“Comprar quota sai caro” e a Unicer não quer ir por aí

 “Comprar quota sai caro” e a Unicer não quer ir por aíO mercado cervejeiro em Portugal é muito competitivo e, por isso mesmo, já não há muito por onde crescer. Só comprando quota, o que se faz por via das promoções. Mas no limite há destruição de valor e não é esse o caminho da Unicer, garante, em entrevista ao Briefing, Rui Freire, administrador de Marketing e Comunicação de uma empresa portuguesa que está a crescer lá fora a dois dígitos.

Briefing | Que balanço faz do desempenho da Unicer em 2014?

Rui Freire | Foi um ano bom, à semelhança do que já tinham sido os anos anteriores. Foi um ano de reforço da sustentabilidade da empresa. Atravessámos bem este período de recessão. E em 2014 pudemos aliar o bom estado de saúde financeira a uma retoma de crescimento, não tanto pela performance do mercado interno, mas pela dos mercados externos, que tiveram um crescimento de duplo dígito.

Briefing | Mas o mercado interno não cresceu?

RF | No mercado interno, recuperámos a nossa posição competitiva e alguns pontos de quota, em particular na categoria de cervejas, mas o facto de termos tido um verão muito pouco estival impediu que, no final do ano, tivéssemos crescimento em volume de vendas. O que foi compensado pela performance do mercado externo.

Briefing | Foi apenas o verão que não convidou ao consumo ou o canal horeca também contribuiu para esse comportamento do mercado interno?

RF | O canal horeca até teve um comportamento muito positivo. Naturalmente que não passámos ao lado do número de encerramos que houve – estimamos que nos últimos anos tenham encerrado entre 15 a 20 mil pontos de venda. O que sucedeu em 2014 foi que tivemos um contributo muito positivo do turismo e quando há fluxo turístico relevante acaba por beneficiar muito mais o canal horeca, isto é, o consumo fora de casa, do que o retalho alimentar. Houve um acréscimo do número de consumidores que não são consumidores residentes com baixo poder de compra, mas, pelo contrário, turistas com elevado poder de compra e hábitos muito virados para o consumo fora de casa.

Nos anos anteriores, as pessoas saíram menos e consumiram mais em casa, pelo que, de 2010 a 2013, o canal mais dinâmico foi o off trade, mas em 2014 o crescimento do turismo potenciou a recuperação do canal horeca.

Briefing | E quanto aos mercados externos, quais os que mais cresceram?

RF | Tivemos um crescimento de duplo dígito na globalidade dos mercados da exportação. Naturalmente que nos mercados emergentes, onde temos uma base de volume mais baixa, os crescimentos percentuais foram maiores. Registámos uma performance muito positiva nos mercados que são novas apostas da Unicer e que em 2014 tiveram uma maior focalização, como a Arábia Saudita, o Brasil, Moçambique e também os mercados da Europa, cuja performance foi excelente e onde, pela primeira vez, vendemos mais de 30 milhões de litros.

Briefing | Mas Angola continua a ser o principal mercado da exportação?

RF | Sim, representa mais de 60% do total das nossas vendas para o exterior. Em Angola existe também um projeto industrial, que estimamos que venha a entrar em funcionamento em 2016. Numa primeira fase, estará dotado para uma capacidade de 120 milhões de litros de cerveja, mas temos a intenção de complementar este investimento com a criação de uma fileira. E nesse sentido estamos a incentivar os empreendedores angolanos a aproveitarem o facto de estar instalada a indústria cervejeira no país para criarem uma fileira, como temos em Portugal, nomeadamente com produção de malte e compra de cevada aos agricultores locais.

É uma intenção forte, porque sentimos que, dessa forma, podemos contribuir para o desenvolvimento de uma cadeia de valor em Angola.

Briefing | E em Moçambique qual é a aposta?

RF | O desempenho de 2014 foi muito interessante, como lhe disse. Temos uma operação de exportação, com parcerias de distribuição, que correu muito bem. Estamos a avaliar a dimensão, o potencial do mercado, fazendo uma entrada progressiva, com os pés no chão. Caso o mercado dê mostras de ter uma relevância significativa poderemos avançar também com um projeto industrial.

Mas o consumo de bebidas alcoólicas é menor do que em Angola, porque Moçambique tem uma particularidade curiosa, que é o facto de 35% da população ser muçulmana. É 35% em termos de população, mas representa mais de 50% em poder de compra.

Briefing | Mas isso também acontece na Arábia Saudita e não impediu a penetração da Super Bock…

RF | É verdade. Na Arábia Saudita desenvolvemos um projeto muito interessante que teve a ver com o lançamento de cerveja sem álcool, a Super Bock Zero. Foi muito bem aceite. Na cerveja sem álcool temos uma patente para um processo de produção que é único e que garante a valorização do sabor. Foi uma porta de entrada muito interessante para este mercado. O consumidor acabou por reconhecer de uma forma muito evidente a superioridade de Super Bock, com o volume de vendas a atingir os dois milhões de litros no primeiro ano, o que é muito significativo para a escala que nos propúnhamos ter naquele mercado.

Briefing | Por falar em escala, estão no Brasil que é um mercado com outra dimensão…

RF | Estamos conscientes da nossa pequenez num mercado que é o terceiro maior do mundo. O que queremos é preencher um segmento que as marcas locais não conseguem satisfazer porque as características da cerveja local são diferentes – são mais leves, mais refrescantes. Nós levamos um perfil de sabor europeu, mais encorpado, e que acaba por ser interessante para uma escala que não é particularmente relevante em termos de quota no universo do mercado brasileiro, mas que já nos deixou próximo do milhão de litros no primeiro ano. Não temos a pretensão de concorrer de igual para igual com os grandes operadores, mas estamos a ser muito bem recebidos. Já temos 2500 pontos de venda cobertos. Aliás, 2014 foi também o ano em que, pela primeira vez, produzimos Super Bock fora de Portugal e isso aconteceu precisamente no Brasil com um contrato sob licença.

Briefing | O negócio na Europa também corre bem. Mas vai para além do chamado mercado da saudade?

RF | Vai e a Suíça é o melhor exemplo de relevância da Super Bock para consumidores locais e não apenas emigrantes portugueses. Cada vez mais, estamos a definir os consumidores locais como target, aproveitando a forma como Super Bock simboliza o lado bom da Europa. O facto de virem a Portugal de férias e beberem Super Bock que depois encontram quando regressam a casa faz com que revivam os bons momentos que passaram aqui. Daí a importância de nos focarmos também nos turistas que nos visitam, porque sabemos que a partir do momento em que voltam para os países deles é mais fácil garantirmos a presença da nossa marca nesses países.

Briefing | Em 2014, a Unicer apostou no relançamento de um produto, a Green, e no lançamento da Somersby. Qual foi a estratégia subjacente?

RF | Em tempos de recessão económica nem sempre é fácil inovar. Mas sempre tentámos manter o foco na inovação. Há um grande mérito destes tempos: é que nos obrigam a ser mais criteriosos, porque o consumidor é menos experimentalista e não o podemos embriagar com um conjunto enorme de novidades.

2014 foi um ano muito positivo nessa área. Fizemos o relançamento da Super Bock Green, que tinha introduzido o conceito de beer drink há dez anos mas que era uma proposta que estava datada, a que o consumidor já não estava a reagir. Fizemos o relançamento com reforço da naturalidade do produto, da componente de sumo limão. É uma bebida menos cervejeira, mas mais refrescante, em linha com a tendência do consumidor para procurar bebidas mais leves e de sabor mais fácil de adquirir. Mas não foi a nossa prioridade.

Aliás, as nossas prioridades para 2014 foram duas. Uma foi Somersby, que é uma nova categoria, uma nova proposta que tem um potencial enorme de atrair novos consumidores. Nem sempre é fácil lançarmos produtos para além da cerveja porque têm um efeito de canibalização enorme. Mas Somersby acaba por ser muito complementar, porque vai buscar consumidores que não apreciam tanto a cerveja. Por aí enriquece o nosso portefólio, por aí também se tornou uma prioridade para nós.

Já tínhamos vindo a fazer o lançamento progressivo e em 2014 atingimos o patamar que, no plano de lançamento, estava previsto ao fim de cinco anos, mas que alcançámos em três – quatro milhões de litros.

A outra inovação importante de 2014 é um ovo de Colombo. Ao longo do tempo, parece que fomos tratando menos bem a cerveja de pressão e fomo-nos esquecendo que é daí que vem o melhor sabor. Assim, fizemos uma aposta de recuperação das valências e dos valores da cerveja de pressão através de um programa 360º que chamámos Best Beer Experience e que passa para o consumidor esta verdade simples – a melhor cerveja é a de pressão, desde que seja bem tirada e esteja nas melhores condições. Por isso, desenvolvemos um programa muito intenso de formação dos nossos clientes, auditorias aos pontos de venda e um conjunto de ativações da cerveja de barril. Parece que não é muito sexy como inovação, mas criou uma renovação do essencial da cerveja que foi muito importante para nós.

Toda a comunicação da Super Bock original foi feita para apoiar este trabalho no terreno, com um conceito de comunicação único, que é “quando a cerveja sai perfeita, algo de extraordinário acontece”. A cerveja de pressão ganhou um novo brilho. E quando a categoria regrediu, conseguimos que o barril tivesse crescido, sendo que o barril é o formato mais sazonal, pelo que deverá ter sido o mais afetado pela ausência de verão. Mas não foi.

Briefing | O mercado da cerveja é muito concorrencial. Até onde é possível continuar a crescer?

RF | É um mercado de marcas fortes, de marcas que são muito bem avaliadas e valorizadas pelos consumidores. Daí que seja difícil que as private labels da distribuição ganhem peso. O mérito é de todas as marcas presentes no mercado nacional, não só da Unicer. Julgo que tomámos consciência daquilo que faz uma guerra de quota. Chega a um determinado momento em que a quota não se conquista, compra-se. E comprar quota sai muito caro. Nós não queremos comprar quota a partir do momento em que ponha em causa a sustentabilidade financeira da empresa. Não entramos por aí. Estar constantemente em promoção é uma destruição de valor, essa é a grande ameaça. Uma categoria que é altamente promocionada faz com que o consumidor esteja habituado a comprar com desconto e crie alguma resistência a comprar fora de promoção.

Em 2014, houve uma pressão promocional enorme, nomeadamente no off trade, com os retalhistas a procurarem reagir à queda do mercado através do abaixamento de preços, mas julgo que já terão entendido que não é por se baixar preços constantemente que os volumes aumentam. A pressão promocional foi a maior de sempre e os números caíram. Esperamos que seja revertido em 2015 porque não está a servir os interesses de ninguém e está a destruir valor.

Esta entrevista pode ser lida na íntegra na edição de janeiro do Briefing.

fs@briefing.pt 

Terça-feira, 03 Fevereiro 2015 13:27


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