“Em 1987, foi utilizado pela primeira vez o acrónimo VUCA. Volátil, incerto, complexo e ambíguo, este poderia muito bem ser o resumo de 2020, um ano em que o VUCA se transformou em realidade e nos obrigou não a teorizar, mas a aprender a viver neste contexto”, resume Inês Veloso, considerando, porém, que 2021 não começa num contexto muito diferente: “Quer isto dizer que vivemos janeiro de forma semelhante a dezembro de 2020, com a pandemia, as estatísticas, as estirpes e as vacinas, à procura da imunidade de grupo, mas ainda sem data marcada, apenas previsões e esperança.”
Sobre a área de atuação da Randstad, diz a diretora de Marketing que o “setor sofreu uma quebra abrupta com a pandemia”: “O lockdown levou à suspensão da maioria dos planos de contratação das empresas e, ao mesmo tempo, foram cancelados contratos flexíveis. Só alguns setores económicos estavam em contraciclo, como a grande distribuição e o setor da saúde, assim como os serviços de apoio ao cliente, que tiveram um papel muito importante na estratégia de suporte e comunicação das empresas. Apesar disso, a retração do mercado foi praticamente generalizada”, assegura.
“O regresso foi, como se esperava, cauteloso.” Ainda assim, “foi possível recuperar alguma atividade, especialmente na área da contratação flexível. O recrutamento também retomou, mas longe das previsões anteriores à pandemia”: “As dificuldades do nosso setor também foram notadas do lado dos candidatos. Até março, vivíamos num clima de elevada confiança no mercado de trabalho, o que favorecia a mobilidade de profissionais. Cerca de 30% dos portugueses vs 25% dos europeus tinham intenção de mudar de emprego, em 2020, segundo dados Randstad Employer Brand Research. A pandemia trouxe novamente a incerteza para o cenário profissional, dificultando a aceitação de novas propostas de trabalho. Num estudo realizado em maio de 2020, pela Randstad, Portugal, em comparação com mais de 30 países, foi o que considerou que a pandemia mais afetava a estabilidade profissional”, revela Inês Veloso.
Neste contexto, “os perfis que sofreram menor quebra na procura são os relacionados com os setores da grande distribuição, logística e saúde, assim como o da construção, que também manteve um elevado nível de atividade, em contraposição à quase estagnação do turismo e da aviação. As funções de atendimento ao cliente, tecnologias de informação e de e-commerce foram as mais procuradas como suporte aos canais digitais.”
Já o paradigma na área do recrutamento sofreu alterações, “porque a incerteza veio abalar a confiança das empresas e dos candidatos”, justifica Inês Veloso. “Uma reação semelhante ao que aconteceu durante a crise de 2012, mas com contornos diferentes. Hoje, o paradigma não assenta apenas na estabilidade da empresa, na sua viabilidade financeira, mas também na forma como gere a segurança e a saúde dos seus colaboradores. Uma preocupação com consequências na forma de trabalhar, na conciliação entre a vida pessoal e profissional e na própria produtividade. Ao mesmo tempo, a forma de recrutar também mudou. A tecnologia, que já existia em alguns processos, generalizou-se e as soluções de recrutamento à distância são hoje banais, quer para os candidatos, quer para as empresas. Esta alteração não retirou a importância do elemento humano, pelo contrário, até reforçou, permitindo um acompanhamento mais personalizado do candidato em todo o processo e até no onboarding.”
Sobre a entrada num novo ano, Inês Veloso comenta que não vai “mudar nada”, pois acredita que “a mudança é uma decisão e um compromisso que tem de ser feito pelas pessoas e assumido pelas empresas.” “E este é o maior desafio que temos para 2021, aceitar e cumprir a mudança, desenharmos o amanhã e o depois de amanhã e não esperar que a simples mudança de ano seja, em si, a grande salvação para o pior ano de sempre, até porque hoje vivemos o mesmo contexto de dezembro de 2020, e possivelmente até uma terceira vaga.”
Assim sendo, diz que a Randstad Portugal vai “manter, em 2021, a estratégia de proximidade” no seu setor: “#EstamosAqui com os nossos clientes e candidatos. Vamos criar cada vez mais conteúdos e momentos relevantes em diferentes canais, mantendo a inovação em termos de formatos e partilhando dados de mercado que nos permitam analisar tendências e refletir sobre o mundo do trabalho de amanhã. Acreditamos que este tem de ser um ano de aprendizagens e que os modelos de trabalho, de produtividade, de avaliação e de eficiência vão ser críticos e queremos ser parceiros das empresas e dos talentos neste processo de definição”.
Quanto aos reptos que se avizinham, Inês Veloso antevê “grandes desafios” no mundo do trabalho. “Seja porque acreditamos que algumas das restrições que temos hoje vão deixar de existir, seja porque 2021 vai ter duas realidades: pandemia e pós-pandemia. O principal desafio vai ser ao nível da saúde mental. Acreditar que vamos ser os mesmos depois da pandemia é um erro. Todo o processo teve impacto em nós e, por isso, é preciso reconhecer a necessidade deste acompanhamento.” Opinando que o “tema não deve apenas ser considerado no pós-pandemia, mas já hoje em contexto pandémico”, lança algumas questões. “A forma de trabalhar: remota, presencial ou mista? Esta é uma questão muito mais complexa do que uma pergunta de escolha múltipla. O que querem os seus colaboradores? Como medem a produtividade? Quais as ferramentas de comunicação? As pessoas estão felizes? Engagement em queda ou a subir? São muitas as questões a fazer e não há uma resposta certa, mas, sim, uma adequada a cada organização. A decisão que tomarem vai ter impacto na forma de trabalhar e na cultura da empresa. Uma decisão que deve ser estudada hoje e que não pode ser um voltar a ontem, porque sim”, alerta.
E o mercado do talento? “As pessoas continuam a ser o mais importante elemento das organizações e quer isto dizer que o employer branding tem um papel crítico em toda a estratégia. Ninguém vai perdoar as empresas que não tiveram a saúde das pessoas em primeiro lugar. A comunicação e a proximidade, mesmo com distanciamento, vão ser críticas e o pós-pandemia vai ‘ajustar as contas’ nesta relação”, avisa Inês Veloso, antevendo a flexibilidade das empresas e dos candidatos também como um dos grandes desafios para 2021. “Um desafio que tem de acabar com estigmas e com esquemas, que tem de reequilibrar o mercado e responder à flexibilidade exigida pela economia, mas também pelas pessoas.”