A televisão e os famosos com e sem aspas

A televisão e os famosos com e sem aspas

Analisar e reflectir, sem ódio nem fascínio, sobre o fenómeno da fama e da celebridade no século XXI é o que se propõem o jornalista Eduardo Cintra Torres e o investigador José Pedro Zúquete com o livro “A vida como um filme”, lançado ontem em Lisboa com a chancela da Texto Editores.

Porquê um livro sobre a fama e a celebridade? Ao Briefing, em cuja edição impressa assina uma crónica mensal sobre os media, Cintra Torres justifica que este é “um tema importantíssimo da sociedade de hoje”: “Não podemos deixar que fique apenas para os  seus industriais e para os seus intérpretes. Já fazia falta começarmos a análisá-lo, nem com ódio, nem com fascínio, pois ambos nos cegariam, mas antes com a análise e a reflexão”.

É um fenómeno que – acrescenta – está intimamente ligado à explosão das comunicações e dos media populares e com imagens, desde a segunda metade do século XIX. No século XX, “tornou-se imparável”, com o cinema e suas estrelas e com a televisão e seus famosos. Alargou-se a todas as camadas sociais e a todo o tipo de media, incluindo “os mais sisudos”. Até que no século XXI, “a celebridade é um dos fenómenos centrais da comunicação mediática e da cultura popular”. Com uma particularidade: é que não só se mantém nas suas áreas de sempre – envolvendo actores, músicos, artistas, realeza e aristocratas – mas também atingiu novas áreas, como os políticos em democracia, o desporto (sendo os treinadores a inclusão mais recente) e os cidadãos comuns arrancados ao anonimato.

Foi esta nova dimensão que levou um observador do fenómeno mediático e televisivo, em particular, e um observador dos fenómenos sociais e políticos a organizar “A vida como um filme”, o primeiro livro em Portugal com reflexões sobre a celebridade. Nele congregam contributos de vários países e de várias áreas de abordagem, juntam autores vindos da sociologia da comunicação, da ciência política, da psicologia social e da filosofia, pois o fenómeno é complexo e manifesta-se em tantas facetas que uma só disciplina não o conseguiria abarcar.

Propuseram-se igualmente dar uma dimensão internacional ao livro, primeiro porque a celebridade já começou a ser estudada noutros países, e não queriam que uma abordagem só portuguesa reduzisse a amplitude de vista dos leitores sobre o fenómeno. Por isso, incluíram textos de autores de Portugal, Brasil, França, Reino Unido e Estados Unidos. Os leitores encontrarão análises a respeito de Bruce Springsteen ou de Nicolas Sarkozy, de Giselle Bundchen ou de José Mourinho, de Oprah Winfrey ou das “vítimas” dos tablóides britânicos, dos anónimos do Big Brother ou dos ídolos dos adolescentes.

Um filósofo encerra a sucessão de contributos, ou não quisessem os autores reflectir e fazer reflectir sobre o tema. E foi precisamente o que fez Marcelo Rebelo de Sousa, convidado a apresentar a obra. Com uma leitura sobre o modo como os políticos souberam, ou não, utilizar a televisão ao longo da história recente do País. De Salazar, que retardou o mais possível a televisão, que percebeu que não se encaixava no seu modelo político e apenas a tolerou, a Marcelo Caetano, que, pelo contrário, foi um apóstolo da televisão e a “utilizou melhor do que se pensa”. Passando por Spínola, que “percebia imenso de televisão mas não a conseguiu utilizar”, e Vasco Gonçalves, que “a utilizou excessivamente e ela virou-se contra ele”.

O ministro da reforma agrária, António Barreto, “utilizou-a com talento”. Já Mário Soares, que “não era uma figura televisiva, antes um tribuno clássico, mas moldou-se à televisão no estilo empático2. Sá Carneiro e Álvaro Cunhal, nos antípodas políticos, eram ambos “figuras anti-televisivas”: “Ganhava-se em tê-los presencialmente, mas perdiam-se na televisão”. Cavaco Silva foi “o primeiro político a utilizar profissionalmente a televisão, a perceber o que era essencial na mensagem”.

António Guterres fez valer o seu “lado emotivo, simpático, gerando uma simpatia pessoal não baseada na governação”. E Pedro Santana Lopes beneficiou de “grande força televisiva”.

Marcelo Rebelo de Sousa debruçou-se ainda sobre o fenómeno da fama e celebridade para distinguir entre famosos com e sem aspas: os primeiros são os cidadãos tirados do anonimato pela televisão e que geram nos espectadores uma ilusão de democratização da fama; os segundos são os famosos por carisma, com substância. E, a propósito, deixou algumas questões: “Virá a triunfar a qualidade?”, “Conseguirão as televisões quebrar a obsessão das audiências?”. “Como será a canibalização dos canais televisivos com a privatização de um da RTP? Como será a luta por mais um ou dois minutos de publicidade?”.

Fonte: FS/Briefing

Sexta-feira, 04 Novembro 2011 12:07


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