Briefing | És publicitário e tens um alter ego musical, mas também já fizeste teatro e dobragens de desenhos animados, foste guionista e ator de sketches, lançaste um livro… És o homem dos sete ofícios ou, neste caso, das sete expressões artísticas?
Hugo Veiga | Sei lá… Sou o homem que experimenta sem ofícios. Eu gosto mesmo de experimentar coisas, por isso, vou continuar.
Tenho uma série escrita, são três temporadas já com a sinopse de cada episódio – umas 70 páginas da história, que é bem louca. Lá no futuro, talvez saia e se calhar tenho de contratar um ghost writer para escrever, porque não tenho tempo para fazer isso. Neste momento, o GoHu, ser pai, marido e publicitário já levam muito tempo.
E também ficaste, durante a pandemia, responsável global pela criatividade da AKQA. Qual é o peso da responsabilidade?
Tenho uma relação de sangue com a AKQA, porque eu e o Diego [Machado] abrimos o escritório, em São Paulo. É quase um filho que tivemos juntos, que vimos crescer, que nasceu do nada, e para o qual escolhemos a casa e os valores que iam definir o seu percurso. Nesse percurso, nunca colocámos o negócio no centro das decisões, mas, sim, os valores e a cultura – sempre pensámos: “De que forma é que vamos conseguir fazer o trabalho mais criativo, através do processo mais feliz?”.
Algumas agências fizeram apostas – aqui, têm a mania de fazer um bolão [modalidade de aposta] – sobre quantos meses íamos demorar a fechar, do tipo: “Estes gajos não vão a lado nenhum”. E sei disso porque alguns amigos, que conheci depois, me contaram. Na altura, muitas agências tinham aberto e fechado, e nós abrimos sem media, ou seja, éramos a única agência no Brasil sem compra de media, que é, ainda hoje, o maior lucro das agências através dos BV, o bónus de veiculação que ganham – muitas ainda não cobram a criatividade, dão, muitas vezes, de graça e ganham no volume de compra de media. E outra coisa, não entrámos em concorrências, em pitches, porque íamos ser um hub criativo para a network – mas podíamos ganhar clientes em São Paulo, se quiséssemos.
O primeiro cliente foi a Netflix. Aí concorremos, porque era para ser a agência da plataforma na América Latina, e fomos a Los Angeles apresentar e ganhámos. Logo a seguir, tivemos uma reunião com a Google e, nessa tarde, passaram-nos logo um briefing sem concorrência, só pelos valores que defendíamos. Então, fomos crescendo com esses dois clientes.
Isto para te dizer que quando colocamos as pessoas e o trabalho no centro, as coisas acontecem. Agora, que estamos numa posição global, a trabalhar com diferentes escritórios, o nosso objetivo é elevar o poder criativo da AKQA, ajudando os escritórios a melhorarem. Isso passa por achar criativos, levantar a voz criativa dentro das decisões e, sempre que houver oportunidade, conectar profissionais de diferentes estúdios da network. Hoje, temos a maior parte dos projetos grandiosos e uns três escritórios trabalhando juntos, porque, cada vez mais, é sobre achar a equipa certa, independentemente de onde ela está. Por exemplo, durante a pandemia, fizemos a primeira campanha global da Netflix e o projeto tinha: a liderança em São Paulo; a estratégia em Copenhaga e Veneza; e a criação em Nova Iorque, São Francisco, Tóquio e Berlim.
Sinceramente, não sinto pressão e estou feliz da vida, pareço uma criança com mais brinquedos para brincar. Só é cansativo porque trabalho em várias time zones, às vezes começo às oito da manhã e termino às nove da noite, mas estou a tentar achar um equilíbrio.
A criatividade e a inovação podem caminhar juntas. Consideras que uma campanha é efémera ou pode perdurar no tempo?
Estou cada vez mais à procura de projetos que sejam menos efémeros, que tenham um impacto mais longo. São exemplos: a campanha “Air Max Graffity Stores” [vencedora de um Grand Prix, em 2019], para a Nike, que teve uma plataforma de e-commerce, durante meses, e conectava arte com venda de ténis novos; e a “Code of Conscience”, uma solução viável para a proteção das reservas naturais do mundo, porque temos a geolocalização de todas elas.
Mas também não descarto peças de entretenimento. Adoro fazer coisas que permitam ao público questionar e ter perceções, e levar para um mundo mais empático, como na campanha “One Story Away”, da Netflix, que tenta fazer com que as pessoas entendam que o conteúdo que estão a ver vai muito além do entretenimento puro – vai fazer, por exemplo, entender a vida de uma pessoa transgénero.
Traduzir uma mensagem numa peça ou campanha é algo que gosto muito de fazer. É pensar: “De que forma é que pegamos numa mensagem transmitida e transcrevemos de um jeito que as pessoas fiquem: ‘Ah! Gostei e entendi essa mudança de perceção’?”.
Essa mudança de mindset pode vir a ser uma tendência que distinga a comunicação das marcas?
Acho que, cada vez mais, as marcas vão procurar atuar de forma mais positiva na sociedade, diminuindo a comunicação de awareness – “olha aqui o meu produto” – e investindo em ações concretas, como a prestação de um serviço ou a criação de uma plataforma que ajude a população a evoluir – através de ensino ou acesso a higiene, porque tens problemas estruturais em vários países que são duros.
Quando uma empresa usa o seu poder para ajudar uma população, é muito mais forte que qualquer mensagem. Não adianta estares a comunicar e teres argumentos, porque sempre vão perder perante uma ação concreta positiva. Então, acho que as marcas entenderam esse seu papel e vão continuar a investir muito nisso. Eu espero.
O que está a faltar no mercado português?
Falta escala de budget e escala que justifique produzir projetos de raiz. Tem muitas coisas que são trazidas de fora porque não compensa criar algo de raiz em Portugal, dada a quantidade de consumidores. É bem assim: quando olhamos para a nossa indústria de publicidade, com 12 milhões de consumidores, que geram determinado orçamento, e não se pode passar isso. Tirando a parte do dinheiro, acredito muito que ainda falte às pessoas criarem de uma forma mais livre, se desapegarem de formatos.
Sou muito fã do trabalho do Miguel Durão e do João Ribeiro, que têm aquela agência difícil de falar, a Stream & Tough Guy, porque trouxeram um frescor criativo que não via em Portugal há muito tempo. Desde logo, como anunciaram a agência no programa Preço Certo. Têm uma leveza para criar e falta isso no País.
Voltando à escala, ela é boa para poder pagar salários que atraiam jovens talentos, e quantas mais pessoas entrarem de base, mais chance tens de ter pessoas líderes e profissionais que vão fazer um bom trabalho. Então, a carreira de publicitário em Portugal não é tão apetecível como no Brasil, onde pagam os salários melhores.
E, no Brasil, a escala de budget é superior…
É superior. Quer dizer, depende. Os clientes que temos, não necessariamente. Estava a falar da questão do budget, mas tem várias ideias produzidas com zero budget, porque quanto mais as restrições, mais a criatividade é necessária. Por exemplo, na campanha “Estreia-te” [vencedora do Grande Prémio à Eficácia, em 2020], da FOX, era super simples: as pessoas mandavam os áudios por WhatsApp e eles nem precisaram pagar a um locutor; então, foi praticamente uma campanha de zero euros.
Essa desculpa de falta de budget, acho que é mesmo isso, uma desculpa. A escala do País limita o número de profissionais e a apetência de jovens que queiram entrar nesta profissão – não paga muito bem e se trabalha muito –, mas, sinceramente, acho que o que poderia fazer Portugal evoluir mais, em termos criativos, é essa libertação, é jogar mais bonito, se divertir.
Alguma vez sentiste que aí a tua liberdade criativa foi condicionada pelo governo?
Sim, já tive dois projetos que foram limitados por ação governamental. Do ponto de vista de criação, não é muito condicionada. Mesmo o Bolsonaro sendo xenófobo e vendo a maneira como ele lida e trata a comunidade LGBTQ+, tem muitas marcas que abraçaram essa bandeira e fazem ações que, na realidade, estão a ajudar e a ter um impacto positivo na população. Então, não acredito, acho que a existência do Bolsonaro só levou a que algumas empresas percebessem a necessidade de serem mais ativas em determinadas áreas, entendessem o seu papel – monetário e logístico – na sociedade, e pensassem como devem utilizar isso para chegar a muita gente. E se vão chegar a muitas pessoas, que cheguem com uma mensagem positiva.
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