Dar Access (Lab) a todos, passo a passo

Mais do que uma obrigação legal, a acessibilidade é um direito fundamental. E a acessibilidade cultural deixou há muito de ser um tema periférico, representando agora não só uma exigência ética e social, como também uma oportunidade estratégica para instituições, promotores de eventos e marcas que querem comunicar com comunidades diversas. Em Portugal, a Access Lab tem desempenhado um papel determinante nesse caminho, impulsionando práticas que garantem o acesso de pessoas com deficiência e neurodivergentes à cultura e ao entretenimento. Em conversa, os cofundadores Tiago Fortuna e Jwana Godinho partilham que há avanços que têm sido alcançados, mas que há lacunas que persistem, como não ter sido criada ainda uma categoria de bilhete específica para esta comunidade.

Dar Access (Lab) a todos, passo a passo

Briefing | Em termos de notoriedade, como tem evoluído o posicionamento da Access Lab junto das instituições culturais e dos promotores de eventos?

Jwana Godinho (JG) | Há aqui uma notoriedade a vários níveis… No caso dos festivais, é mais do que uma marca, mais do que a instituição cultural ou o promotor, e isso é uma coisa muito boa. Há uma necessidade de as pessoas que organizam os eventos de fazer isto, mas sabemos que ainda há um custo de contacto que é alto. Muitas vezes, é importante que as marcas ou o patrocinador de um festival deem esse passo e, depois, é um efeito dominó: por um lado, a comunidade começa a aderir, sente-se mais representada, mais segura em pertencer a estes espaços; e, por outro, os promotores sentem-se mais confiantes de que é um investimento que também faz sentido fazer.

Quantas pessoas com deficiência foram impactadas diretamente pelas vossas iniciativas?

Tiago Fortuna (TF) | É muito difícil saber o número ao certo porque os festivais de música em Portugal não têm uma categoria de bilhete para pessoas com deficiência, ou seja, não consegues mapeá-las, não consegues saber quem está a usufruir – a não ser as que estão a usufruir das iniciativas. Enquanto não tivermos sistemas de bilheteiras que façam esse caminho – que é natural –, vai ser difícil.

JG | E mesmo as que estão a usufruir das experiências, como o Colete das Emoções [colete sensorial para pessoas surdas], vêm com outros amigos surdos que podem não utilizar os Coletes. Além disso, há outras duas questões que são importantes para complementar o que o Tiago disse. Por um lado, muitas deficiências não são visíveis (80 %), pelo que podemos pensar que temos uma percentagem muito grande de pessoas que estão a ser impactadas. E, por outro lado, uma pessoa com deficiência nunca é uma pessoa só. A maior parte das pessoas são o ecossistema à sua volta, portanto, este tipo de iniciativas tem um efeito multiplicador, muito para lá da pessoa direta que é impactada pela ação.

Não existir ainda essa categoria de bilhete é uma lacuna?

JG | É uma lacuna! Acho que não há mal nenhum em que haja essa categoria. Há quem diga – e eu percebo – que se for feita uma categoria específica, pode limitar o número de bilhetes disponibilizados. Mas a verdade é que isso já acontece porque os festivais têm sempre um limite de pessoas. Quando estamos a limitar, estamos a conhecer qual é o potencial de número de bilhetes vendidos e a fazer um trabalho educativo de parte a parte.

TF | Estamos a garantir que quem vai, tem as condições que precisa.

Que especificidades teria esse bilhete?

JG | Pode ter várias… Há uma ideia que é muito defendida por nós e que ainda não está a ser implementada, mas acreditamos que vai passar a ser, que é a questão de haver um bilhete de acompanhante que não é cobrado. Depois, pessoas que precisam de utilizar uma plataforma, poderem utilizar ou não esse espaço. Além disso, podemos ter outros recursos, como coletes sensoriais para pessoas surdas ou audiodescrição para pessoas cegas. 

É um trabalho que já é feito por muitos promotores e no estrangeiro. Na Inglaterra, todos os festivais têm esta categoria de bilhete, e isso também permite que haja mais pessoas a irem e que se tenha um conhecimento maior das pessoas que vão da comunidade.

Carolina Neves

*Esta entrevista pode ser lida na íntegra na edição impressa de setembro de 2025

Terça-feira, 07 Outubro 2025 11:49


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