A Inês tem uma Mensagem do Futuro, entre Madrid e Lisboa

Inês Reis é copywriter na David Madrid e partilha com o Clube Criativos Portugal, e com a Briefing, a sua Mensagem do Futuro, escrita enquanto conta os dias para o regresso ao que apelida de irreal normalidade.

 

Mais uma receita, mais um live, mais um dia para aquele em que poderemos voltar à irreal normalidade.

Apesar do recolher obrigatório em Madrid, no dia em que voltei com o meu namorado para Portugal, a apenas poucas horas de fecharem as fronteiras, ainda havia várias pessoas na rua, inclusive um turista que aproximou o seu mapa a 5 cm dos meus olhos e o dedo a 4, enquanto perguntava para que lado era o rio. Admito que paniquei por dentro, enquanto dizia com um sorriso que não sabia. Seria irresponsabilidade minha deixá-lo seguir caminho. Ainda por cima, um caminho errado porque, estando há tão pouco tempo em Madrid, já era uma sorte saber a direção para a agência.  

Durante a viagem, as pausas para xixi ajudam a espairecer e a aliviar os ouvidos das músicas destruídas pela voz de quem vai ao lado. Por isso, até se faz bem.

Quando chegámos à fronteira, polícias, jornalistas e uma câmara a entrar carro adentro fizeram-nos parar.

“De onde vêm?”

“Madrid.”

“Para onde vão?”

“Portugal.”

“Podem passar.”

Pareceu-nos demasiado fácil para o pânico que se estava a viver e a nossa reação foram 15 minutos de silêncio.

Mas, para ser sincera, 15 minutos sem ouvir disparates soube bem. Se calhar foram 5, mas é de dar valor a qualquer segundo. *

Finalmente estava ao pé do mar, ao pé dos gatos.

Com tudo o que era anunciado nas notícias, o vírus era o foco. Os avisos, as medidas, as previsões pouco positivas. Confesso que, no primeiro dia em casa, com o Teixeira, sentia-me verdadeiramente preocupada. Nada mais me passava pela cabeça a não ser a aflição de… “Como é que eu vou aturar este gajo 24/7 durante sabe-se lá durante quanto tempo?”.

Um não problema que, com a quarentena, a maior parte das pessoas está a enfrentar. Por isso, a quem tem filhos, quem vive com os pais ou com a própria sombra e já está a trepar paredes, não se esqueçam que há paredes que testemunham gritos mais graves do que guardar as meias dos vossos filhos na gaveta errada. “Mãe, já te disse que as minhas meias cor de rosa não são nesta gaveta!!!” –  in. Vizinha do lado, 15 anos.

Entre meias e as meias conversas de mãe e filha a entrarem pela nossa casa adentro, o tempo foi passando. Com reuniões em espanhol e outras em português, até agora só deixámos de partilhar a sala durante o dia. Ele trabalha na varanda.

Enquanto isso, à noite, juntamo-nos no sofá e vemos os últimos 30 minutos do episódio anterior antes de passar ao próximo, porque um de nós adormeceu – uma pista: a idade não perdoa…

E, por falar em idade. Os reclames na televisão voltaram a ganhar a visibilidade de quando eram chamados desta forma, mas a criatividade está no digital, agora mais do que nunca. É a porta para entrar na casa dos amigos e deixar entrar artistas. Com isto, as nossas casas passaram a ser enormes. Passaram a ser os nossos restaurantes preferidos, ateliers, ginásios, agências, empresas. Deixaram de ter a nossa vida lá dentro e passaram a ser a nossa vida.

O lado positivo: simples desejos como “quem me dera não ter de fazer a depilação”, ou “com esta chuva, só me apetecia ficar em casa”, e até “…se as reuniões fossem de pijama…” realizaram-se.

Depois de tudo isto, de certeza que há coisas que vão ficar marcadas para sempre. Uma delas, espero que seja o primeiro abraço que voltemos a dar.

 

*Estou a brincar. A voz do Teixeira a perguntar pela milésima vez “O quê?”, só para me fazer repetir a mesma coisa 5 vezes, não me sai da cabeça mesmo que eu queira. E ainda bem.”

 

Crédito da foto: Diogo Lima

briefing@briefing.pt

 

Quinta-feira, 07 Maio 2020 08:44


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