O João envia uma Mensagem do Futuro de Nova Iorque

“Nova Iorque vista de fora, e de dentro”. É este o titulo da Mensagem do Futuro que João Coutinho, diretor criativo executivo da VMLY&R América do Norte, partilha com o Clube Criativos Portugal e a Briefing.

 

“Impressiona ver imagens das cidades vazias pelo mundo fora, mas impressiona ainda mais ver este cenário em Nova Iorque, a cidade que nunca dorme. Tenho recebido mensagens de amigos de fora preocupados com a situação depois de verem as notícias sobre o que se está a passar aqui. Há duas coisas que contribuem para este pânico vindo do exterior: aqui fazem-se 50 mil testes por dia, por isso é normal que os números sejam bastante altos. Por outro lado, a imprensa (tirando a Fox News) não hesita em deitar abaixo Trump, pelo total despreparo. Trump teve três meses para preparar o país para a chegada da pandemia e só há duas semanas assumiu a gravidade da situação. É este o panorama que as pessoas de fora acabam por ver, mas não é o que se vive aqui, pelo menos, a minha realidade é bem diferente dessa que aparece nas notícias. Não conheço ninguém infetado. A taxa de mortalidade anda abaixo de 1% e os números só dobram de seis em seis dias, o que confirma que o confinamento está a resultar e a curva não está a subir a pique, como aconteceu em Itália e Espanha. Felizmente, os estados têm bastante independência do Governo Federal. Em três semanas, o Governador Andrew Cuomo conseguiu cinco mil camas extra e mais não sei quantos mil ventiladores. Montou um hospital no Centro de Congressos Javits, várias tendas junto a hospitais que já existiam e mandou vir um navio-hospital. A capacidade de mobilização nos Estados Unidos, e em Nova Iorque em particular, é impressionante. Só nas duas últimas semanas, setenta e seis mil profissionais da saúde ofereceram-se como voluntários, dispostos a dar a vida a combater este inimigo invisível.

Novas rotinas: como manter 500 pessoas conetadas

Estou a trabalhar em casa desde o dia 11 de março. A VMLY&R foi das primeiras agências aqui em Nova Iorque a pedir às pessoas para trabalharem a partir de casa, semanas antes de o Governador o ter ordenado. Nos primeiros dias, acho que estava toda a gente nervosa, mas, ao mesmo tempo, excitada e com vontade de se adaptar à situação o mais rápido possível. O trabalho remoto não é totalmente desconhecido para nós. Em Nova Iorque, há gente originária de cada um dos 50 estados e dos cinco cantos do mundo, por isso é normal haver sempre alguém da agência a trabalhar de fora. De repente, o Microsoft Teams passou a ser a nossa secretária, a cozinha onde bebemos o café e a sala de reuniões. De um dia para o outro, tivemos de criar novas rotinas, começando por acrescentar uma série de reuniões diárias, permitindo-nos ter controlo total do que se está a passar. O lado mau é que, de repente, os dias passaram a ter 12 horas. A minha semana passou a ter, para além de meetings com clientes e check-ins com criativos, uma reunião diária por projeto importante e um sem fim de reuniões semanais: três por cada conta do grupo de alinhamento, uma do grupo de alinhamento, uma com os ECD, uma da agência de Nova Iorque, uma para a América do Norte e outra para as agências globais.

 A ansiedade de morar sozinho. A ansiedade de morar em família

Para as pessoas que vivem aqui sozinhas, o nível de ansiedade numa altura destas é muito grande. Tanto é que muitos viajaram para perto da família e trabalham a partir de casa dos pais. Para quem tem filhos é igualmente complicado. No meu caso, a minha namorada é diretora criativa na Grey e temos uma bebé de quatro meses. Quando ambos estamos numa videoconferência e a bebé está acordada, alguém tem de ficar com ela. O primeiro dia foi complicado, mas depois acabámos por nos organizar e agora é na boa, tirando um ou outro choro ou vomitado em direto. A situação é engraçada, a WPP consegue ter duas agências a operar na mesma casa, na sala a VMLY&R, no quarto a Grey, e vice-versa. Para quem tem filhos na escola, então ainda é mais complicado ter de participar em todas estas reuniões e estudar com os miúdos em casa. Os meus filhos mais velhos moram com a mãe e estão a fazer home schooling.

Dinâmica com clientes e mudança de tom

A maioria das reuniões com clientes já se fazia por conference call, por isso não foi de todo estranho. Agora passámos a ter vídeo nas reuniões, o que é ótimo. Para além dos briefings que temos em curso, proativamente criámos um plano de emergência para ajudar os nossos clientes. Apresentamos ideias para cada marca, para que sejam relevantes mais do que nunca e que aproveitem este momento terrível para ajudar quem mais precisa. Por exemplo, entre várias ideias, propusemos ao nosso cliente Altice USA que oferecesse internet de graça a quem mais precisa. O nosso cliente New Balance parou a linha de produção para fazer máscaras para os profissionais de saúde. Tivemos de adaptar o tom de algumas marcas, sobretudo do retalho e que habitualmente têm uma comunicação mais agressiva, a um tom adaptado ao momento. O negócio tem de continuar. Mas agora, mais do que nunca, as marcas vão estar debaixo do radar. Quem se quiser aproveitar deste momento para fazer ainda mais dinheiro não vai ter vida fácil. O ritmo de trabalho não abrandou, pelo contrário, todos os clientes quiseram fazer alguma coisa relacionada com a Covid-19. Os pitches também não abrandaram. Vai ser curioso ver o resultado desta dinâmica à distância. Até agora, nenhum dos nossos clientes anunciou corte no fee, mas é provável que venha a acontecer.

Filmagens só daqui a oito semanas

A maioria dos estúdios de som e das empresas de edição e de pós-produção está a trabalhar remotamente e tem corrido muito bem. O problema é que não se pode filmar nas próximas 8 a 12 semanas. Houve clientes que conseguiram adiar lançamentos, mas outros precisam de ter campanhas no ar no interregno. Nestes casos, estamos à procura de solução caso a caso.

Pay cut e Cannes só para o ano

A WPP acabou de anunciar uma série de medidas Covid-19. Anunciou que vai cortar 20% nos salários dos membros da direção da WPP, por 3 meses ou mais, e que este ano não vai inscrever trabalhos em Cannes nem noutros festivais. Anunciou ainda que se vai cortar nos freelancers. Estas e outras medidas visam reduzir custos e evitar despedimentos. Já a Anomaly, dois dias depois do shutdown, despediu 20% das pessoas e várias outras agências anunciaram que, enquanto o país estiver parado, não vão pagar salários.

E o futuro?

Nova Iorque é também conhecida pelas casas de tarot. Mas essas estão fechadas, por isso não se pode consultar o futuro. Fala-se muito em recessão e em consequências catastróficas para a economia. Eu espero que se consiga achatar a curva e que as consequências humanas não sejam tão graves como em Itália e Espanha. Só depois vem a economia. Para já, vamos ficando em casa, trabalhando duro, cumprindo as normas de segurança. E o resto será história.

briefing@briefing.pt

 

Terça-feira, 28 Abril 2020 11:06


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