Viagem ao mundo do luxo conspícuo e do luxo inconspícuo

Tem sido possível observar a coexistência de diferentes tendências que parecem coabitar com razoável espaço para crescer no universo das marcas de luxo. A razão para o saudável convívio destas duas tendências é o facto de se dirigirem a clientes de luxo muito diferentes. 

Refiro-me, por um lado, à tendência que observamos sobretudo em países asiáticos, para marcas posicionadas para dar aos seus utilizadores uma maior visibilidade e exibição de estatuto – o luxo conspícuo; e, por outro, a uma tendência para outras marcas se posicionarem com associação a um consumo mais discreto – o luxo inconspícuo.

O primeiro tipo inclui marcas que têm ganhado muitos adeptos junto de uma classe chamada de “nouveau riche”, presente em todos os mercados, mas sobretudo na China. Este mercado não é nada negligenciável em termos de valor e por isso tem sido explorado por várias insígnias, algumas das quais dirigindo propostas adaptadas para os mercados asiáticos. De facto, os tuhao (土豪) (novos-ricos chineses) têm vido a manifestar uma preferência clara por produtos que evidenciam estatuto social, de forma bem visível. Têm encontrado resposta não apenas em roupas, óculos, carteiras e telemóveis, como ainda em carros e joias, que reafirmam o estilo chamativo dos seus proprietários. Os mais procurados são, todavia, os artigos de vestuário, sobretudo camisas, camisolas, polos e casacos que, aparentemente, quanto mais caros e histriónicos, mais interesse suscitam. Esta forma de luxo conspícuo manifesta-se então por logótipos maiores e mais brilhantes, procurando associar o estatuto do usuário a alguém que tem acesso exclusivo a marcas de luxo ou gama alta e, por isso, faz parte de uma classe social elevada. É uma espécie de elevador social que deve manter os seus usuários sempre no topo da estereofonia. É esta razão que tem levado marcas como Ralph Lauren ou Prada a aumentarem o tamanho dos seus logos, mas também outras como a Volvo e a Mercedes a fazerem o mesmo. E não apenas na China. A sinalização conferida por esta forma hedónica de consumo permite aderir ao exclusivo grupo da classe social de referência, chancelando a pertença a uma restrita elite, de que os pares também fazem parte. Impactar os grupos de referência com itens que algumas vezes fazem mais parte do aspiracional do que daquilo que se pode efetivamente pagar tem transportado algum exibicionismo para as redes sociais. Ainda assim, que ninguém tenha dúvidas de que se trata de um mercado muito apetecível para as marcas, algumas das quais não têm abdicado de ali marcar presença. E que presença…!

No segundo tipo, temos os produtos que, ainda que procurem também servir uma forma de consumo assente no hedonismo – ou seja no prazer que confere a quem os usa –, mais do que na utilidade que deles se retira, têm um cunho mais discreto. Não deixam de ser marcas associadas a luxo, pelo preço elevado a que são vendidas, pelo requinte da sua proposta de valor, qualidade e desempenho, e valorização pessoal. Mas primam, acima de tudo, pela sobriedade e pela reserva. Ou seja, ainda que mantendo o exclusivo que tão bem carateriza as marcas de luxo, mantêm um nível de circunspeção que leva a que apenas um grupo muito reduzido de pessoas as reconheçam. Ainda assim, ao serem notadas, constituem também um sinalizador de pertença a um determinado grupo seletivo de pessoas, a quem se legitima terem o capital cultural de conhecimento que permite descodificar os sinais subtis enviados pela marca. É por isso que estas marcas têm normalmente logos mais pequenos, por norma posicionados em lugares menos visíveis, e procuram apostar sobretudo na qualidade e durabilidade do produto, de forma a que a sua longevidade se associe ainda a outros valores como a tradição, a sustentabilidade ambiental e até a nostalgia. A qualidade superior e o preço elevado definem o exclusivo acesso ao grupo dos que reconhecem a marca, mas sem as mesmas pretensões de exibicionismo anteriores, como que se o detentor desta marca não necessitasse de evidenciar a sua classe através destes sinais, mas eles acabassem por funcionar como um código, decifrado apenas pelos pares. Esta forma conspícua de luxo também está a crescer muito, sobretudo do outro lado do mundo. Há quem justifique este crescimento ainda como uma tentativa de algumas pessoas se manterem fiéis ao exclusivo mundo do luxo, sem a culpa normalmente associada ao exibicionismo, sobretudo numa altura em que o mundo, em crises sucessivas, apela a uma maior consciência no uso dos recursos.

Conspícuo ou não, o mercado dos produtos de luxo continua a crescer e a brilhar, seduzindo negócios, empresas e gestores, que aqui encontram uma fonte de valor crescente. Para onde transferir este valor, e como usá-lo de forma a reduzir as discrepâncias, não entre os histriónicos e os circunspectos, mas entre estes e o restante 99% da população, é a grande questão que a seguir vai ser preciso responder.

 

Susana Costa e Silva, docente da Católica Porto Business School

 

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Terça-feira, 27 Dezembro 2022 09:25


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