800 caracteres por 0,75€? Não, obrigada!

800 caracteres por 0,75€? Não, obrigado!

Na semana passada, uma proposta de trabalho em jornalismo deu que falar em Espanha e já está em tribunal. Em Portugal, é também frequente este tipo de ofertas; contudo, nunca nenhuma delas ganhou as proporções deste caso espanhol. Paulo Querido, jornalista e especialista em social media, e Alberto Arons de Carvalho, membro da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), dão ao Briefing a sua opinião sobre o assunto.

A jornalista espanhola Azahara Cano denunciou, na semana passada, uma oferta de trabalho da empresa Novodistribuciones, que consistia em escrever uma notícia de 800 caracteres tendo como recompensa 0,75 euros. O acontecimento gerou polémica na rede social Twitter, onde várias pessoas demonstraram apoio à jornalista, incluindo a Associação da Imprensa de Madrid, segundo noticia o site espanhol PR Noticias.

Mais tarde, Azahara Cano viria a publicar na sua conta do Twitter que também a empresa em causa estudava, agora, tomar medidas legais contra si e contra a Associação da Imprensa de Madrid por causarem danos à imagem corporativa da Novodistribuciones.

Na passada terça-feira, 12 de Dezembro, o mesmo site noticiava que a empresa em causa tinha cancelado a oferta de trabalho de 0,75 euros, apesar de considerar aceitável as condições laborais que havia proposto.

Também em Portugal casos semelhantes têm ocorrido, sobretudo no que se refere a estágios. E, uma vez mais, o Twitter aparece aqui como denunciador. Assim sendo, porque é que, até agora, nunca nenhum caso tomou dimensões como estas? Paulo Querido explica ao Briefing que “não é fácil um assunto ganhar tracção num ambiente reticular”. Para além disso, o jornalista refere ainda que o momento em que a denúncia é feita desempenha um papel relevante: “A hora do dia e o dia da semana têm importância, mas acima destes itens estão as duas disponibilidades da rede: a da atenção e a da acção. Sem um bom índice de ambas, nenhum assunto ganha visibilidade”.

A única forma de contornar este tipo de ofertas passa por procurar outras melhores. Estando devidamente actualizado relativamente a este tipo de trabalhos que, não raras vezes, se encontram em vários sites com propostas de empregos, Paulo Querido revela que existem várias zonas de “conteúdos ‘ao quilo’, para encher sites e pendurar anúncios contextuais” que conseguem fazer ofertas melhores: “Entre os três dólares por artigo e os 25 dólares, abundam as propostas de conteúdos de baixo teor noticioso; a faixa dos 10-15 dólares tem muita saída. Refiro-me a propostas honestas que tratam o profissional com a cortesia adequada”. Desta feita, o especialista em social media deixa o conselho: “Mais vale a um jornalista com dificuldades recorrer a trabalho deste tipo, de baixo valor mas que lhe deixa tempo e espaço pessoal para se valorizar, do que sujeitar-se às cargas de trabalho brutais e sem futuro que representam muitas vezes os estágios”.

As novas tecnologias trouxeram ao jornalismo uma nova forma de este poder ser realizado: o jornalismo do cidadão. Sobre ele, são várias e distintas as opiniões criadas dentro da área. A facilidade que hoje em dia se tem em colocar algo online leva a que alguns profissionais do meio apontem o dedo a este novo modelo de jornalismo. “Graças às novas tecnologias e às formas de participação que elas proporcionam, tem emergido o chamado jornalismo do cidadão, que põe em crise o jornalismo profissional”, refere Alberto Arons de Carvalho. Por seu turno, Paulo Querido toma uma posição contrária, não vendo nesse factor uma menos valia para o jornalismo: “A facilidade de publicação é um aliado do jornalista, assim ele a compreenda, aceite e abrace”.

Contudo, o membro da ERC adianta ao Briefing que “a participação dos cidadãos no espaço público, proporcionado pelo seu acesso às plataformas multimédia e às redes sociais, não constitui em si mesmo um factor negativo. O que é preocupante é que essa intervenção pode ser feita sem o papel mediador dos jornalistas, sem o devido respeito pelas regras éticas e deontológicas da profissão e sem os mecanismos de regulação ou auto-regulação que a caracterizam”.

Este tipo de ofertas pode até pôr em causa o prestígio da profissão de jornalista, mas falar de decadentismo da área pode ser demasiado excessivo. “Diria que estamos a viver uma mudança que é estrutural tanto no lado económico da actividade como no próprio produto jornalístico”, adianta ao Briefing Paulo Querido. “O jornalismo é um ecossistema informativo e de entretenimento que se tem vindo a tornar cada vez mais complexo. Assistiremos, sim, à divisão”, acrescenta.

Para o especialista em social media, a profissão de jornalista não está em vias de extinção, pelo contrário: “Penso ser relativamente seguro especular que um mundo com doses gigantescas de informação necessitará de um mais elevado número de jornalistas do que o mundo anterior. O desprestígio e a decadência farão parte da transição, representando os que não quiserem, não forem capazes ou muito racionalmente preferirem negócios mais tranquilos à aventura do futuro”.

Catarina Caldeira Baguinho

Fonte: Briefing

Quarta-feira, 14 Dezembro 2011 13:28


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