O Pedro partilha a Graça da Havas

Se sapatos apertados fazem nascer novas danças, a Havas Worldwide Portugal experimentou novos passos nos dois últimos anos. E a coreografia ter-lhe-á saído bem, a crer pelos prémios que arrecadou – um deles um Leão em Cannes – e pelos novos clientes que angariou. O CEO, Pedro Graça, não tem dúvidas de que a agência partiu a loiça toda e é essa experiência, bem como a ambição, que partilha a partir da Havas Village, o moderno espaço que o grupo ocupa na cosmopolita Avenida da Liberdade, em Lisboa.

Briefing | 2021 foi o ano da Havas?

Pedro Graça | Foi um ano que acabou muito bem, embora tenha sido um ano muito difícil. Desde que entrámos em pandemia, a situação complicou-se para esta indústria. O ano de 2020 já tinha sido difícil, desde logo porque tivemos de fazer a mudança forçada para o trabalho remoto. Os impactos a nível de negócio foram grandes, projetos que estavam em curso foram cancelados, outros foram adiados e, entretanto, morreram e outros ainda foram adiados e, entretanto, recuperados.

Os primeiros seis meses de 2021 foram super-difíceis, com muito poucos projetos de new business e os que havia eram muito pequenos. O new business é fundamental para uma agência, é uma atividade em que é preciso estar continuamente a angariar clientes. Ora, quando não há new business não se consegue ganhar… new business… E o ano passado as coisas não aconteciam, o que nos angustiou bastante.

Além disso, começámos o ano com a saída de dois clientes – um deles foi a Galp, com a qual trabalhámos ano e meio, e maior do que esse impacto foi o da Peugeot, com quem trabalhávamos há 30 anos e que, fruto de um concurso internacional, mudou de agência. Foi uma quebra muito grande. Portanto, o ano começou com desafios muito ambiciosos e um grande esforço da equipa para conseguir alcançá-los.

Até que, em junho, ganhámos o Leão [de Prata], em Cannes, com o trabalho para a APCL [“Preenchido pela Paralisia”]. Parece que, de repente, o mojo mudou. Surgiram mais projetos de new business e começámos a trabalhar um cliente que, aos poucos, foi ganhando uma dimensão grande, a Teleperformance.

O trabalho para a APCL e outro que fizemos para a ONG Raparigas da Bola [#ElasTambémJogam] entraram no circuito dos festivais internacionais. Perdi a conta aos prémios. O que tem um efeito moralizador na equipa e no ambiente geral da agência.

E, quando estamos a chegar ao fim do ano, aparece, finalmente, o grande projeto de new business de que andávamos à espera, a EDP. Com a gana que tínhamos, organizámo-nos para responder de uma forma diria que quase irrepreensível e ganhámos. Isto fez com que o ano terminasse muito bem. Teve um impacto óbvio no negócio, porque é um cliente relevante, mas também no moral das tropas.

Como diz uma criatividade vossa, partiram mesmo a loiça toda?

Foi. Correu bem. O trabalho é muito bom, as ideias são boas, são ideias simples e com capacidade de viajar. Às vezes, temos boas ideias, mas que são difíceis de contar. E quem já foi jurado num festival sabe que temos milhares de peças para avaliar e é muito fácil ir-se fazendo page down e, de repente, uma boa ideia passou-nos ao lado. Mas, aquelas boas ideias são muito fáceis de perceber.

E depois, como em tudo, tivemos sorte. O Leão em Cannes fez com que houvesse uma atenção maior. É uma conquista, até porque foi a única peça portuguesa premiada, num festival onde estão os melhores trabalhos do mundo e sem qualquer capacidade de fazermos a promoção como outras agências. Os prémios são ótimos, mas o investimento nos festivais é grande, as inscrições são caras para países como o nosso. Quando subimos no ranking criativo da Havas, passamos a ter uma ajuda da network, na triagem dos festivais e, algumas vezes, subsidiando as inscrições.

As campanhas premiadas não pertenciam a marcas comerciais. É fruto das circunstâncias ou a criatividade vale por si?

A criatividade é um valor em si. Quando olhamos para a história do nosso mercado, há muitos trabalhos icónicos que ganharam prémios e que não eram para marcas comerciais. O que acontece é que temos menos trabalho premiado para marcas portuguesas, não porque o trabalho não seja bom, mas porque muitas vezes é difícil para um júri avaliar esse trabalho: vê logotipo estranho e não sabe o que é. Quando se olha para um trabalho que tem o logótipo da Nike, por exemplo, em qualquer parte do mundo sabe-se que marca é. Se a nossa Sanjo, que também fabrica sapatilhas, fizer um anúncio, as pessoas veem aquele logo e não reconhecem, portanto, a peça torna-se mais difícil de descodificar.

No caso das nossas duas campanhas premiadas, o contexto da peça criativa imediatamente define aquilo que se está a falar, além da simplicidade e da força das ideias. E ambas têm a ver com a inclusão, um tema muito alinhado com o sentido geral das pessoas.

Os prémios são um objetivo ou a cereja no topo do bolo?

Os prémios são uma consequência do trabalho que se faz. Mas esta consequência não acontece por acaso, é, de alguma forma, trabalhada. Embora não seja a razão de ser da agência. Não estamos no mercado para ganhar prémios, estamos no mercado para ter clientes e para resolver com soluções de comunicação os problemas de negócio dos nossos clientes.
Mas, porque é que os prémios são importantes e, mais ainda, num período como este? Porque estas ações que fazemos com estas marcas – que não teriam fôlego para contratar uma agência como a Havas – são desenvolvidas on the side, depois do trabalho, depois de respondermos às solicitações da nossa carteira de clientes, e envolvem muita gente. Por isso, quando são premiadas, têm um efeito moralizador brutal.

Estamos a falar de criatividade num contexto muito particular. Pode dizer-se que a necessidade aguça o talento?

Vimos isso no primeiro confinamento. De um dia para o outro, tive clientes a dizer que queriam comunicar, mas a verdade é que não se podiam fazer campanhas como de costume. Para uma filmagem, por exemplo, é preciso juntar 30 pessoas e não se podia. Um cliente como a NOS, que tem sempre projetos, nessa altura não se podia calar – aliás, a marca pertence a uma das categorias que ganhou maior relevância. Foram quatro ou seis meses em que mantivemos um ritmo de comunicação tal que, no final de 2020, a NOS acabou como a marca de telecomunicações com maior recordação publicitária. Nunca baixámos o ritmo, mas começámos a trabalhar de uma forma diferente. Nunca tínhamos feito um filme para a NOS com imagens de banco e fizemo-lo. Às tantas, começámos a esticar a corda e fizemos o filme da Mariza [a fadista interpretou “A Nossa Voz” para a campanha #VamosFicarLigados], que já foi convencional, mas com todas as restrições que ainda havia.

Tivemos todos de mudar a agulha. Costuma dizer-se que os sapatos apertados fazem nascer novas danças e foi isso que nos aconteceu.

 A conquista da conta da EDP fechou o ano com chave de ouro. O que acrescenta ao portefólio? Que desafios e responsabilidades traz?

É um orgulho imenso. A EDP já tinha sido nossa cliente; aliás, nas nossas credenciais surgem as várias versões do logo da empresa. Ter uma marca com a presença, a importância e a notoriedade da EDP é uma responsabilidade grande: os clientes entregam-nos as suas marcas para tomarmos conta delas durante algum tempo e em algumas dimensões. Mas, o entusiasmo também é muito grande. A nossa proposta que saiu vencedora do pitch resulta muito da vontade e do entusiasmo de trabalhar uma marca da categoria da EDP, no momento em que vive, pois são marcas que enfrentam desafios muito grandes, nomeadamente todos os que têm a ver com a descarbonização. E, também por isso, os desafios de comunicação que se levantam são muito interessantes. No mundo inteiro, estas marcas estão a mudar. Sempre foram importantes pela sua dimensão e pela relevância que têm no nosso quotidiano, mas o seu papel face ao contexto e aos desafios climáticos, que se tornam cada vez mais óbvios, mesmo para os mais céticos, ganham uma atualidade maior.

 

Este artigo pode ser lido na íntegra na edição impressa da Briefing.

fs@briefing.pt

 

Quarta-feira, 15 Junho 2022 11:22


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