José Avillez por ele próprio. Império? “Não gosto nada”

Fala quase sempre na primeira pessoa do plural, o que se percebe quando atribui o sucesso dos seus projetos à equipa que o acompanha na dezena e meia de restaurantes. E quando atribui os prémios que vai somando à gastronomia portuguesa e ao País. São prémios que fazem mais pela reputação do que pelo negócio, até porque no Belcanto as reservas estão sempre esgotadas. Sobre o percurso desde o primeiro estágio, na Fortaleza do Guincho, diz que é 100 vezes mais do que então sonhou, mas recusa o epíteto de império, não obstante estar entre os poucos empregadores nacionais com mais de 500 colaboradores. Ele é José Avillez, para ler na primeira pessoa.

Briefing | A que sabem os prémios?

José Avillez | É sempre bom vernos o nosso trabalho reconhecido, mas, honestamente, não trabalhamos para os prémios, não é algo que esteja na nossa agenda como prioridade. Mas temos que reconhecer que sabem bem.

Ainda assim, o Grand Prix de L’Art de la Cuisine tem um sabor especial?

Todas as distinções internacionais têm um sabor especial, porque consigo mais facilmente partilhá-las com os meus colegas e com a gastronomia portuguesa. São, de facto, uma maneira de promovermos Portugal e a nossa cozinha. Por isso, em geral, os prémios internacionais são sempre mais importantes.

Mas o que fazem pela sua carreira?

Há um reforço da marca, um aumento de prestígio, de reconhecimento. Trazem mais responsabilidade e trazem também mais expectativas. Mas estes prémios são sempre muito subjetivos. Não é o mesmo quando se é maratonista e se ganha uma prova dos jogos olímpicos, onde há uma disputa com outras pessoas e se vence. Isto de ganhar aos outros que não perdem é estranho. São veículos de promoção da marca, do projeto, do negócio, mas considero-os sempre bastante subjetivos.

Fazem mais pela reputação do que pelo negócio?

Sim, fazem mais pela reputação. A estrela Michelin, principalmente a primeira, faz bastante pelo negócio. Dizem que a terceira também, mas não a temos. De resto, há poucos prémios no mundo que façam alguma coisa pelo negócio. Acredito que ficar em primeiro na lista The Worlds 50 Best Restaurants faz muito pelo negócio, mas hoje estamos [o Belcanto, com duas estrelas Michelin] cheios ao almoço e ao jantar, pelo que não há muita margem para melhorar nesse sentido. Por isso, acima de tudo, é uma questão de reputação, de conseguir deixar mais história escrita.

Trabalha para a terceira estrela Michelin?

Trabalhamos para sermos melhores e uma das consequências poderá ser ganhar a terceira estrela, mas não nos agarramos a isso enquanto objetivo maior. Até porque acho que é contraproducente para a nossa estabilidade mental e enquanto equipa. Temos de nos focar, acima de tudo, nos clientes.

Ao contrário de outros prémios, as estrelas Michelin podem ser tiradas. Sente que é uma espada por cima da cabeça?

Lutando sempre para sermos melhores é difícil sermos surpreendidos e tirarem-nos uma estrela. Pode acontecer, claro, e, se um dia acontecer, espero que tenhamos força para continuarmos felizes a fazer o que fazemos, seja para a recuperar ou não. Quando se tem duas estrelas, a fasquia está mais alta, pelo que a responsabilidade a maior.

Hoje não tem um, mas aquilo que muitos definem como um império…

Muita gente usa essa expressão, mas não gosto nada. São 15 restaurantes [à data da entrevista] e perto de 540 pessoas. Descobri, no outro dia, que estamos entre as 0,1% de empresas em Portugal que empregam mais de 500 pessoas, o que já é alguma dimensão.

Muitos desses espaços são na zona do Chiado. Tratou-se de aproveitar o boom turístico?

É verdade que este crescimento não seria possível se não vivêssemos este momento turístico. Embora estes espaços não sejam para turistas, são para toda a gente, a proporção de clientes é 50-50, na média de todos os restaurantes, mas no Belcanto há mais estrangeiros – 60 ou 70%. Além de que os estrangeiros gastam mais dinheiro, mas não atribuo isso à capacidade financeira, antes à disponibilidade para gastar. Quando viajamos também gastamos mais do que quando estamos no nosso País.

Mas os portugueses estão dispostos a pagar o valor de um menu no Belcanto, por exemplo?

Acaba por ser o restaurante onde mais pessoas comentam que não é caro. Nos Estados Unidos, por exemplo, um restaurante deste nível cista praticamente o triplo, se não mais. Há muitos americanos que dizem que foi a primeira vez que puderam experimentar um restaurante deste calibre porque nos Estados Unidos não têm dinheiro para isso. É óbvio que é muito dinheiro por uma refeição, mas é uma experiência única, que vale a pena, e por isso pouca gente me fala dos preços.

O José Avillez como marca: é um conceito de que se aproprie?

Sim, para o melhor e para o pior. Não é fácil, às vezes, assumirmos que somos uma marca. Mas já me habituei.

E, como tal, quais os atributos da marca?

São os traços da minha personalidade. Quando a pessoa é a marca não é possível que seja muito diferente disso. Podia arranjar uma série de palavras bonitas que servissem de atributos para a marca, mas acho que a honestidade, a confiança, a seriedade, o ser trabalhador são características minhas e também os valores da marca.

Como qualquer marca socorre-se das ferramentas de marketing. Qual a sua estratégia?

Temos um trabalho ativo de divulgação dos restaurantes e menos ativo de divulgação da marca-pessoa. Mas o nosso marketing é muito mais do que promoção dos projetos, é também promover Portugal como destino gastronómico, criando conteúdos na restauração, ofertas diferentes para situações de consumo diferentes, fazendo parcerias com chefes internacionais que são referência nos seus países e que, de outra maneira, não viriam para Lisboa abrir um restaurante. Essas pessoas vão servir de divulgadores da cozinha portuguesa e de Portugal.

Como gere a exposição mediática?

Com critério, mas sem arrogância, tentando responder aos pedidos que nos fazem. Tentei sempre proteger-me num lado mais pessoal, não expor a minha família, não abrir as portas de minha casa, apesar de tudo isso já ter acontecido de alguma maneira, mas sempre em pequenas doses e sempre por razões maiores e medindo as consequências. Existe o José Avillez pessoal, de que gosto de desfrutar em família e entre amigos, e depois o José Avillez profissional, que é o que tem de ser divulgado.

 

Esta entrevista pode ser lida na íntegra na edição impressa da Briefing.

fs@briefing.pt

Terça-feira, 24 Julho 2018 11:32


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