Nos quatro a cinco slides iniciais, vou mostrando dados de utilização de plataformas digitais ou fazendo questões como: “Qual a empresa que vende mais música a retalho?” ou “Qual a empresa com o mais rápido crescimento de sempre?”. Estas questões servem apenas para, no início de uma aula, ligarmos a frequência correta e, de repente, nos imergirmos na real transformação de comportamentos que o advento digital trouxe para todos nós. Sem exceção.
Se é verdade que a internet e a consequente digitalização da nossa sociedade trouxe, e traz, benefícios diários, também é verdade que a sua utilização para o controlo é, cada vez mais, possível.
Nem de propósito, há poucas semanas foi-nos apresentado o Certificado Digital COVID, que pretende, e bem, facilitar a liberdade de circulação na Europa. É objetivo de o certificado garantir que o seu portador não está infetado ou, pelo menos, está vacinado. Até aqui tudo bem.
Ainda antes da entrada em vigor deste certificado, dia 1 de julho, surgiram notícias de que o mesmo poderá ser utilizado para garantir acesso a restaurantes, lojas ou eventos, restringindo, potencialmente, os cidadãos que não tenham o certificado ativo. Rapidamente, em alguns fóruns de redes sociais privadas, comecei a ler mensagens de apoio a esta extensão do uso do certificado, deixou-me preocupado...
Compreendo que os objetivos são nobres, parar uma epidemia que já vai longa e penosa para, praticamente, todos nós. Mas aqui não podemos deixar de equacionar a possibilidade deste subterfúgio ser utilizado para outro tipo de controlo comportamental, abrindo a porta para utilizações menos nobres de “certificados digitais”. Além do possível registo dos locais onde o certificado for ativado, mapeando o nosso trajeto diário, basta juntar tecnologias de reconhecimento facial, que possam ser analisadas por inteligência artificial e ter computadores a decidir, baseados em dados e sem programação específica (machine learning), que, rapidamente, desenvolveremos uma ferramenta de controlo massivo e indiscriminado.
Neste momento, para os leitores que acreditam que os seus dados estão seguros, só me recordo de uma sigla – C.M.L..
Se a evolução percorrer estes caminhos, então o dito certificado, exigido a bem da saúde pública para acessos a viagens, restaurantes e eventos, pode bem ser utilizado para restringir outras liberdades a quem, por exemplo, se esqueceu de pagar uma multa de trânsito proibindo a pessoa de abastecer o seu automóvel enquanto não liquidar a dita coima.
Não prevejo que nada disto vá acontecer no nosso Estado de direito, mas a escolha de controlo digital para questões de saúde pública aproxima-nos de linhas ténues, facilmente ultrapassáveis através da mais banal tecnologia, misturada com conceitos e plataformas digitais que utilizamos diariamente.
A realidade é que devemos recordar-nos que todas as ferramentas digitais das quais hoje não abdicamos, foram entrando, sub-repticiamente, no nosso dia a dia, até serem quase indispensáveis. Por isso, apelo à calma nos fóruns sociais privados, quando alguns amigos e familiares, já vacinados, se rejubilarem pelo facto de, em breve, poderem aceder a locais de diversão, utilizando o Certificado Digital COVID. Não sei se a maioria de nós vai querer que, também sub-repticiamente, o controlo se estenda para outras áreas da nossa existência. Acho que não, espero que não.
Gonçalo Poças, professor convidado da Porto Business School e General Partner da Click Profit
Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.