Um marketer, um publicitário e um consumidor entram num Metabar…

Não, este texto não se trata de uma anedota e tão-pouco pretende ser uma crítica, à la Velho do Restelo, sobre a mudança de paradigma que se prevê na comunicação das marcas que pretendam entrar em ecossistemas digitais emergentes. É apenas um artigo que espelha uma opinião e, como estamos sempre a aprender, estou suscetível a mudá-la, mas, se me pedissem para apostar agora as minhas bitcoins (que não tenho, porque para ficar receoso já me bastam as flutuações de peso), poria todas nesta convicção: mesmo que sejamos maiores de idade, ainda não temos a maturidade necessária para entrar neste grande bar aberto que é o Metaverso sem estarmos acompanhados por um adulto muito responsável.

Principais considerações a reter ao longo deste extenso artigo (sinta-se livre, desde já, de abandonar a leitura caso não reconheça interesse em algum destes 5 pontos):

1. Entre as posições “Marcas no Metaverso não, porque…” ou “Marcas no Metaverso sim, mas…”, defendo a segunda;

2. É importante para as marcas, em Portugal, conseguirem resistir à tentação de entrar num sítio novo só porque é novidade;

3. As marcas têm ainda tanto por fazer no domínio do conhecido, que deverão conter-se antes de desperdiçarem recursos naquilo que ninguém conhece realmente – para processos de tentativa-erro existe o departamento de R&D;

4. Na indústria criativa, criar funções específicas relacionadas apenas com o mundo virtual pode ser um erro;

5. Existem diferenças, cada vez mais subtis, entre saber entreter as pessoas e correr o risco de estupidificá-las.

Assiste-se, com expetativa, ao advento da proclamada revolução web 3.0, mas é evidente que são muitas as marcas que ainda não conseguiram explorar todo o potencial dos meios de comunicação tradicionais (sem juízo de valor face ao adjetivo, porque aqui também incluo a media digital), tanto do ponto de vista da originalidade da criatividade como do da eficácia em passar a mensagem – recorrentes índices de recordação comprovada de 0,0% em anúncios de televisão* nos sectores do retalho alimentar e das telecomunicações, são apenas dois exemplos clássicos disso. No entanto, essas mesmas marcas já sentem a tentação, e até mesmo a pressão por parte dos seus parceiros de comunicação, em marcarem presença, o quanto antes, nos (não tão) novos universos virtuais.

Se o Second Life auspiciava, no início do novo milénio, a adoção massiva pela sociedade de uma vida paralela online, a verdade é que os poucos que por lá ficaram não foram suficientes para que as marcas que aderiram à moda mantivessem as suas lojas abertas ou desenvolvessem dinâmicas dignas de registo nesta plataforma – pareciam visionárias, mas têm, hoje em dia, o tráfego equivalente àquele pioneiro centro comercial da nossa terra natal que, entretanto, foi transformado em centro evangélico, ou que se resume a um cabeleireiro unissexo paredes-meias com placas “arrenda-se” em montras vazias e um WC em que é preciso pedir a chave ao segurança no caso de grande aflição.

A ansiedade das marcas em serem as primeiras a lançar ou a anunciar uma boa-nova tecnológica, numa tentativa de, aos olhos dos consumidores, serem percecionadas como vanguardistas e detentoras do bastião da inovação, leva a que possam ser dados passos pouco relevantes, inconsequentes, ou até mesmo impercetíveis, no sentido de se aproximarem verdadeiramente dos seu público-alvo.

Todos se lembrarão daquela “campanha inovadora com o 1.º anúncio de TV em 3D que assinalou a introdução do novo user-interface” de uma operadora móvel, em 2010, certo? Pois. E daquela animação do passarinho a voar, em realidade aumentada, que aparecia quando apontávamos o telemóvel para o QR Code na caixa de cereais? Seria numa caixa de cereais ou numa lata de cerveja? Bem, já não me recordo, mas parecia ser super giro. E, já agora, há quanto tempo não abrimos essa app de que todos falaram durante a pandemia, mas já quase ninguém usa? Isso, o Clubhouse. Foi tão viral que, por cá, praticamente desapareceu do radar após levarmos a 1.ª dose da vacina.

Por outro lado, os 15 mil pratos lavados pelo Fairy na feijoada na Ponte Vasco da Gama, em 1998, são difíceis de esquecer. Assim como foi memorável o meio milhão de pessoas, onde se incluem as inesquecíveis e encaloradas senhoras de meia-idade com sutiãs a descoberto, no Mega Picnic do… (tenho a certeza absoluta de que nem é preciso escrever o nome da marca). Não quero com isto dizer que o analógico e o real sejam melhores do que o digital e o virtual, caso contrário o Museu Nacional de Arte Antiga não teria conseguido pôr o quadro de Domingos Sequeira “no lugar certo”, nem a Jameson teria aberto o Whatsapp Bar (ambos Grandes Prémios de Eficácia), mas sinto que, nos tempos que correm, é cada vez mais difícil encontrar exemplos deste género, porque se tem assistido a um efeito de sobreposição da tecnologia face à ideia conceptual criativa e até mesmo à pertinência da mensagem que se quer transmitir. A constante inovação tecnológica no que diz respeito à forma, faz com que a vontade sôfrega das marcas em querer estar associadas ao último grito, quase sempre abafe o conteúdo ou o relegue para segundo plano.

A convergência entre o mundo real e o virtual será uma certeza, é um facto, mas ainda faltam muitas etapas para que possa vir a ser sequer um esboço de uma realidade coletiva. Precipitar a entrada no Metaverso é como entrar numa discoteca às 22h30. Não vai estar lá ninguém que interesse. E nós, apesar de sermos dos primeiros a chegar, não teremos mais carisma do que tínhamos minutos antes, quando estávamos em casa a escolher o kit mais arrojado. O mesmo se passa quando queremos ir atrás de uma corrente tecnológica sem termos um critério diferenciador ou algo pertinente para dizer que nos posicione com legitimidade nesse território. Sem uma estratégia de longo-prazo e uma criatividade que sobressaia pondo a tecnologia ao serviço da ideia e não a ideia ao serviço da tecnologia, as marcas colocam-se num nível de paridade que em nada as beneficia, podendo até mesmo sair prejudicadas.

Tome-se como exemplo o embaraço confrangedor da presença de certas marcas nacionais no Tik-Tok, ao tentarem, à força, fazer parte da comunidade, qual avô a armar-se ao moderno que decide começar a andar de skate. E de marcas que, surfando a crista da onda do comércio online, ilustram na publicidade pessoas que fazem compras no tablet com um sorriso rasgado. Conhecem alguém, mentalmente saudável, que se ria enquanto faz compras online? – uma vénia ao Continente que resistiu a isso e fez um anúncio que retrata esse momento com um grau de normalidade que gera identificação com os espetadores. As pessoas que se riem enquanto compram online, devem ser as mesmas que acham que o seu NFT é especial e irá tornar-se tão valioso ao ponto de não terem mais que teletrabalhar. Bem sei que existem alguns iluminados (que invejo) a fazer muita massa com NFTs, mas não acredito que venha a tornar-se num fenómeno de massas.

Com a transformação digital também será possível antecipar um relativo grau de impacto ao nível da organização interna das empresas do sector criativo. Embora esta analogia possa parecer um pouco radical, a criação de funções específicas apenas para as soluções de âmbito virtual é como se, nos anos 30 do século passado, as agências tivessem que ter implementado um departamento focado só em Rádio – este meio também foi transformador quando surgiu –, onde um criativo apenas escreveria spots e o gestor de projeto tão somente trataria do processo inerente à sua produção.

Tal como as funções de account digital e de copywriter digital estão comprovadamente obsoletas, na medida em que definem limites à integração multidisciplinar plena dos projetos e das ideias, também repetir uma estratégia de concentração do know-how sobre os ecossistemas virtuais e as suas ferramentas numa unidade específica da agência, irá, provavelmente, levar a que mais tarde ou mais cedo se tenha que reorganizar as equipas, sabendo, de antemão, a entropia, o desgaste e a frustração que isso provoca entre os profissionais. Ao invés, faz mais sentido que a formação neste capítulo seja ministrada de forma transversal a todos os departamentos, de modo a que o conhecimento seja disseminado organicamente e os temas relacionados com estes recém-chegados universos passem a fazer parte do quotidiano dos publicitários.

Ainda assim, é imperativo nunca esquecermos que o valor não está em quem sabe de cor o tutorial, mas na ideia que o leva a questionar-se: “Não sei se isto dá para fazer, porque nunca foi feito”. Munidos de conhecimento equiparado, tanto cliente como agência devem definir qual a melhor estratégia para as suas marcas neste vasto território por explorar, sendo que o desafio é conseguir fazê-lo de forma entusiasmante para os consumidores, e não apenas dizendo “Olá, estou aqui!” – pese embora seja sempre agradável ser-se cumprimentado, é importante saber dar continuidade à conversa.

À parte da muito valiosa indústria do gaming e dos seus imensos adeptos fiéis, e das empresas que exploram essa atividade na sua estratégia de comunicação por terem esse público-alvo como core, Metaverso e NFTs não terão (ainda) tanta relevância como se quer fazer crer para a maioria das pessoas e, por conseguinte, para as marcas e seus consumidores. É essencial percebermos aquilo que as pessoas querem e não tentarmos ditar, no imediato, o que queremos que elas façam, unicamente porque nos dá jeito fortalecer o algoritmo e ter analytics de comportamento que roçam a fronteira do barely legal das políticas de privacidade. E se há quem defenda que o aumento de competências digitais adquiridas por todas as faixas etárias durante a pandemia foi o melhor processo de transformação digital que poderia ter existido, e com o qual concordo, também considero que só passámos mais tempo em videoconferências por Zoom e a fazermos mais compras online, nos últimos dois anos, porque fomos, literalmente, obrigados a isso.

Logo, estou em crer que as pessoas anseiam por mais realidade e menos virtualidade. E que, naturalmente, irão precisar de fazer um desmame pós-pandémico das rotinas digitais um tanto ou quanto tóxicas que adquiriram durante o confinamento – cheguei a ter uma média de 7,5 horas diárias de ecrã de telemóvel! Uma dependência que também as marcas deveriam ajudar a combater e a não incentivar. Estou convicto de que há nesta oportunidade muito valor e muitos valores prontos a ser explorados, enquanto se espera, pacientemente, por mais desenvolvimentos no outro lado do universo paralelo.

Ainda assim, não será de estranhar se, ao passearmos por um roteiro de arte urbana, num destes dias, ouvirmos alguém gritar em êxtase: “OH, BORDALO II… FAZ-ME UM NFT!”

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*Nota: É enganador pensar que já não se vê televisão. Inclusivamente, não só o Pingo Doce “trouxe” uma das campanhas mais recordadas de sempre da categoria, como até, imagine-se, os adolescentes ainda veem TV, alguns deles através de transmissões, muitas vezes pirateadas, que um dos elementos do grupo partilha via Discord – para os menos familiarizados com o termo, é uma ferramenta de conversação (privada) entre comunidades, com uma grande adesão por parte das gerações mais novas, sobretudo de gamers, mas não exclusivamente.

 

João Ribeiro, Managing Partner da Stream and Tough Guy

 

briefing@briefing.pt

 

Quinta-feira, 17 Fevereiro 2022 10:22


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