Não foi “de um dia para o outro” que se lançou nas provas Ironman. “Foi uma ideia que foi amadurecendo aos poucos”. Começou a correr para perder peso e, para fugir à chuva sem pôr os objetivos de parte, no inverno decidiu inscrever-se numa piscina. A bicicleta, essa, era uma paixão antiga: lembra “que quando era criança brincava à Volta à França” com o irmão.
Não consegue identificar a data em que começou a aventura no triatlo, mas destaca o momento, em 2008, em que Vanessa Fernandes ganhou a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Pequim: “E aí pensei ‘vou fazer triatlo’”, conta. “Nadar, pedalar e correr era o que eu gostava de fazer. Mas daí até ao Ironman ainda ia uma longa viagem” … Estamos a falar de aproximadamente 3,8 km de natação, 180 km de ciclismo e 42 de corrida.
Começou por provas mais pequenas e foi avançando “calmamente”. Quando concluiu o primeiro Half Ironman, pensou ser “completamente impossível fazer o dobro”, mas, em 2014, inscreveu-se (com um amigo) numa prova, em Copenhaga, e percebeu que impossível não era, viciante, talvez: “Começámos imediatamente a sonhar com a qualificação para a final do Campeonato do Mundo de Ironman no Havai”.
Mas porquê Ironman? Porque “não é um desporto, são três”. “Há até quem diga que são quatro, porque numa prova que dura, mais ou menos, dez horas, a nutrição acaba por ser igualmente importante”, diz. “Depois, há quem acrescente a parte mental, as questões técnicas, o descanso, o reforço muscular, as massagens, o planeamento e tantos outros fatores que contribuem para que seja um desafio aliciante”, acrescenta, completando que foi “o desejo de controlar todos estes fatores”, juntamente com a superação física e mental, que o levou a conseguir finalizar cinco provas.
Gosta dos três segmentos – natação, ciclismo e corrida – mas, e apesar de reconhecer que é um atleta “bastante razoável”, admite ter, “teoricamente”, mais apetência para a corrida. “Apesar de achar que sou melhor corredor do que nadador ou ciclista, em apenas uma das provas consegui correr aquilo que acho que corresponde ao meu valor. Em todas as outras, foi um sofrimento. Nunca é fácil correr uma maratona depois de pedalar 180km”, afirma”.
Entre o treino e a preparação, este é um hobby que lhe ocupa muito tempo. “Quando comecei a fazer triatlo, achei que não podia interferir na vida familiar nem na vida profissional”, diz. Neste contexto, a gestão da agenda tornou-se um desafio. “Era um hobby meu e era eu que tinha de fazer os sacrifícios”, comenta. Assim, os treinos eram programados para “bem cedo, ainda antes de a família acordar e depois na hora de almoço”. “Fazia dois treinos por dia, ninguém dava por nada”. Ao fim de semana o desafio era precisamente esse – ser fim de semana, dias de descanso e para estar em família, mas que, havendo uma prova para preparar, não podiam ser desperdiçados.
“Tentava sempre começar o mais cedo possível”, até porque alguns treinos duravam mais de cinco horas. “Este foi o equilíbrio que encontrei para mim e para todos os que estão à minha volta”, explica. “A última coisa que queria era estar em stress na agência por ter que ir treinar depois e ainda ter trabalho para fazer ou ter que ir treinar e chegar a casa já depois de a família ter jantado”, partilha. Planeamento é, pois, a palavra de ordem.
Nas provas, em que participa como veterano e como amador, a melhor classificação que conseguiu foi um 6.º lugar em Cozumel (México). “Foi também a prova mais amarga de todas”, porque falhou a qualificação para a final do Campeonato do Mundo no Havai “por três minutos”, com o sistema de rolling start a trocar-lhe as voltas. “Nessa mesma prova, o meu amigo, colega de treino e destas aventuras conseguiu a qualificação. Isso levou-me a querer tentar mais uma vez para que o sonho de irmos juntos ao Havai pudesse acontecer. E assim foi. Em agosto de 2018 qualifiquei-me na prova de Tallinn e em outubro cruzámos a meta do Havai juntos”, relata.
Estava atingido o maior objetivo: “É o sonho de todos os triatletas completar a mítica prova onde o desporto foi inventado”. A dificuldade associada à qualificação para a prova também foi uma motivação. Explica o criativo que são cerca de 40 provas por ano, em todo o mundo, “onde apenas os melhores classificados de cada escalão conseguem a qualificação”, são cerca de 100 mil atletas a tentarem, quando apenas dois mil terão o privilégio de participar. “O engraçado é que, a primeira vez que assisti à transmissão televisiva da prova do Havai, achei que era algo completamente impossível. Depois, achei que era o sonho. E depois achei que valia a pena, pelo menos, tentar. E, agora, já está feita. Não há como esconder o sentimento de realização”, descreve.
Até à data, o momento mais exigente para Pedro Vieira foi a prova de qualificação. “Uma coisa é participar num Ironman para chegar ao fim. Outra coisa é participar num Ironman para fazer o melhor tempo possível”, afirma. “E outra coisa ainda é participar num Ironman para conseguir a qualificação”, acrescenta. Foi “uma pressão enorme”, embora, apesar da qualificação, a prova não lhe tenha corrido bem. “Mas lutar contra as adversidades deixa boas marcas se as conseguirmos superar”. E, foi o que aconteceu, decidiu lutar até ao último minuto – mesmo saindo da natação atrasado em oito minutos e terminando o ciclismo com dez minutos a mais. “Quando terminei a prova não sabia se tinha conseguido a qualificação, mas senti-me feliz por ter lutado com todas as minhas forças até ao último metro”, recorda.
“É uma enorme confusão que vai na cabeça”. É com estas palavras que explica o que sente quando termina uma prova. As “dores são tantas que nem sequer é possível pensar” e se uma prova de nove horas e meia parece uma eternidade, para os atletas, “os Ironman duram seis meses ou um ano”, pois, “para fazer as contas bem feitas”, é o tempo dedicado ao treino. “A meta é o culminar de todas essas horas de trabalho, esforço, sacrifícios e dedicação. Acho que dá para nos sentirmos o super-homem, mas depois não temos força nem para descer um degrau”, sustenta.
E desistir? “Felizmente nunca tive que passar por essa situação”, responde, acrescentando que acredita que as desistências possam acontecer apenas por avaria na bicicleta ou alguma situação em que o atleta possa estar a pôr em risco a saúde. “Aí, definitivamente, não vale a pena o sacrifício. Tudo o resto é superável”, afirma.
Pedro não tem por hábito a partilha da sua experiência no triatlo em nenhuma plataforma, mas, relembra, que quando fez o primeiro Half Ironman fez também uma campanha de angariação de fundos para a Operação Nariz Vermelho, com o apoio da Compal. “Nessa altura, criei uma página no Facebook chamada ‘Os meus 113km pelo Nariz Vermelho’ e, por cada like na página, a Compal doou 1 euro à instituição”, conta. “Tenho saudades desse formato, menos competitivo e mais social. Talvez volte em breve”.