Briefing | Como é recomeçar após mais de dez anos na mesma agência e, ainda por cima, uma agência de que foram fundadores?
Marcelo Lourenço | Claro que é com alguma dor no coração que deixamos a Fuel – foram doze anos a fazer uma agência que começou como uma sala com quatro pessoas (incluindo eu e o Bexiga) se transformar na maior e uma das mais premiadas agências do país. Mas o mercado mudou muito neste tempo todo …
PB | O mundo é que mudou, não só o mercado …
ML | Isso: o mundo mudou e achámos que era hora de reinventar tudo – as nossas carreiras, a nossa maneira de pensar, o formato da agência onde gostaríamos de trabalhar …
PB | É como se tivéssemos deixado um grande estúdio de Hollywood para ir trabalhar na Netflix …
ML | Deixámos os CTT para ir trabalhar na Amazon …
PB | Ou fundar a nova Amazon …
Uma agência a dois. Num mercado em que as agências estão a crescer, muitas delas por fusão, é um risco ou nem por isso?
ML | Não acho que as agências estejam a crescer – pelo contrário: as fusões vão fazer com que as agências diminuam, que cortem pessoas e que contratem gente mais nova e mais barata. E acabamos todos com agências cheias de estagiários que passam a vida a reclamar do trabalho porque ganham pouco.
PB | Podemos dizer, com certeza, que na nossa agência 100% dos funcionários são seniores que trabalham em função das ideias. E os nossos colaboradores – designers, especialistas em digital, estrategas – são todos, antes de qualquer outra coisa, criativos de raiz.
Alguns clientes acompanharam-vos. São um bom ponto de partida?
ML | As agências são mais do que computadores e salas de reuniões: são pessoas. E os clientes percebem isso. O Queer Lisboa foi o primeiro cliente a dizer que gostaria de continuar a trabalhar connosco. Também fomos convidados para dois concursos de clientes grandes, contra agências grandes. Ninguém realmente se importou se a agência éramos só nós dois. Aliás, achavam até melhor que na agência fossemos apenas nós os dois.
PB | Sem falar nos novos clientes que decidiram trabalhar connosco pela primeira vez justamente porque conheciam a nossa trajetória …
ML | O Anselmo Ramos, um grande amigo nosso, acaba de começar a sua própria agência (a Gut). E ele diz algo que é a mais pura verdade: mais do que clientes, precisamos de cúmplices.
PB | O Queer Lisboa sempre arriscou connosco, o Festival Bang que acaba de apostar na nova agência, a Wook com quem já fizemos três campanhas sensacionais (na minha humilde opinião) … é este tipo de clientes – “partners in crime” …
ML | Acabámos de fazer um projeto com as Josefinas, um cliente que é um ótimo exemplo deste tipo de parceria. Foi a minha mulher quem me apresentou a marca dizendo “é o tipo de cliente com quem tu e o Pedro deveriam trabalhar”. E foi o que fizemos: entrámos em contacto com as Josefinas e um mês depois estávamos a apresentar a primeira campanha.
PB | Acho que a maioria dos clientes sente que somos uma equipa única: não somos criativos vedetas e irresponsáveis – afinal, temos provas dadas, ajudámos a construir a maior agência do País, a que mais vezes foi a Agência do Ano nos Prémios à Eficácia. Nós gostamos de resultados.
ML | Mas, ao mesmo tempo, somos uma das duplas criativas mais premiadas de Portugal. Somos uma espécie de cisne negro, de unicórnio – criativos que gostam de ideias originais, mas que tragam resultados …
PB | Um dos maiores elogios das nossas carreiras deve ter vindo do Sérgio Soares, nosso ex-cliente do Continente: um dia ele olhou para nós dois e, com alguma surpresa, disse: “Sabem, acho que vocês os dois gostam mesmo de trabalhar a minha conta. E isso é tão raro”.
ML | E é tão verdade. Adorávamos trabalhar o Continente …
Estiveram “coming soon” durante alguns meses. O que vos fez ficar em definitivo com este naming?
PB | O nome nasceu do próprio conceito da agência que gostaríamos de fazer: uma agência que reage mais rapidamente às mudanças que acontecem todos os dias na nossa profissão. Numa multinacional, a estrutura manda na criatividade. Uma ideia tem que ser aprovada e “adaptada” por todos os outros departamentos – pessoas com opiniões diferentes e nem sempre com o mesmo compromisso com a criatividade, com a originalidade…
ML | Numa multinacional nem sempre se pode trabalhar com o melhor, mas sim com quem a “estrutura” coloca à sua disposição.
PB | E as grandes agências nem sempre conseguem acompanhar a velocidade a que as coisas acontecem no novo mundo digital.
ML | O “padrinho” do nome foi o Jacques Séguéla – quando ele soube que iríamos deixar a agência, convidou-nos para ir almoçar com ele a Paris. Fomos, explicámos o projeto da nova agência e ele sugeriu que o nome fosse “Next” – porque a agência dos novos tempos não deve se fechar num conceito único como “digital” ou “conteúdo”, deve ser a agência do que vem a seguir …
PB | O Jacques é um génio: definiu numa frase o projeto da agência que tínhamos estruturado numa apresentação de dez slides …
ML | Não conseguimos registar Next em Portugal, que já está tomado em todas as áreas, então “Coming Soon” foi a nossa maneira de reinventar o nome sugerido pelo Jacques, um nome que também é o próprio conceito da empresa – a agência que nunca estará pronta, fechada num formato … a nossa estrutura nunca será um empecilho para a criação de novas ideias.
O Marcelo e o Pedro que fizeram dupla durante tantos anos em grandes agências são os mesmos em ca(u)sa própria?
ML | O Pedro Bexiga está a revelar-se um grande account.
PB | Obviamente agora fazemos coisas que não fazíamos antes – o que é um aprendizado gigantesco.
ML | Mas, como a própria Briefing nos chamou uma vez, somos os Rocky Balboa da Criatividade – nunca desistimos. E gostamos de aprender todos os dias.
Que refresh vão trazer ao mercado? O que é mais importante para uma agência? As ideias bastam?
ML | O grande refresh no mercado tem sido feito nos últimos anos pelas agências independentes – as melhores coisas que eu tenho visto em Portugal são as campanhas do Lidl, d’ O Escritório, as campanhas do IKEA, da The Hotel, da comOn, da Partners … queremos estar aí e trabalhar com clientes que queiram ser mais Netflix e menos RTP…
PB | Não só em Portugal – a David (e agora a Gut), a Droga 5, a R/GA, a Wieden & Kennedy são todas agências e networks independentes, que é de onde tem vindo sistematicamente o trabalho que renova a nossa profissão.
ML | Um dos nossos motes na Fuel era que éramos uma grande agência que se comportava como uma startup. A Coming Soon será isso ao contrário: vamos ser uma startup com ambição de agência grande: vamos mudar o mercado um projeto de cada vez.
PB | Nenhum budget é pequeno quando há vontade de fazer melhor.
ML | Somos a agência dos nativos da criatividade: o produto que temos para oferecer é a ideia, o conceito, a “voz” de uma marca. Aquilo que nenhum especialista em tecnologia sabe fazer …
PB | Nem nenhuma consultora oferece…