O ponto de partida para a conversa é o relatório da Burson-Marsteller
sobre o lobbying visto pelos políticos europeus. Um relatório cujas
conclusões Henrique Burnay lê de dois pontos de vista: o de quem está
em Bruxelas e se dedica precisamente à representação de interesses e o
de quem está em Portugal e ainda olha para a actividade como algo
sinistro.
Briefing – Que leitura faz deste relatório?
Henrique Burnay – Para quem, como eu, está em Bruxelas, o mais
importante é perceber quais são os métodos considerados mais efectivos.
E nesse âmbito as conclusões parecem-me muito óbvias e acertadas: os
canapés já não funcionam, o que é mais valorizado são os contactos
directos e a informação objectiva.
B – E do ponto de vista de quem está em Lisboa?
HB – Parece-me que, para Portugal, é mais relevante a conclusão de que
o lobbying é visto como tendo um contributo positivo no processo
decisório. Esta percepção da representação de interesses é
importantíssima.
Em Portugal, o lobbying tem uma conotação muito negativa, é algo visto
como sinistro. Quando em Bruxelas todos os fazem – associações
empresariais e sindicatos, empresas e ONG, todos representam
directamente os seus interesses. E fazem-no porque em Bruxelas se tomam
todos os dias decisões muito importantes para a actividade de cada um.
E são bem recebidos. Dou-lhe um exemplo: um deputado europeu que seja
relator num determinado dossier, por exemplo sobre telecomunicações,
abre as portas aos grupos de interesse nessa área para preparar a
proposta que vai apresentar ao PE. Ele tem de ter consciência das
implicações daquilo que vai propor, para as empresas, para o emprego,
para os consumidores, para a concorrência na Europa e até para as
empresas não europeias do mesmo sector.
É um processo aberto. O decisor continua a ser decisor, mas quando
decide conhece as várias consequências da sua decisão. Pode até decidir
ideologicamente, porque pessoas diferentes decidem de forma diferente,
mas sabe o que está em jogo.
Não tenho dúvidas de que o lobbying aumenta a participação no debate político.
B – Como se explica que em Portugal esteja tão mal visto?
HB – Encontro duas ou três explicações. Primeiro, a nossa relação com a
democracia é muito recente. Depois, somos um país muito pequeno onde é
possível chegar aos decisores pela via do conhecimento pessoal, onde as
relações pessoais e profissionais se confundem. Não é por acaso que a
tradição do lobbying vem dos Estados Unidos, explica-se pela
diversidade geográfica e pela escala do país. Na Europa é a Inglaterra
que detém a maior experiência, pois sempre cultivou a transparência,
sempre teve a noção muito clara de que as medidas têm consequências na
vida das pessoas. Afectam interesses e os interesses das empresas são
os interesses da economia de um país.
B – Uma das principais críticas que emerge neste relatório é a falta de transparência…
HB – Penso que quanto mais reconhecermos que o lobbying existe e é útil
mais será transparente. Mais do que regras, parece-me que é importante
haver abertura. Quanto mais grupos forem trazidos para a conversa maior
a transparência.
Contudo, reconheço que, vista de fora, a questão da transparência é
relevante. É preciso criar condições para que exista. Mas também lhe
digo que, comparando com o que se imagina em Portugal, o lobbying é
muito transparente. Serve precisamente para evitar que coisas sinistras
aconteçam…
B – Será preciso fazer lobbying pelo lobbying?
HB – Eu estou disponível para fazer lobbying pelo lobbying português em
Bruxelas. Deixámos muitas vezes de participar nos debates e de
influenciar as decisões por pensarmos que, como éramos um país pequeno
e periférico, não tínhamos poder. Pensávamos que tínhamos de ser bons
alunos, cumprir as obrigações e beneficiar dos fundos.
Mas, estatisticamente, já não somos pobres nem pequenos a nível
europeu. Há uns anos era exótico ser-se português em Bruxelas, mas já
não é. É o efeito Barroso. E já começámos a perceber que temos algum
poder e que temos necessidade de influenciar as decisões.
Temos de estar em Bruxelas. Dou-lhe exemplos: o aeroporto de Berlim,
que é um aeroporto pequeno, está aqui representado; nós, que vamos ter
um novo aeroporto, não estamos; todas as regiões espanholas têm cá uma
representação, nós só agora demos o primeiro passo. Os Açores têm um
contrato de lobbying, estão de parabéns.
B – Voltando à questão da eficácia. Porque é que os canapés já não bastam?
HB – Não tenho a menor dúvida de que o mais relevante é o contacto
directo, a disponibilização de informação precisa – com factos, com a
posição que se defende e as razões. Depois há que acertar no
interlocutor, tem de ser uma pessoa com influência e sensível ao
lobbying.
Quanto aos canapés, penso que são equivalentes à publicidade
institucional: são uma forma de estar presente, de manter a
visibilidade, mesmo que não influenciem a decisão.
B – É sócio da Eupportunity, criada este Verão. O que o levou a dedicar-se ao lobbying?
HB – Eu já estava em Bruxelas há cinco anos e o meu sócio, o Luís
Queiró, foi eurodeputado durante dez anos. E a empresa nasce da
percepção da enorme ausência da economia portuguesa.
O tecido económico português está a mudar, há empresas muito dinâmicas,
que se estão a internacionalizar e que têm consciência de que vão ser
afectadas pelas decisões de Bruxelas. De certo modo também é uma
consequência do efeito Barroso. Termos um português na presidência da
Comissão abre uma janela de oportunidade, que deve ser aproveitada. As
empresas portuguesas têm de investir numa outra percepção da Europa,
têm de estar em Bruxelas.