A pandemia acelerou a passos largos a digitalização e assistimos a profundas alterações a nível social e económico que marcaram a nossa geração. Confrontadas com a crise, empresas e indústrias obrigaram-se a abraçar as novas tecnologias e, alguns fenómenos que ainda nos causavam estranheza, como machine learning, realidade aumentada/virtual ou big data, tornaram-se mais familiares em menos de um ano. A máquina e o humano nunca estiveram tão próximos e nunca se completaram tanto. E, com esta proximidade, a criatividade adquiriu ainda mais relevância, pois, segundo descreve o World Economic Forum, ela é “exclusivamente humana e não pode ser substituída por nenhum algoritmo”.
Aliás, trabalhar com a mudança é o que define a criatividade, tal como defende Ed Catmull, Fundador e CEO da Pixar. É o “criar atividade” de forma diferente e inovadora, com o objetivo de alcançar e melhorar o output pretendido. E engane-se quem pensa que ela só pertence às mentes brilhantes ou que deriva de grandes conceitos. Ela está nas coisas mais simples: numa conversa, numa negociação, num planeamento, numa tomada de decisão ou solução – e, até mesmo, na liderança, na forma como um líder gere e se relaciona com a sua equipa. Não sendo uma ciência exata, uma palavra ou uma atitude podem ser momentos criativos, com poder suficiente para alterar a ordem das coisas.
Assim sendo, o universo criativo será aquele que resistirá à ascensão dos robots e da automatização, sendo cada vez mais importante estimular a criatividade nas diferentes profissões, carreiras e idades, de forma a tornar indivíduos, empresas e futuras gerações mais preparadas para um futuro do trabalho mais “creativity-focused”, capaz de criar mais valor e eficiência. Há quem acredite, inclusive, que a criatividade é a nova fórmula para gerar produtividade, em que equipas serão moldadas para pensar estratégica e criativamente sobre os desafios e o rumo da empresa, partilhando uma visão de futuro – e, neste processo de formação e aprendizagem, o reskilling e o life-long learning serão estruturais.
Mais do que resultados líquidos, a nova era da criatividade será mensurada em termos de felicidade, de bem-comum, e trará inúmeras mudanças para o futuro do trabalho, educação, políticas públicas e, claro, para a tecnologia. Se passarmos a confiar mais no digital, no poder da inteligência artificial, vamos conseguir libertar-nos de tarefas mais mundanas e “automáticas”, como corrigir fotografias ou preencher uma tabela, ganhando mais tempo para deixar as nossas ideias fluir. Isto fomentará uma relação win-win para pessoas e empresas, muito mais feliz e lucrativa, em que não só estaremos a aproveitar as mais-valias da evolução tecnológica, como utilizaremos melhor o nosso tempo para nos inspirarmos no que está à nossa volta.
A criatividade permitirá não só às empresas trabalhar de forma diferente com os recursos existentes, mas, mais ainda, permitirá encontrar novos recursos dentro da diferença. Num presente que valoriza cada vez mais as soft skills, ela deixará de ser uma característica rara para se tornar um modus operandi acessível a todos, cultivada desde cedo no desenvolvimento dos mais novos – e, se olharmos à nossa volta, já vemos como estes são mais criadores e menos consumidores de conteúdos. Na verdade, ela deixará de ser um modo de estar e passará para um modo de ser. De afirmação na resolução de problemas. De inspiração e reinvenção. De superioridade face à máquina no seu poder para mudar o curso da história.
E se nos questionamos se haverá espaço para todos numa era mais criativa e simultaneamente mais digital, Scott Belsky tranquiliza-nos. Mais pessoas criativas implicará novos negócios e produtos, mas também uma nova aposta na segmentação e individualização da experiência, onde surgem, por exemplo, as startups, ao invés da massificação de marcas e empresas, e onde surge o entretenimento personalizado e de nicho face aos conteúdos mainstream. Perante a certeza da continuidade do contexto de incerteza, 2021 exigirá uma readaptação contínua e o despertar o nosso “eu” mais criativo.
Marlene Gaspar, diretora da área de Consumer Engagement e Digital na LLYC Lisboa