Briefing | Em 2014, regressou a Portugal, após quatro anos de ausência. O que o fez voltar?
Edson Athayde | Em 2008, quando saí da Ogilvy, onde era vice-presidente, saí também da publicidade e, de certa maneira, do país, porque fui morar nos Estados Unidos. Tinha vontade e desejo de estudar cinema, e foi o que fiz em Los Angeles; tinha vontade e desejo de me dedicar mais à literatura e escrevi dois romances; tinha vontade e desejo de, ao regressar à Europa, morar outra vez em Barcelona, onde já tinha estado em 1996, e fui morar em Barcelona por seis meses; tinha vontade e desejo de estar um tempinho no Brasil, rever as raízes e as pessoas e experimentar morar na praia, e foi o que fiz em Búzios, no Rio de Janeiro. Estava dando palestras sobre storytelling quando apareceu a ideia de voltar a trabalhar em publicidade. Foi um convite para o Dubai. Era uma coisa estranha na minha cabeça e, numa vinda a Portugal, fui jantar com o Luís [Silva Dias] e comentei com ele. E ele disse que se eu quisesse voltar à publicidade podia fazê-lo na rede FCB. Pareceu-me interessante e em poucos meses acabei mesmo vindo. Estava com saudade. A crise económica ainda estava presente, mas, para mim, foi motivador, porque levei a vida inteira a consertar coisas.
Quatro anos depois desse regresso, concretiza-se o management buyout…
Quando entrei já havia uma vontade da FCB Internacional de, em alguns países, as gestões participarem no negócio, mas isso era irrelevante, porque, quando regressei, não foi por causa do negócio, foi para fazer coisas de que gosto, num local onde gosto de morar. Além disso, eu trabalho nos lugares como se fossem meus. Por isso, foi meio automático assumir o negócio. A gente foi entregando os números, a empresa, do ponto de vista emocional, começou a brilhar dentro da rede. Ficamos em primeiro lugar, três anos seguidos, como o escritório com a melhor qualidade emocional. O que significa isso? Significa que as pessoas gostam de trabalhar cá, que desejam continuar, que respeitam as chefias, que gostam da equipa… Rapidamente começamos a liderar este processo, a ser um exemplo. Na rede, é um dado de gestão. Como entregar números e entregar reputação – que é igual a prémios, igual a novas contas.
É óbvio que também houve dias doloridos, momentos menos bons, mas, ao fim de cada ano, o balanço era muito positivo. E, para minha surpresa, oferecem-nos – a mim e à Vera [Barros, diretora financeira] – essa possibilidade. Foi surpresa no sentido de que, de certa maneira, é mais confortável ser contratado, e não ser dono, mas a minha vida já era assim… A diferença é que ia ter mais espaço, mais agilidade para decidir as coisas no interesse da minha empresa, embora eles sempre tenham tratado Portugal muito bem. Além disso, eu entrei desejando que esta fosse a minha última agência e, embora não acredite em cosias eternas, pode ser a última até por isso.
Diz que tem mais liberdade, mas continua a beneficiar da rede internacional.
Sim, mais 90% da nossa faturação é local, tendendo para 100%. Vivemos sem alinhamentos. Somos uma multinacional no sentido da marca, das ferramentas, da cooperação. Mas, quase se tem quase a totalidade do negócio feita localmente, também somos uma agência local. Vivemos e vivemos bem assim – mas não vou dizer que vivemos às largas; aliás, detesto quando o publicitário diz que está chovendo dinheiro, se diz isso está mentindo… Estamos em Portugal e todo o centavo tem de ser conquistado. Mas, tudo bem, esse equilíbrio, com algum realismo, é o que me interessa.
Nestes cinco anos, a faturação cresceu e a equipa também.
Houve um crescimento, mas não foi abrupto, foi orgânico e constante. Se a gente comparar a faturação de 2014 e 2018, crescemos 66%, mas foi, como disse, constante. E fizemo-lo renovando boa parte dos clientes, são poucos os que se mantêm desde 2014. Fomos evoluindo nas categorias, nas marcas e nos espaços, que é uma coisa em que acredito muito. As agências, por vezes, têm ansiedade de crescimento, o que eu entendo, mas é muito cansativo em todos os maus sentidos. Eu prefiro crescer orgânica e constantemente, tentando encontrar o equilíbrio emocional entre agência e cliente. É muito importante que os nossos clientes queiram trabalhar connosco, que não estejam cá por causa de um contrato, por um acidente ou por uma decisão de outrem. Falamos regularmente com eles para entender se a temperatura da relação está sendo proveitosa para ambas as partes. Não acredito muito naquela coisa de que publicidade é igual a sofrimento, de que os clientes são maus, não gostam de criatividade. Nada disso. Cada sapato tem o seu pé, então você tem de procurar o sapato em que caiba o seu pé.
Também renovamos bastante a equipa, mas sem fazer uma restruturação. Foi natural. É bom que as pessoas sigam o seu caminho. Houve gente que esteve aqui e foi para outros países porque o trabalho que fizeram aqui lhes deu essa possibilidade. Eu sempre falo que o lugar ideal para trabalhar é o lugar de onde se possa sair quando se quiser.
A propósito de clientes, o que pensa sobre os concursos?
Adoraria poder dizer que não vamos a concurso. Mas posso dizer que não gosto do instituto do concurso. Entendo que algumas empresas possam ser obrigadas e que, em alguns casos, a decisão é tão pesada do ponto de vista do investimento que é preciso fazer um teste no terreno, para ver se há entendimento geral. O que não gosto é de adivinhar o que a marca quer. Costumo até dizer que eu e o Luís de Matos temos um compromisso: ele não faz publicidade e eu não leio a mente dos outros; ele, de vez em quando, faz um anúncio, mas eu não consigo ler a mente de ninguém.
Participamos e até ganhamos alguns, mas somos mais seletivos. Tem muito a ver com o momento da empresa, jamais poderei entrar num concurso atrapalhando o trabalho do dia a dia ou contratando freelancers. E, para quê participar, se não vejo a menor possibilidade de ganhar? Deixa de ser concurso, passa a ser masoquismo.
Há uma coisa que é fundamental: em 2011, era normal trabalhar ao fim de semana e ao feriado, era natural virar noite, era o padrão da indústria publicitária no mundo inteiro e aquela geração, a que eu pertenço, achava razoável. Mas hoje, já não. Se quero trabalhar com pessoas jovens e talentosas, não devo ter esse padrão, porque elas não estão disponíveis para isso, querem viver a vida delas, a família, têm uma relação com os filhos completamente diferente. Acho admirável e, mesmo que não achasse, o mundo não está à espera da minha opinião.
O mercado está a pagar melhor ou nem por isso?
Nem por isso… É uma questão concreta, curiosa até: a economia cresceu um bocadinho nestes cinco anos, vários setores cresceram bastante, mas a nossa indústria não, a nossa indústria remunera hoje o mesmo ou, nalguns casos, menos do que há cinco anos. Isso é uma realidade geral. Eu tento, enquanto empresário, ter condições razoáveis com os clientes para ter condições razoáveis para contratar as pessoas mais talentosas. Somos uma empresa 100% organizada, ninguém tem contratos duvidosos ou está a recibos verdes, não é a nossa política, queremos ser uma empresa o mais sã possível. Na cabeça dos anunciantes ainda parece que há muita gordura para queimar do lado da publicidade, mas não sei que gordura é essa… Correm o risco de matar muitas empresas de inanição. É por isso que o mercado ainda é um bocado frágil.
Será que o mercado não reconhece o valor da indústria?
A pergunta é bem colocada. Se você não consegue vender o seu valor ninguém vai pagar esse valor. Os anunciantes não são bichos maus, não acredito nisso, mas, enquanto indústria, infelizmente, não nos estamos a vender bem. Nós, enquanto átomo nessa indústria, estamos muito atentos às questões salariais. E, nestes cinco anos, fizemos revisões coerentes e constantes nos acordos dos nossos trabalhadores, posso garantir que ninguém está numa situação pior. Mas isso sai da pele e sai do bolso.
A indústria tem de ser mais coerente e mais coesa. Ainda há quem acredite que ter volume é o suficiente, quem ache que dizer que ganhou uma conta e brilhar dez minutos num post do Facebook é o suficiente para encher o ego dos colaboradores. Mas ego não paga aluguer…
Adoraria poder dizer que a maioria dos empresários que trabalha na nossa indústria está remando ao meu lado, mas, infelizmente, não tenho essa noção.