Como os angolanos investem em Portugal

Como os angolanos investem em Portugal

Quais são os angolanos que investem em Portugal e porque é que investem? Onde é que estão esses investimentos? São uma ameaça ou uma oportunidade? Para responder a estas questões o jornalista Celso Filipe, atual subdiretor do Jornal de Negócios e que acompanha os assuntos dos PALOP desde o final dos anos 80, escreveu “O Poder Angolano em Portugal” e falou ao Briefing sobre o livro.

 

Briefing | Do que é que trata o livro “O poder angolano em Portugal”?
Celso Filipe | O livro retrata os investimentos angolanos realizados em Portugal, particularmente na última década, tornados possíveis com a morte do líder da UNITA, Jonas Savimbi, em 2002, que permite pôr fim à guerra civil no país. Com este novo quadro de estabilidade política e social, as receitas petrolíferas, que até então eram esmagadoramente canalizadas para o esforço de guerra, ficaram disponíveis para outros fins. O livro identifica as apostas de Angola, que começaram pelo sector financeiro e se foram estendendo a outros domínios, casos da energia e das telecomunicações. Esse poder, tido como influência na economia portuguesa e nas empresas cotadas é cada vez maior e tem contado com o aval dos sucessivos governos portugueses. O livro analisa esses investimentos e enumera os seus protagonistas.

Briefing | Esse poder é uma ameaça ou uma oportunidade?
Celso Filipe | A resposta não é linear. É uma oportunidade, atendendo a que Portugal precisa de capital e que os angolanos têm uma disponibilidade financeira que responde a essa necessidade. E é esta necessidade que pode constituir uma ameaça, na medida em que torna mais vulneráveis o poder político, as empresas e os empresários nacionais. Mas, importa sublinhar, que da mesma forma que existe um poder político angolano em Portugal também existe um poder português em Angola, visível no número de empresas lá instaladas. A questão que se coloca é a da transparência de alguns investidores angolanos. Por isso, é desejável que adotem outras práticas que satisfaçam esse requisito. Se os dois países souberem equilibrar forças, esse poder pode ser uma oportunidade com vantagens mútuas.

Briefing | Porque é que os angolanos escolhem Portugal para investir?
CF | A história comum, a língua e o claro apoio político dos governos portugueses são razões mais do que suficientes para explicar esta aposta. Acresce que Portugal é uma porta de entrada na Europa e que interessa a Angola explorar para reforçar a sua influência. Também é preciso reter a importância dos ganhos em reputação que estão associados quando empresas e empresários angolanos se associam a empresas cotadas em bolsa.

Briefing | Esses investidores têm todos os mesmos objetivos?
CF | Não. Há investimentos claramente estratégicos, como os efetuados na Galp, Zon, BCP ou BPI. Existem outros investimentos, particularmente no imobiliário, que são de natureza particular e se justificam pelo facto dessas pessoas quererem ter uma retaguarda segura, por temerem que Angola possa enfrentar um período de instabilidade quando José Eduardo dos Santos sair do poder. Depois há investimentos no sector produtivo, por exemplo nos vinhos, que servem para suprir as necessidades existentes em Angola. Empresários angolanos que eram apenas importadores, passam a controlar o circuito de um produto. Depois há dúvidas sobre outro tipo de investimentos, porque não se identifica a racionalidade que lhes subjaz e porque os seus protagonistas optam por não dar a cara. É um direito que lhes assiste, mas é a sua imagem e a do seu país que acaba por ficar em causa.

Briefing | Porque é que decidiu escrever o livro agora?
CF | Embora escreva há muitos anos sobre assuntos angolanos, em especial relacionados à economia, não me tinha ocorrido escrever um livro. O desafio para o fazer foi feito por um colega, o José Vegar, que costuma trabalhar com a editora Planeta Manuscrito. Aceitei-o porque não havia nenhum livro do género. Escreve-se muito sobre o passado das relações Portugal-Angola e sobre as histórias da descolonização, mas não sobre o presente. Neste sentido, o livro sistematiza e oferece uma narrativa coerente sobre o crescimento do peso que Angola foi conquistando em Portugal na última década.

Briefing | Que avaliação é que faz das relações Portugal-Angola?
CF | As relações entre os Estados são genericamente boas. Contudo, a outro nível, por exemplo na comunicação social, essas relações são uma montanha russa, plena de emoções à flor da pele, em resultado de um passado que muitas vezes foi traumático, tanto para o colonizado como para o ex-colonizador. Há muitas feridas que o tempo se encarregará de diluir, se tanto Portugal como Angola reconhecerem que um bom relacionamento entre as partes é vantajoso para todos. Para os dois Estados e para os dois povos. Angola tem de acelerar o passo para diminuir a sua dependência face ao petróleo e os portugueses podem dar um contributo decisivo. Da mesma forma que Portugal pode ganhar peso acrescido na Europa se tiver relações políticas e económicas privilegiadas com países como Angola, Brasil ou Moçambique.

Fonte: Briefing
Foto do autor: Miguel Baltazar

Segunda-feira, 01 Julho 2013 09:52


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