Briefing | A joint-venture entre a Normajean e a Lola MullenLowe fez um ano em outubro. O que se ganhou?
Rodrigo Silva Gomes | É prematuro tirar conclusões, porque os objetivos foram estabelecidos a três anos, mas há bons indicadores. Definimos que, nesse período, queríamos duplicar a faturação; conquistar clientes de maior volume e visibilidade; e ser reconhecidos como uma das agências mais criativas do mercado. Neste ano, demos um grande passo em dois destes objetivos. Estamos no bom caminho.
A conquista do Intermarché foi o principal motivo para alterar a estrutura, que praticamente duplicou: há um ano eramos cerca de 20, hoje somos 40. Esse crescimento acabou por acontecer dentro dos nossos objetivos.
A entrada de uma conta tão grande como a do Intermarché, mais outras duas também importantes, altera as estruturas, mas não foi um crescimento atrás das necessidades imediatas. Crescemos de acordo com os nossos objetivos e centrados no que tínhamos definido: reforçar a aposta na criatividade e estratégia. Não queremos ter muita gente a trabalhar o que é tático. O que nos interessa é um trabalho estratégico, de longo prazo e valor acrescentado para marcas e clientes. Estamos a um terço do caminho.
A agência está focada na angariação de novos clientes?
As agências têm de estar permanentemente em new business, mas, cada vez que decidimos entrar num pitch, temos de ter consciência de que podemos estar a prejudicar os clientes que já temos. É uma decisão que tem de ser muito bem pensada, por respeito pelos clientes e pelo esforço que implica a todos. Por isso, é importante, deve-se fazer, mas este ano já recusámos vários pitches e aqueles em que entrámos pensámos muito bem no que estávamos a fazer.
Em termos de pitch, que benefícios tem trazido a ligação à Lola MullenLowe?
Tem havido algumas oportunidades que vêm de fora. Temos ajudado os escritórios de Madrid, Paris e Hamburgo e eles têm-nos ajudado a nós. Não há negócio direto a ser entregue por ninguém, mas as agências colaboram todas para que, em cada local, seja mais fácil conquistar clientes.
Existe na Lola algo que identifiquei como distinto de outras networks: a ligação é muito curta. Eu falo quase diariamente com o CEO de Madrid ou de Paris. É como se fosse um escritório só. E isso tem-nos trazido muitas oportunidades de trabalhar em conjunto e alguns clientes para os quais temos trabalhado também cá para Portugal. É o caso da Tous e da Burger King Espanha.
Foi essa proximidade que o levou a optar por uma joint-venture e pela Lola?
Foi, foi perceber que era uma network diferente. Começou pelas pessoas e depois vinha uma network atrás. Acho que uma agência de publicidade deve ser assim. São cinco escritórios e há uma proximidade. Foi eleita a melhor agência da Europa, há três meses, a quarta melhor do mundo, a primeira do grupo Interpublic, a mais premiada. Só os escritórios de Madrid e Barcelona têm mais prémios do que o resto das MullenLowe do grupo. Nós contribuímos muito pouco para isso. Estamos há pouco tempo dentro da network. Mas é evidente que é uma network especial, que mantém o que deve ser a dinâmica criativa de uma agência, que, normalmente, se perde quando há fusões ou quando estruturas maiores absorvem as mais pequenas.
A distinção principal da Lola em relação a outras filosofias criativas é que tem “espírito latino com alcance global”. Pretende gerir contas globais e reconhece que nós, latinos, temos uma maneira de comunicar diferente de qualquer outra cultura. E isso é um asset num negócio em que temos de conseguir chegar ao coração dos consumidores num curto espaço de tempo e de uma maneira que os afete. Isso que faz com que aquilo que metemos na rua seja melhor e consiga conquistar quota de atenção, que é tão difícil de conseguir hoje.
Um dos objetivos a três anos é que um terço dos clientes locais sejam clientes noutros países. Em que ponto está a concretização deste objetivo?
Há muitas participações em projetos internacionais, mas não se traduzem ainda em volume de faturação. A três anos havemos de lá chegar.
E quanto ao propósito de duplicar a faturação? Qual será o volume de negócio para este ano?
Já duplicámos a faturação. Esse objetivo já está concretizado. Faltam os outros dois. Esse objetivo divide-se em dois: o volume de faturação e ganhar mais dinheiro. Não duplicámos, mas aumentámos muito o volume de trabalho e o volume de faturação está praticamente no dobro. Se não chegarmos este ano, chegamos no próximo.
Com estes indicadores, quais os objetivos para 2020?
Gostava de, no fim dos dois anos, ter feito tudo o que planeámos para os três. Mas não me comprometo.
Outra ambição é ser a agência portuguesa mais premiada internacionalmente. Como está a contabilidade em termos de prémios?
Estamos a trabalhar para isso. Ainda não tivemos tempo para ter matéria para inscrever. Mas é das coisas mais importantes, quer para nós, quer para o próprio mercado. Os resultados portugueses em Cannes nunca foram tão maus. Estou muito preocupado. Melhor criatividade deve ser uma preocupação de todos.
Cannes ainda é relevante?
Cannes há de ser sempre relevante. Tenho pena que aqueles que comandam a indústria em Portugal – a Publicis, a Havas, a WPP… – continuem, em vez de darem o exemplo, a passar para os clientes mensagens de que o que importa é a produtividade e a tecnologia.
Arrumam-se as empresas e marcas debaixo do mesmo teto e convida-se os clientes a visitarem esse centro comercial, com uma mensagem de dimensão, poder, que não acho que seja a coisa mais importante no negócio em que estamos. A mensagem que se passa é que a criatividade, a ideia – aquilo que, para mim, é o mais importante de tudo – está em segundo lugar, o que interessa é a estrutura e a tecnologia. Vamos atrás da tecnologia e perde-se a essência.
Nós, que devíamos estar a defender marcas, não tratamos bem as nossas, facilmente as arrumamos, fundimos, fazemos desaparecer. Wunderman, Ogilvy, Thompson são referências e gostava que permanecessem. Fazem parte da história do nosso coletivo enquanto publicitários. Devíamos estar preocupados.
A que atribui esse foco nos resultados por parte das grandes agências?
Porque quem manda nisto são os financeiros. O lado romântico da publicidade, que devia continuar a existir, desaparece.
A fantasia e a criatividade, que trazemos para o mundo dos negócios, fazem falta. O suplemento de imaginário é nossa obrigação. É suposto sermos artistas, trazermos um bocadinho de arte ao mundo dos negócios. Isso faz o negócio mexer e crescer. Enquanto coletivo, parece-me que, às vezes, não estamos a defender isso. Estamos a deixar que os financeiros mandem neste negócio, que deve ser romântico para conseguir essa fantasia.
Porque é que as agências não estão a contrariar esse objetivo financeiro?
Eu vou a Espanha, à Lola Madrid, e vejo fome. Em Portugal, não há fome, não há vontade de fazer as coisas acontecerem. Não sei de quem é a responsabilidade. Será duma geração, onde me incluo, de malta que chega a uma altura em que acha que está porreiro como está? Já foi tão difícil aguentar os últimos 20 anos da publicidade e todas as transformações…
Não vejo os criativos a lutarem por grandes ideias na rua. Vejo alguns anunciantes lá fora, como o Burger King – cá também haverá alguns –, com a garra de perceber que o mundo está cheio de oportunidades.
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