O desafio do treinador

O desafio do treinadorAssim como tiveram de rever os seus métodos de intervenção pública com a passagem da época do Marketing de Intromissão para a época do Marketing de Consentimento, as instituições estão agora perante o desafio de um tempo novo sem gate keepers nem spin doctors, com os muros do sistema mediático destruídos e os portões escancarados. Gostamos de lhe chamar o mundo do Marketing de Persuasão.

É uma espécie de regresso às origens. Todos comunicamos e todos ouvimos e vemos. Todos somos protagonistas e alvos. Todos somos comunicadores e destinatários. Os que sobrevivem enquanto comunicadores são os que sabem usar as técnicas de persuasão. Os que melhor definem os seus territórios de imagem são os que melhor usam as técnicas de persuasão. Releva, no entanto, a diferença introduzida pelo tempo de hiperatividade informativa em que vivemos — a capacidade de propagação, o poder de fogo mediático de cada um de nós. Mesmo o menos apetrechado dos comunicadores tem sempre um enorme megafone à sua disposição. Mesmo o mais modesto dos destinatários quer ser tratado de forma personalizada e única. Estamos todos, deste ou daquele modo, envolvidos no processo de comunicação.

O sistema em crise

Porque estamos a esgotar o tempo do Marketing de Consentimento? Há várias razões para que tal esteja a ocorrer. Primeiro porque a informação se está a “comoditizar”. Temos canais de televisão e rádios ocupados apenas com informação, temos jornais gratuitos e jornais com ofertas que equivalem ao preço de venda, temos o manancial de informação gratuita e acessível da internet. Com tanta oferta do mesmo produto e a preços cada vez mais baixos, o produto mediático tende a banalizar-se. Sentimos que podemos saber tudo o que se passa, em qualquer momento, em qualquer parte do mundo. E que não precisamos de produtores profissionais de conteúdos. Depois vivemos numa sociedade que acha que tudo pode, e pode instantaneamente (se, sentados no sofá, podemos expulsar da casa um concorrente do “Big Brother”, porque não podemos decidir sobre o local de um novo aeroporto?). Ora, esta sociedade do confortável e autoritário controlo remoto também coloca em crise as decisões essenciais do sistema de gate keepers. Porque é que determinado facto é um produto mediático, e outro que me interessa mais, não é? Porque determinado ato se propaga ao longo de vários dias e outro tem morte súbita? Porque um abre os telejornais e outro não? Do mesmo modo que os doentes atuais chegam aos médicos depois de terem ido à internet “saber tudo” sobre os seus males e respetivas terapias, também tudo sabem sobre os critérios jornalísticos. A síndroma do consumidor informado também atinge os consumidores de informação e dos media. Existe um terceiro fator: a vulgarização das técnicas e dos meios de difusão. Muitas vezes as melhores imagens são “do público”, alguns dos sites mais populares e mais interessantes são de anónimos ou de amadores, em vários momentos os próprios jornalistas e meios de comunicação tradicionais recorrem a esse tipo de contributos, alterando, sob pressão exterior, os seus critérios editoriais. Finalmente, temos as consequências que decorrem da própria atividade de spin, da influência de que gozam as fontes profissionais. Os produtos informativos destas entidades são de tal forma bem preparados – e os respetivos resultados tão avaliados – que a margem de manobra deixada aos gate keepers é dramaticamente reduzida.

Escrutínio público e mediático

O mundo das Relações Públicas é já outro, é o mundo do Marketing de Consentimento. As instituições podem expressar os seus argumentos – comerciais, institucionais, políticos, de interesses -, mas sentem que os mesmos são objeto do escrutínio público e mediático e necessitam de atravessar canais ativos. Na geração das RP, as ações de comunicação não dependem apenas dos meios e da criatividade das instituições. Para que surtam efeito, para que se propaguem, têm de ser planeadas de forma a interagir com os canais, com consistência e uma correta avaliação dos riscos.

Um outro tempo que se esgota

Este tempo do Marketing de Consentimento e das Relações Públicas é, de qualquer forma, um processo organizado, de sistemas. Entre todos, o mediático é uma espécie de quinta com muros espessos e altos, intransponíveis. Aqui e ali, abrem-se os portões, uns mais largos, outros mais estreitos, correspondendo a cada um os seus guardiões privativos. São eles quem decide o que entra e o que não entra no sistema mediático. E é o sistema mediático que define o que é público (e o que não é) numa sociedade e num momento em que, muitas vezes, público e publicado são sinónimos. Aqueles que, como nós, têm o privilégio de acompanhar com atenção e olhar profissional o que se passa hoje em dia sentem que, da mesma forma que se esgotou o tempo do Marketing de Intromissão, estamos agora a esgotar o tempo do Marketing de Consentimento.

Os media a seu bel-prazer

“Nove em cada dez estrelas de cinema usam Lux”. Lembram-se? É um clássico da Comunicação Publicitária ou, para usar terminologia mais moderna, do Marketing de Intromissão. Perante este conceito, que viveu mais de uma década de felicidade comercial, a opinião pública de hoje interrogar-se-ia sobre a amostragem utilizada, os concorrentes levantariam processos perante as entidades de auto-regulação, para pôr em causa a credibilidade da fonte estatística e os fmedia iriam à procura da estrela de cinema “exceção”, mostrando-nos sucessivas reportagens acerca dos seus hábitos de limpeza e da sua “outra” marca de elfeição. Uma campanha publicitária como aquela pode tornar-se num pesadelo, caso algum dos prescritores seja acusado de consumo de droga, outro seja fotografado numa cena de violência pública, um terceiro tenha um fracasso de bilheteira, e por aí fora. Exagero? Talvez. Mas, o que devemos ter presente é que viveu-se um mundo em que as instituições podiam utilizar os media para dizer o quê e o como e o quando a seu bel-prazer, estando apenas dependentes dos recursos próprios e da criatividade contratada. Diziam e ficava dito. Havia mesmo um certo respeito de território entre concorrentes, um respeito que se traduzia numa identidade própria – o tal posicionamento único invocado pelo marketing –, auto definindo territórios de imagem que os afastavam uns dos outros. Esse mundo acabou e deu lugar ao mundo da partilha da marca. Já não são apenas as instituições quem define o seu próprio território de imagem, através da comunicação publicitária. Nascem outros agentes que contribuem para o mesmo, os gate keepers, esses guardiões do sistema mediático, e, do nosso lado, os spin doctors, que procuram influenciá-los. Mas mesmo este mundo também está a mudar. São os públicos que alimentam a Comunicação e se auto alimentam dela.

Sexta-feira, 15 Outubro 2010 15:27


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