Comecemos pelo princípio. É em meados de 2014 que Diogo chega às Colinas do Douro, quase 500 hectares de vinhas numa varanda em altitude no Escalhão, com Barca d’Alva lá em baixo, na margem do rio. E chega a convite do empresário angolano Kelson Giovetti que, alguns anos antes, havia adquirido aqueles terrenos à CARM – Casa Agrícola Roboredo Madeira. Primeiro, foi necessário arrumar a casa, o que, em linguagem mais adequada a este negócio, significa fazer o diagnóstico do terreno, organizar as vinhas, definir a nomenclatura dos talhos, fazer o levantamento geográfico. Tudo para ser possível rastrear a produção, da uva à garrafa. Só depois veio a marca. Conta o diretor-geral da empresa que, logo em 2015, contratou o enólogo Jorge Rosa Santos: “Foi uma peça fundamental, porque eu não tinha conhecimento do Douro. Tinha experiência em vinho, mas do Alentejo. E até costumava brincar com o Jorge, pedindo-lhe que me explicasse, como se tivesse cinco anos, como é que os custos eram o dobro, mas o vinho custava o mesmo… Não fazia muito sentido.”
Foi em finais de 2016 que a dupla Diogo-Jorge teve noção da capacidade de produção: numa área de 106 hectares de vinha era possível chegar às 750, 800 toneladas de uva. E, rapidamente, perceberam que já não era possível manter o esquema de vinificar em adegas alheias: havia que antecipar o projeto de construção da própria adega. É aqui que entra na equação Ricardo Rosa Santos, irmão do enólogo, arquiteto de profissão: “Era a pessoa certa para ir buscar o nosso ás de copas ou ás de espadas, uma adega de assinatura para alavancar a marca. Afinal, somos uns putos no terreno comparados com os grandes senhores da região”, comenta o gestor.
O trunfo seria – é – Eduardo Souto de Moura, em cujo ateliê Ricardo trabalha há mais de 20 anos. E que aderiu à ideia de desenhar uma adega com impacto ambiental mínimo, que se enquadre na visão que Diogo Mexia tem para as Colinas do Douro: “Sempre quisemos um projeto muito ecofriendly, usando cada vez menos pesticidas, mas também explorando a riqueza da avifauna local, porque nos parece uma mais-valia interessantíssima a explorar no futuro a nível do enoturismo”, afirma, assim justificando o trabalho desenvolvido desde 2014 com a empresa Sinergiae, que faz a monitorização da avifauna, que verifica se a integração e crescimento das vinhas, bem como o movimento de máquinas e pessoas, interferem com o ecossistema, se a construção da adega está a afetar a nidificação das aves. “Não traz dinheiro, mas é uma preocupação que faz todo o sentido”, comenta.
Tudo se passa no talhão 47. Mas, então, o que vamos ver? À pergunta, Diogo responde que “é mais o que não se vai ver”: “Quando se chega à quinta, não se vai perceber que ali estão quase 5000 m2 de construção, porque a adega está disfarçada no vale, enterrada a quase quatro metros de profundidade”. É um piso único, com uma aposta na eficiência, na funcionalidade e na tecnologia. “Não é para se ficar deslumbrado com o design. Estamos a focar-nos no produto”. Ainda assim, há preocupações estéticas: a adega, em U, será revestido a folha de cobre, de modo a ir ao encontro da tonalidade de ferrugem das folhas da casta touriga nacional, das vinhas que a envolvem.
A sustentabilidade é, pois, parte relevante nesta empreitada. Levou já a empresa a aderir à plataforma europeia Business & Biodiversity, que está a dar os primeiros passos em Portugal, mas que – acredita Diogo – virá a ter impacto a nível da fileira, embora, por enquanto, seja, sobretudo, um fator de diferenciação. Diz que a adaptação aos critérios foi fácil, na medida em que já havia “todo o cuidado possível” com a avifauna, além de que a quinta pertence a um couto de caça turística “para não haver caça”. É “um investimento”, mas que se traduz numa “riqueza enorme” a nível das espécies. E, por outro lado, “ajuda a sensibilizar o consumidor”.
Mas, voltando à adega e à ambição que vai para lá das Colinas do Douro. Não obstante todo o potencial de um projeto assinado por Souto de Moura, Diogo Mexia entende que não é suficiente para catapultar o turismo: “Tenho de olhar para a região e ver todas as valências que existem num raio de 20 quilómetros e interagir com os outros agentes no sentido de construir o Douro Superior. O Mário Ferreira, por exemplo, leva 300 mil turistas a Barca d’Alva, que está a um quarto de hora de nós. Porque é que eu não vou beber um bocadinho desse turismo, mas de forma interligada com as adegas que já existem no vale?”.
Defende, pois, um projeto articulado, que não passe apenas pelo vinho. E tem ideias. Que passam por aproveitar a riqueza histórica “inequívoca” da região, por apostar no desporto, nomeadamente em atividades radicais, a pensar nos mais jovens. “É verdade que os miúdos não são consumidores, mas arrastam os pais. A ideia é criar cabos de rappel no vale, pistas de BTT, de cross, trilhos para caminhadas, ligando sempre aos vinhos”, diz. Advoga que “é preciso sair da casca” e que isso passa pela tecnologia, por tirar partido das redes sociais, por criar uma plataforma digital de comunicação em que o visitante veja tudo o que pode fazer na região. Daí que esteja entusiasmado com o festival que Ricardo Acto, vice-presidente de operações do Rock in Rio, vai levar ao Douro em setembro. E conclui: “O Douro é fantástico, mas não pode ficar nas quintas, não se pode vender apenas as famílias dos vinhos, temos de ter outro tipo de linguagem, temos de ter irreverência. Não podemos perder o tsunami de 20 milhões de pessoas que estão a entrar no país”.