos. Um fator felizmente em vias de extinção, com a população portuguesa a recuperar claramente índices de confiança no futuro, bem como aumento dos níveis de escolaridade.
Em segundo lugar, o desafio dos efeitos mais negativos do processo de globalização – os que implicam muitas vezes injustas e inadequadas perdas de autonomia na área do marketing.
E por fim, como em todo o lado, e por esse mundo fora, o da necessidade de adaptação às rápidas mudanças de implicações tecnológicas e às trazidas pela chegada das redes sociais. Como referia Alvin Toffler. numa das suas obras de referência,”Muda-se muito num curto espaço de tempo”.
Manuela Botelho | Atravessamos um momento de grandes alterações na relação das pessoas com as marcas. Alterações que têm sido muito rápidas, fruto da evolução tecnológica e que obriga a um novo olhar sobre os comportamentos, a inovação e as relações entre as pessoas e as marcas. Os novos desafios das redes sociais obrigam a uma escuta ativa de tudo o que por lá se passa e a integração dessa informação no conhecimento das empresas.
Briefing | Porquê a escolha do tema “How deep is your love?”?
AS | Porque cada vez mais uma marca, até em produtos de natureza básica, se deve expressar pelas emoções que desperta. E porque se ela não for criada e, sobretudo, cuidada com “amor”, a sua relação com o consumidor poderá não resistir à primeira tentação a que este seja sujeito – falamos de tentações como uma promoção, mas também pensamos em coisas menos tangíveis: a sedução de uma embalagem diferente, sugestiva; o apelo do mistério numa inovação inesperada.
MB | Esta é uma expressão que a agência White Way, que trabalhou connosco o conceito, encontrou para representar aquilo que é mais importante para as marcas e como o medir. A consciência de que esse sentimento hoje implica transparência na relação, envolvimento genuíno e, acima de tudo, um compromisso.
Briefing | De que amor estamos a falar? Do amor entre as marcas e os públicos?
AS |Aí está uma das respostas que queremos descobrir neste congresso. Até que ponto é sólida a relação que uma marca conseguiu criar com o seu consumidor? Até que ponto uma marca que gerou amor à primeira vista conseguiu transformá-lo em amor para a vida?
Mais concretamente, queremos saber que tipos de laços, que força e consistência, foram criados entre os dois elementos da relação, através dos processos de publicidade e de comunicação usados. Numa segunda fase queremos deixar pistas sobre a forma e a medida de avaliar esses efeitos atingidos e qual o seu sentido e natureza.
Briefing | Os consumidores estão mais exigentes para com as marcas? São fiéis ou mais voláteis?
AS |O que dizem os estudos que temos vindo a conhecer no início deste ano de 2017 permite-nos pensar que, em todo o mundo, o consumidor está a preocupar-se mais com a qualidade do que com a quantidade. Menos quantidade, mas mais valor é o que revelam esses estudos.
O consumidor está a definir-se mais pelo valor do que pelo volume do que tem, logo estão mais exigentes – racionalmente dispostos a pagar mais por aquilo que emocionalmente lhes oferece um benefício especial. O crescimento dos chamados pequenos prazeres (“small indulgencies”) para o próprio e dos “premium prices”, oferecendo um valor acrescentado mesmo em produtos básicos. Falamos, pois, de volatilidade e de fidelidade: o consumidor é mais volátil, na procura desses aspetos, mas também mais fiel se encontrar razões para o ser.
MB |Os consumidores estão bastante mais exigentes e as redes sociais têm representado uma força crescente para a transformação empresarial, liderada por consumidores socialmente mais conscientes que procuram usar as suas vozes e o seu poder de compra para exigir práticas de negócio mais prudentes e socialmente mais responsáveis.
Briefing | Para onde devem caminhar as marcas/empresas para fortalecer a relação com os seus públicos/consumidores?
AS |Parece-nos que a resposta a esta questão se encontra já implícita na resposta anterior, pois diríamos que as marcas e as empresas devem escolher o caminho da descoberta dos benefícios esperados e do valor que lhes é atribuído. E encontrarem a capacidade de se reinventar todos os dias: não é nisso que reside o segredo de uma relação de amor com sucesso?
MB |As pessoasconfiam nas empresas que sentem que as entendem e respeitam as empresas que acreditam que também as respeitam. E o resultado dessa reciprocidade vê-se nos resultados das companhias.
Briefing | O programa começa por abordar a questão das sondagens políticas. Em que medida é um terreno desafiante em termos de credibilidade?
AS |Na medida em que se refere (erradamente, na minha opinião) que muitas sondagens parecem falhar e ainda falta percorrer muito caminho para que o cidadão comum interiorize as razões por que tal acontece. É uma preocupação que deve estar na ordem do dia, para os institutos que as fazem e para os media que as divulgam, porque é um fenómeno que pode contagiar negativamente toda a imagem da atividade. E claramente, de forma inequivocamente, incorreta. Em Portugal, basta verificar a elevadíssima qualidade das “bocas de urna”.
Briefing | As métricas são o segundo tema. É um tema polémico?
AS |Não escolhemos este tema por ser polémico, até porque não o consideramos como tal. Escolhemos falar sobre as métricas porque são elas que representam os indicadores adequados, a informação adequada para perceber em que medida uma marca está a responder nas áreas pretendidas e também para poder estabelecer “benchmarks”, elemento indispensável para monitorizar a evolução de uma imagem e/ou das perceções que se lhe referenciam. É recorrendo a métricas que se torna possível sustentar uma estratégia (o longo prazo) e ajustar táticas (o curto prazo).
MB | É incontornável falar de métricas já que são elas que permitem às empresas aferir as suas performances, sejam elas quais forem. Neste congresso queremos partilhar boas práticas e ferramentas que ajudem a avaliar a qualidade das relações das marcas com os seus públicos e como maximizar essa qualidade.
Briefing | E no que respeita ao propósito, as marcas já perceberam que os consumidores esperam delas mais do que produtos? E correspondem?
AS |Pelo que dissemos sobre o consumidor é evidente que a nossa resposta à primeira parte da pergunta só pode ser afirmativa. Aliás, e tal como referimos no nosso programa, é precisamente o propósito que deverá ser o veículo para a confiança, condição sem a qual nenhuma relação de amor poderá ter continuidade – sabemos que a “infidelidade” (leia-se, a violação de uma promessa) tem os seus custos dramáticos em qualquer situação. Por vezes de consequências irreparáveis. A resposta à segunda parte da pergunta encontrá-la-ão, caso a caso, os responsáveis pela estratégia definida, a partir dos estudos que forem conduzindo. Pensamos que não há uma resposta generalizada a esta questão. E em parte é isso que vamos debater neste congresso e tentar perceber por que motivo umas marcas correspondem e outras não.
MB |Os consumidores estão cada vez mais atentos à forma como as empresas se comportam na busca do lucroe estão conscientes sobre as suas práticas. Por isso, as empresas que parecem ter mais sucesso são aquelas que perseguem um propósito em simultâneo com a busca do lucro. Este é um tema que vai estar em cima da mesa e queremos ouvir de vários responsáveis de marketing a sua abordagem a esta temática.
Briefing | Finalmente, os dados: qual o ponto de partida para este debate?
AS |Há que pensar que a crescente proliferação de dados, de que todos inevitavelmente nos damos conta no nosso quotidiano, não é um problema para a comunicação nem para as avaliações necessárias. Ela faz parte das soluções de que ambas as atividades precisam, na medida em que são uma oportunidade de descobrir “insights” a partir de uma enorme panóplia de informações e de novos conteúdos. Este será o ponto verdadeiro de partida para o debate que o presente nos mostra e que será cada vez mais importante num futuro próximo.
MB |Adicionalmente, queremos discutir os impactos do novo regulamento europeu sobre proteção de dados.
Briefing | No final do congresso, que resposta esperam ter encontrado para a questão “How deep is your love?”?
AS |Um congresso deste tipo e com este âmbito não é feito para encontrar respostas – e quanto mais complexo, ambicioso e, também, pouco tangível for o seu objetivo mais difícil isso se torna. Pode (ou deve) até deixar mais dúvidas – “Só sei que nada sei”.
Mas esperamos que essas dúvidas, se suscitadas, constituam necessários e interessantes tópicos de reflexão para todos os que participaram nos debates deste congresso.
MB |Acima de tudo pretende-se uma reflexão conjunta sobre estes temas que possam continuar para além do congresso e que reforcem a parceria entre anunciantes e researchers.
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